Artigo: É possível ser cristão e comunista?

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É possível ser cristão e comunista?

A pergunta que se apresenta no título deste artigo tem sido cada vez mais presente na sociedade brasileira contemporânea. Com o crescente avanço das ideologias de esquerda, assim como do recente interesse da população por política – fenômeno esse que teve origem com as manifestações de 2013 – o meio cristão também passou a se deparar com termos voltados para o político como um todo; o outrora “país do futebol” se estabeleceu numa era totalmente nova, e talvez até em um caminho sem volta que é o do debate político, que por sua vez surge a partir da conscientização acerca de quem ou o que está governando o país.

Mas dentro dessa conscientização a igreja passa por um processo quase que pessoal de debate, pois se há uma “polarização” política do “lado de fora”, no seio da igreja isso também se expressa quando vemos surgir os chamados “cristãos progressistas”, esses amplamente comprometidos com as ideologias de esquerda. Assim não é incomum vermos pastores envolvidos em defesa de pautas LGBT’s, liberação de drogas, etc. Afinal de contas, toda ideologia de esquerda se pauta no comunismo, e o comunismo nada mais é para essas pessoas do que o ensino do amor, da comunhão e da tolerância, ou seja, tudo aquilo que Jesus ensinou.

No entanto, os autores do comunismo estavam preocupados que sua ideologia se aproximasse tanto assim do cristianismo? Há de fato essa compatibilidade entre a ética cristã e os chamados movimentos sociais da esquerda? E quanto a Jesus? Teria sido ele o primeiro revolucionário comunista, e que buscou reformular sua geração a partir de mudanças sociais e aceitação de que cada um deve fazer aquilo que lhe fizer feliz? É para responder tais questões que trataremos dessa relação comunismo/cristianismo ao longo deste artigo.

I. O que é o comunismo

Antes de traçar qualquer relação entre o comunismo e a igreja contemporânea é necessário compreender certos termos. Primeiramente aqui nos valeremos do termo “comunismo” ao invés de “socialismo” – em alguns casos neste artigo, tais termos serão até sinônimos. E isso não por descartarmos os sentidos individuais de ambos, mas sim pois cremos que o comunismo como a meta final do pensamento revolucionário deve ser aqui priorizado a fim de elucidarmos se há ou não qualquer compatibilidade entre ele e o pensamento cristão moderno. Assim o socialismo é o caminho para se alcançar o comunismo, e este seria a consolidação do processo revolucionário.


I. 1. Comunismo: contexto histórico e social 

O comunismo irá surgir em finais da primeira metade do século XIX, no entanto suas bases são oriundas do que aqui iremos chamar “pensamento revolucionário”, o qual pode ser definido como um desejo ardente de remodelar todas as estruturas sociais, e preferencialmente pelo uso da força. Esse ideal sempre esteve de alguma forma presente na humanidade, no entanto, só viria a ganhar mente e corpo com os filósofos iluministas do século XVIII durante a sua crítica ao “Antigo Regime”, sobretudo no que dizia respeito ao cristianismo e a monarquia absolutista. Seu momento áureo certamente foi a Revolução Francesa, especialmente a chamada “Revolução Jacobina”, em referência aos jacobinos, a ala mais radical dos revolucionários, sendo responsáveis pelo massacre de seus inimigos durante um período da revolução que ficou conhecido como “Terror Jacobino”, ou somente “Terror”.

Mesmo após a ascensão de Napoleão Bonaparte, e após isso o “concerto” da Europa pós revolução com as ações do Congresso de Viena, o mundo jamais seria o mesmo e o “pensamento revolucionário” não desapareceria. A situação apenas se transformaria, as peças seriam substituídas, mas o jogo seria o mesmo; agora não se buscava a revolução para depor o monarca, mas sim para derrubar os opressores em todos os lugares.

Com o advento da Revolução Industrial isso se tornaria ainda mais nítido; o maquinário substituiria parte da mão-de-obra humana, e aquela que permaneceria empregada seria sob situação precária, com muito trabalho e pouco salário. O historiador marxista Eric Hobsbawm apontou que esse “proletário industrial” foi o antigo revolucionário e o atual componente do que seria a nova “classe operária”, assim dando origem a um novo movimento revolucionário “proletário-socialista” (HOBSBAWM, 2012:194).

Assim, desde 1830, vários intelectuais passaram a se reunir com o intuito de debater acerca desse crescente processo de desigualdade social. Então, em 1848 se forma uma “Liga Comunista”, cujo slogan era “Proletários de todos os países, unam-se”. Esse movimento irá ganhar maior expressividade com a formulação do Manifesto do Partido Comunista, escrito pelos intelectuais revolucionários Karl Marx e Friedrich Engels.

O propósito era iniciar uma revolução em larga em escala, esta liderada pelos trabalhadores de todos os países contra seus patrões opressores; assim, o que Marx e Engels irão entender como comunismo nada mais seria do que a revolução do proletariado, a qual descambaria numa ditadura do proletariado, pois este trabalhador, uma vez que tudo produz, é quem deve estar no poder, e assim o comunismo estaria consumado; a propriedade privada seria abolida, o proletário mundial estaria no poder, e a classe opressora – chamada por Marx de “burguesia” – seria extinta. Nas próprias palavras de Marx e Engels, o comunismo seria a declaração de guerra contra essa dita “sociedade burguesa”, o que é bem expresso pelos autores da seguinte forma:

O objetivo dos comunistas é o mesmo que aquele de todos os outros partidos proletários: constituição do proletário em classe, derrubada da dominação burguesa, conquista do poder político pelo proletariado (…) O que caracteriza o comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição da propriedade privada burguesa. Ora, a propriedade privada hoje, a propriedade burguesa, é a última e a mais perfeita expressão do modo de produção e de apropriação baseada em antagonismos de classes, na exploração de uns pelos outros (…) Neste sentido, os comunistas podem resumir sua teoria nesta fórmula única: abolição da propriedade privada.

Fica evidente que, para os ideólogos do comunismo o grande mal era a burguesia, mas nem Marx e nem Engels propunham uma “sociedade burguesa” sem cabeça e sem rosto, para eles o “burguês” era fruto de uma conjuntura social e educacional controlada pelas “classes dominantes”, a saber a família. Para então trazer o tão sonhado advento do comunismo, seria então preciso destruir a chamada “família burguesa”, e assim remodelar o processo educacional burguês. Acerca disso Marx e Engels comentam:

Abolição da família! Até os mais radicais ficam indignados com esse infame propósito dos comunistas. Sobre que base repousa a família atual, a família burguesa? Sobre o capital, sobre o lucro individual. Em sua plenitude, a família só existe para a burguesia (…) A família burguesa se desfaz com a eliminação do seu corolário e ambos desaparecem com o desaparecimento do capital (…) E sua educação, não é ela também determinada pela sociedade? Não é determinada pelas condições sociais em que vocês educam seus filhos, pela ingerência direta ou não da sociedade, por meio da escola etc.? Os comunistas não inventam a influência da sociedade sobre a educação; mudam somente seu caráter e arrancam a educação da influência da classe dominante.

Assim observamos que o marxismo, a fonte ideológica do comunismo, busca a destruição desses obstáculos para a revolução, a saber a família, o capital e a propriedade privada. François Châtelet observa que a crítica político-econômica era para Marx a arma contra o poder burguês, e que isso facilitaria a dominação da sociedade pelo proletariado (CHÂTELET, 2009:125). Portanto, o marxismo como base do comunismo tem sua essência na crítica da sociedade burguesa, ou ainda a crítica radical de tudo, pois “o atual” nunca está bom, enquanto não houver o fim do que Marx considerava como “burguês”, é necessário haver mudanças radicais que consolidem a revolução, a essas mudanças damos o nome de socialismo, e quando elas se consumam está aí instaurado o comunismo.

Um ponto igualmente importante além da destruição da família é o pensamento marxista de que a educação deve sair das mãos da “classe dominante” e pertencer ao revolucionário comunista quase que como sua propriedade privada (ironicamente). A longo prazo, esse domínio educacional ajudaria a formar a mentalidade do revolucionário, moldando toda uma sociedade até que em poucas décadas toda a população pense e aja como um revolucionário comunista sem ao menos saber o que é isso.

O pastor Franklin Ferreira nos traz um exemplo de como a educação revolucionária foi aplicada no Brasil; ele usa o caso da violência e a tolerância para com os criminosos que a cometem como exemplo dessa aplicação do pensamento marxista na educação básica (e acrescento eu, na educação universitária também). Para o referido pastor, criou-se uma tolerância com os bandidos, pois estes são as vítimas de uma sociedade desigual; curiosamente essa mesma estratégia foi utilizada pelos revolucionários russos durante a Revolução de 1917, ou seja, aproximar-se do crime afagando os criminosos a fim de utilizá-los para a revolução (FERREIRA, 2016:225,226).

Essa desconstrução já estava presente em Marx, contudo concentremo-nos na ideia por trás; imaginemos toda uma geração de juristas, advogados e juízes que foram desde cedo educados a tratar como vítimas quem comete crimes, hediondos ou não; assim torna-se justificável o roubo, o latrocínio, o homicídio e a corrupção, as penas são mais amenas e certo clima de impunidade permeia no ar. Menores não são criminosos, são “infratores”, e portanto não podem ter as mesmas penas do que maiores de idade, ainda que tenham cometido os mesmos crimes. Em suma, cria-se uma sociedade tolerante ao crime e tudo por conta de décadas de educação revolucionária que ajudou a criar uma classe que desestabilizaria a sociedade e a “família burguesa” e assim fomentaria a revolução. Tal como apontado pelo pastor Ferreira, há um laço histórico entre os criminosos e os comunistas; o crime favorece o caos, e o caos favorece a revolução, foi assim em todo processo revolucionário da história humana, e assim o é no Brasil hoje em dia.

I. 2. A crítica ao marxismo

Apesar de ser sido uma revolução tanto no aspecto filosófico quanto no político, o comunismo/marxismo não ficou imune a críticas. Na realidade, até hoje a própria esquerda aponta que ela não é tão unida tanto quanto possa parecer e que de fato há certa crítica interna (embora em relação ao seu objetivo final permaneçam unidos).

No entanto as críticas de esquerdistas para esquerdistas jamais brindaram a questão fundamental, ou seja, o apontamento dos maiores erros da filosofia marxista tal como da aplicação do comunismo. Não se fez de fato uma desconstrução, e tão pouco, em nenhum momento, se afirmou que o comunismo era algo impossível de ser alcançado; basicamente quando o modelo socialista, que em tese deveria ser apenas uma ponte para o comunismo falha, há sempre de se evocar os mesmos argumentos, dizem: “não está dando certo porque ainda não chegamos lá, mas vamos continuar como estamos até alcançar nosso objetivo”, ou seja, muitos sabem que o comunismo de Marx não é só inalcançável mas também é inviável, então nesse caso optam por um socialismo eterno, ou o que alguns chamam de “Revolução Permanente”. Já a segunda desculpa para a falha do ideal marxista é a velha máxima “deturparam Marx”, essa diga-se de passagem é a mais utilizada. Se Marx foi tantas vezes deturpado ao longo da história seria então de se esperar que já tivessem abandonado tudo o que ele falou.

Mas haveria ainda uma terceira desculpa, mas nesta não nos ateremos devido a sua complexidade, mas poderíamos simplesmente falar que para o comunista, quando sua ideologia parece funcionar (ainda que tal êxito se deva a alguma prática capitalista) eles enaltecem o comunismo/socialismo, mas quando tudo dá errado eles afirmam ser por culpa do capitalismo.

Mas no que condiz as críticas a Marx, certamente os mais severos foram aqueles avessos ao comunismo. Era de se esperar que a ideologia extremamente criticista de Karl Marx em algum momento também fosse criticada.

Ludwig von Mises traz dois apontamentos importantes acerca das falácias presentes no marxismo. Primeiramente Mises aponta que o foco inicial de Marx era simplificar a história humana e resumi-la simplesmente a luta de classes; na verdade o próprio Manifesto se inicia com a clássica frase “A história de toda a sociedade até aqui é a história da luta de classes.”. Mises então nota que não só no Manifesto, mas também em toda a sua obra até sua morte, Marx jamais definiu o que é uma classe (MISES, 2016:37). Seria de esperar que tal definição fosse vital para Marx, no entanto tanto no Manifesto quanto n’O Capital, Karl Marx jamais define com clareza o que seria uma classe.

O perigo dessa falta de explicação é que se criou um vácuo que inevitavelmente foi preenchido com praticamente qualquer coisa; hoje já não importa o que é a classe em si, o jogo se constituiu no “nós contra eles”, de modo que quem está contra a ideologia comunista é a “classe opressora”, é o “burguês de ocasião”, que não tem características específicas, seu único “erro” foi se tornar inimigo da “revolução”.

Roger Scruton observa que o pensamento econômico comunista parte do princípio que o pobre é pobre porque o rico é rico, assim somente a igualdade pode remediar a riqueza, no entanto a falácia disso se mostra no fato de que a pobreza pode ser vencida pela própria riqueza, dê a um pobre meios de trabalho e ele irá lucrar (SCRUTON, 2020:75). É notório que o capitalismo é a única doutrina econômica que gera riqueza e consequentemente mobilidade social, é a possibilidade do pobre adquirir a riqueza, enquanto as ideias advindas do marxismo podem no máximo distribuir a pobreza e igualar a todos nela.

Contemporâneo a Marx, Frédéric Bastiat observou que até concepção marxista das leis é questionável, pois coloca na letra fria da lei uma aparente filantropia, dando assim ao Estado o dever de se preocupar com o que cada pessoa até mesmo irá comer, dando assim maior controle do poder vigente sobre os cidadãos (BASTIAT, 2016:56).

Poderíamos apontar aqui outras críticas e desconstruções acerca do comunismo, mas a fim de não nos alongarmos, agora passaremos a tratar da relação da fé cristã com o comunismo, e sobretudo com a pessoa de Jesus, e então poderemos observar se de fato é possível conciliar o cristianismo com o comunismo.

II. Cristianismo e comunismo

Até aqui vimos a natureza do comunismo a partir de suas origens revolucionárias desde o século XVIII, chegando então a Marx e Engels e a construção do Partido Comunista como a ponta de lança do movimento revolucionário que tinha por objetivo abolir a propriedade privada burguesa, e extinguir a própria família chamada de “burguesa” por Marx – o que hoje seria chamado de “família tradicional” – em suma, organizar uma mudança social drástica e irreversível. Mas a grande questão permanece: tais ideias são compatíveis com o cristianismo? Ou melhor, Jesus Cristo se encaixa perfeitamente no ideal revolucionário marxista?

Cremos que observar alguns textos do Novo Testamento pode nos dar luz acerca do que Jesus realmente era e se por acaso ele se enquadraria no pensamento revolucionário marxista ou em qualquer pensamento revolucionário moderno.

II. 1. Jesus e Marx

Para que o Senhor Jesus seja então um revolucionário socialista, comunista e esquerdista, ele teria que estar no mínimo próximo dos pensamentos de Marx, ou melhor, Marx deveria ter brindado a figura de Jesus como um grande revolucionário, no entanto isso jamais ocorreu, na verdade Karl Marx utilizava o termo “alienação” a fim de dizer que tudo o que afasta o proletariado da revolução comunista o está alienando, e um dos objetos alienadores mais proeminentes para Marx era a religião. Em sua crítica a Hegel, Karl Marx escreve que “a religião é o ópio do povo”. Aqui Marx compara o pensamento religioso a um narcótico como o ópio, cuja função é enevoar e raptar a mente, desconectando seu usuário da realidade; então de igual modo, a religiosidade alienaria o proletariado fazendo-o focar em coisas como salvação e expiação, enquanto deveria estar lutando pela tão sonhada ditadura do proletariado. Assim, nesse primeiro ponto, o próprio Marx nos diz que sua ideologia não poderia comportar a pessoa de Cristo que ensinou justamente questões ligadas a salvação e a natureza caída do homem, e o priorizar “as coisas do alto”. Haveria então um erro básico de compatibilidade entre Marx e Cristo.

Agora adentrando mais no Novo Testamento iremos ver alguns textos em que Jesus aborda certas ideias que vão diretamente contra o pensamento marxista, iremos ver alguns pontos do marxismo clássico e então compararemos com os ditos neotestamentários.


II. 1. 2. A extinção da propriedade privada

Jesus jamais falou contra a propriedade privada. Vemos no “Sermão do Monte” o Senhor tratar de questões acerca de bens materiais, ele diz o seguinte:

Não acumulem tesouros sobre a terra, onde as traças e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntem tesouros no céu, onde as traças e a ferrugem não corroem, e onde ladrões não escavam, nem roubam. Porque, onde estiver o seu tesouro, aí estará também o seu coração. — Os olhos são a lâmpada do corpo. Se os seus olhos forem bons, todo o seu corpo será cheio de luz; se, porém, os seus olhos forem maus, todo o seu corpo estará em trevas. Portanto, se a luz que existe em você são trevas, que grandes trevas serão! — Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou irá odiar um e amar o outro, ou irá se dedicar a um e desprezar o outro. Vocês não podem servir a Deus e às riquezas. (Mateus 6:19-24, NAA).

Aqui Jesus faz uma crítica a obsessão em ajuntar riquezas que podem tomar o lugar de Deus em nossa vida, tanto o é que logo em seguida Jesus alerta para que não andemos ansiosos com o que comer e vestir, antes confiemos em Deus e não depositemos nossa fé e esperança em nosso emprego, riquezas e status, pois estas coisas além de passageiras podem nos dominar, mas antes devemos ter confiança que Deus irá suprir as nossas necessidades. É difícil imaginar Karl Marx pregando confiança em Deus, mas de todo modo Jesus não critica a propriedade em si, mas o amor ao dinheiro, a idolatria aos bens e nada além disso.

Há quem possa argumentar que no livro de Atos dos Apóstolos há o que parece ser uma venda de propriedades em massa dos crentes, de modo que todos compartilhavam todos os bens. Duas coisas devem ser observadas: 1 – o contexto dessa passagem se dá após a conversão de três mil pessoas após do Dia de Pentecostes, e a maioria provavelmente optou por ficar pelas redondezas de modo que acabaram por necessitar de ajuda para sobreviverem, daí as vendas de propriedades e o compartilhamento; 2 – isso ainda está longe do sonho comunista, uma vez que a propriedade privada em Atos continuava a existir, já no comunismo todos os bens são do Estado e este compartilha apenas com aqueles que compactuam de sua ideologia. Na igreja primitiva vemos o padrão que os irmãos em Cristo devem ter, ou seja, atender as necessidades uns dos outros, o que não quer dizer oferecer sua propriedade a um Estado absoluto que irá coordenar tudo, lembrando que mesmo aquelas vendas de propriedade eram de livre e espontânea vontade, e não imposições estatais tirânicas.

II. 1. 3. A “luta de classes”

Vimos como os comunistas/marxistas enxergam a “luta de classes”, e vimos também como Marx apregoava contra o burguês e seu mundo. Nas palavras d ‘O Manifesto:

 

Os comunistas se recusam a dissimular suas opiniões e seus projetos. Proclamam abertamente que seus objetivos não podem ser alcançados senão pela derrubada violenta de toda a ordem social passada. Que as classes dominantes tremam diante de uma revolução comunista! Os proletariados nada têm a perder a não ser suas cadeias. Têm um mundo a ganhar. Proletários de todos os países, uni-vos! (Ibidem, p. 67).

 

Nota-se que para o pensamento revolucionário comunista não há problema se sangue for derramado pela causa. Como vemos ainda hoje, vários movimentos de cunho marxista não hesitam e destruir patrimônio público, agredir pessoas que pensam diferente e até cometer atos de genocídio, como vemos em ditaduras comunistas ao longo das últimas décadas e até os dias de hoje.

Mas na contra mão de Karl Marx e dos comunistas, Cristo nos ensina o seguinte:

Vocês ouviram o que foi dito: “Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo.” Eu, porém, lhes digo: amem os seus inimigos e orem pelos que perseguem vocês, para demonstrarem que são filhos do Pai de vocês, que está nos céus. Porque ele faz o seu sol nascer sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque, se vocês amam aqueles que os amam, que recompensa terão? Os publicanos também não fazem o mesmo? (Mateus 5:43-46, NAA).

E ele ainda diz no Evangelho segundo Lucas:

 

Vocês, porém, amem os seus inimigos, façam o bem e emprestem, sem esperar nada em troca; vocês terão uma grande recompensa e serão filhos do Altíssimo. Pois ele é bondoso até para os ingratos e maus. (Lucas 6:35, NAA).

É curioso que, enquanto Marx ordena a violência contra a opressão dos burgueses, Jesus ordena o amor para com aqueles que nos perseguem. Enquanto um declara que felizes somos quando perseguidos e quando nos caluniarem (cf. Mateus 5:11), o outro ordena uma rebelião mundial do proletariado onde muitos podem perecer. De fato são ideias totalmente opostas.

II. 1. 4. A soberania do Estado

Por fim gostaríamos ainda de pontuar acerca de uma das características mais incompatíveis do comunismo com a fé Cristã, mas antes é válido citar certa frase de Jesus contida no Evangelho de João: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim.” (João 14:6, NAA). Neste trecho Jesus se apresenta como o único caminho para a salvação, e disso entendemos três coisas: 1 – o homem necessita de salvação; 2 – há um Deus soberano; 3 – só Jesus pode levar o homem caído a esse Deus.

É importante pontuar isso pois as ditaduras comunistas até hoje sempre se constituíram como inimigas do cristianismo. Toda religião é por eles controlada, mas no caso dos cristãos, que “apostam suas fichas” unicamente em Jesus, normalmente há resistência e perseguição. E isso pois enquanto um lado crê na soberania de Deus, o outro lado crê na soberania de um Estado paternal, que se coloca acima de todos. Enquanto a fé cristã apresenta a imoralidade do homem e um salvador para ajudá-lo, o comunismo aponta que a sociedade é que é ruim, o homem é corrompido por ela, mas sempre há uma esperança quando se deposita sua fé no Estado. Vemos que então que o comunismo nada mais é do que uma religião estatal, ou literalmente uma idolatria do Estado. Tal ideologia jamais poderia estar em harmonia com Jesus e o cristianismo.

Conclusão

Na União Soviética o regime comunista veio a proibir, desde os primórdios da Revolução de 1917, os símbolos religiosos, e perseguiu fortemente aqueles que desobedeciam tal ordem, alegando que somente o ateísmo possuía verdade cientificamente comprovada (ANDERSON, 1994:9).

Ainda hoje os comunistas perseguem sobretudo os cristãos e de diversas formas, seja pela violência ou seja pelos famosos “cancelamentos” de internet. A questão é que o próprio comunismo depõe contra a frase “Jesus foi comunista”, ou ainda contra os cristãos ditos de esquerda, que pensam que podem conciliar o pensamento de Marx com o Evangelho.
Como vimos até aqui, ambas as ideias – cristã e comunista – são incompatíveis, de modo que membros da “Teologia da Missão Integral”, tradicionalmente “cristãos” de esquerda, assim como outros que arrogam para si a cristandade, mas na verdade são militantes de partidos de extrema esquerda, não poderiam jamais ser considerados verdadeiros discípulos de Cristo. Infelizmente muitos desses se escondem por detrás de obras sociais a fim de poderem esbravejar que são adeptos do amor ao próximo, contudo, o Evangelho não se corta pela metade, o próprio Jesus resumiu sim a Lei e os Profetas em dois mandamentos, e um deles foi “amarás o teu próximo como a ti mesmo”, contudo, esses pseudo cristãos de esquerda se esquecem da primeira parte, que seria “Ame o teu Deus de todo coração”. Tal como disse o apóstolo João: “E nisto sabemos que o temos conhecido: se guardamos os seus mandamentos.” (1 João 2:3). Amar a Deus e conhecê-lo é obedecer a Escritura, mas como fazê-lo se entre os comunistas a bíblia não possui espaço? De fato é impossível conciliar o cristianismo e o comunismo tanto quanto é impossível conciliar luz e trevas, e quem tentar estará certamente fadado ao fracasso.


BIBLIOGRAFIA

Referências Documentais

A Bíblia Sagrada. Nova Almeida Atualizada, 3 Ed. São Paulo: SBB, 2018.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista. Trad. Antonio Carlos Braga, São Paulo: Lafonte, 2012.
Referências Historiográficas
ANDERSON, John. Religion, State and Politics in the Soviet Union and Successor States. Cambridge University Press, 1994.
BASTIAT, Frédéric. A Lei. Por que a Esquerda não funciona? As Bases do Pensamento Liberal. 1ª Edição Brasileira, São Paulo: Faro Editorial, 2016.
CHÂTELET, Fraçois (et al.). História das Ideias Políticas. 2 Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
FERREIRA, Franklin. Contra a Idolatria do Estado. O papel do cristão na política. São Paulo: Vida Nova, 2016.
HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções. 25 Ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2012.
MISES, Ludwig Von. Marxismo Desmascarado. 1 Ed. São Paulo: Vide Editorial, 2016.
SCRUTON, Roger. Como ser um Conservador. 14 Ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2020.