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Uma breve análise da história do Movimento Puritano
Entre 1643 e 1646 o parlamento inglês se reuniu a fim de estabelecer quais seriam as diretrizes religiosas da Inglaterra. Esta reunião ocorreu na Abadia de Westminster em Londres a partir de julho de 1643, podendo ser equiparada a outros concílios da história da Igreja, até com o Concílio de Niceia em 325 d.C. Tal comparação se deve ao fato de que foi em Westminster onde o Movimento Puritano se consumou, ou ao menos chegaria ao ápice de seus ideais até então. A história desse movimento está intimamente ligada à própria história inglesa e também a do pensamento calvinista.
Apesar do Movimento Puritano ter sido uma tentativa de “reformar a Reforma Protestante” na Inglaterra, e ainda ter sido marcado por seu forte apelo às Escrituras e à santidade, hoje em dia o termo “puritano” ganhou uma curiosa conotação pejorativa. O “puritano” de hoje não muito difere do termo “santarrão”, que nada mais seria do que um falso religioso mais preocupado com pecado alheio do que com o seu próprio, e que passa uma imagem de santidade que jamais teve. Qualquer um que se depare com essa situação irá notar o evidente paradoxo, ainda mais se conhecer a vida de puritanos históricos tais como John Knox, Jonathan Edwards e outros. Esses homens tiveram um comprometimento com a Palavra de Deus e viviam exatamente o que pregavam em seus púlpitos; como então explicar essa degeneração do termo “puritano” para algo tão ruim? Cremos que um olhar sobre a história de tal movimento pode lançar luz sobre a razão de tal declínio. Seria possível haver um alto índice de imoralidade e carnalidade dentre os primeiros puritanos a fim de manchar seus feitos para a modernidade? Ou ainda, seus erros superariam os seus acertos?
Neste artigo temos por objetivo apresentar um resumo da história do Movimento Puritano, e também buscar compreender a resposta para as perguntas aqui levantadas. Para tal observaremos o contexto do seu surgimento na Inglaterra desde o final do século XVI e também sua participação e influência na primeira etapa da Revolução Inglesa, a chamada “Revolução Puritana”.
I. Reformas religiosas
Desde que Martinho Lutero pregou seus questionamentos na porta da igreja de Winttenberg em 1517 talvez ele não pudesse imaginar a repercussão que suas ideias ocasionariam. A Alemanha foi logo pega num turbilhão de mudanças religiosas que buscavam não a destruição da Igreja, pelo contrário, buscava-se assim sua restauração ou ainda uma reforma, onde excessos e erros seriam extirpados. No entanto foi só a partir de 1521, durante os acontecimentos da Dieta de Worms, que os ideais chamados “protestantes” veriam de fato mudanças significativas ocorrendo na cristandade europeia. Quando Lutero se declara “cativo a Palavra” e questiona o poder do Papa assim como das resoluções dos concílios, o que seria conhecido como “Sola Scriptura” teria então suas bases lançadas. A Reforma Protestante se constituiu assim como um movimento de restauração eclesiástica cuja base seria simplesmente o retorno às Escrituras, e tudo o que surgisse desde então seria orientado pela Palavra de Deus.
Não tardou para que outros “focos” da Reforma surgissem noutros cantos da Europa. Na Suíça, teve início uma profunda reforma moral a partir dos sermões de Ulrich Zwinglio. Mas seria na França onde ocorreria uma das maiores rupturas com o catolicismo romano de então; a partir dos estudos exegéticos [1] de João Calvino a Reforma florescia numa França altamente católica. Calvino buscou focar nas principais doutrinas da fé cristã, sobretudo na soteriologia, isto é, a maneira como o homem é salvo. Seus estudos sobre justificação, predestinação e eleição foram contra o pensamento católico de então, o qual estava altamente imerso numa soteriologia ligada à salvação pelas obras, indulgências, o Purgatório, etc.
Com o passar do tempo, outros cantos da Europa veriam outras manifestações desse novo “protestantismo”; nas décadas seguintes, anabatistas, arminianos, metodistas, pietistas, e várias outras ramificações da Reforma iriam surgir na Europa e, nos séculos seguintes, pelo mundo a fora, todos reivindicando doutrinas cada vez mais distantes do pensamento católico medieval que Martinho Lutero se posicionou contra naquela manhã em Winttenberg.
Mas curiosamente nem todos esses movimentos se preocuparam com qualquer mudança religiosa e espiritual, certamente aqui nos referimos ao contexto da Reforma Inglesa, ou como passaremos a tratar agora, a “Reforma Anglicana”. De antemão apontamos que esta vertente da Reforma Protestante é a mais distinta de qualquer outra ramificação, e isso se deve ao fato de que suas origens são mais políticas do que religiosas; certamente o “clima” de revolta contra os preceitos da Igreja Católica Romana serviu de combustível para o que teria início na Inglaterra do século XVI, mas o que ninguém sabia na época era o quanto a história do país seria influenciada pelos eventos que passaremos a tratar agora.
I. 1. A Reforma Anglicana
É consenso na historiografia acerca do tema de que a Reforma Anglicana foi fruto da ruptura política e religiosa feita pelo rei inglês Henrique VIII com Roma. O mais curioso é que o monarca inglês foi um ferrenho crítico da Reforma Protestante, chegando inclusive a escrever uma obra intitulada “A Defesa dos Sete Sacramentos”, onde o monarca ataca as ideias de Martinho Lutero; tal obra ocasionou a Henrique VIII a concessão do título de “Defensor da Fé” pelo Papa Leão X (MAGALHÃES FILHO, 2017:97).
No entanto, de aparente católico fervoroso Henrique VIII passaria a ser um opositor ferrenho aos planos do Vaticano em solo inglês. Durante seu reinado, o sacerdote Thomas Wolsey crescia em poder e em riqueza, a Igreja em si contava com um grande número de terras, sendo assim uma grande “senhora feudal” na Inglaterra, em outras palavras, Roma tinha mais poder e riqueza na Inglaterra do que seu próprio rei. Além disso, uma aliança política com a benção romana se instaurou entre a Espanha e a Inglaterra através do casamento do então príncipe Henrique e Catarina de Aragão. Esse casamento tinha o intuito de fortalecer a Inglaterra e a Espanha contra o crescente poderio da França.
As tensões aumentaram quando Henrique VIII tomou conhecimento das maquinações da família de sua esposa, e do crescente avanço do poder espanhol nos mares, o que levou o rei da Inglaterra a uma ruptura com a Espanha, o que significava o divórcio com Catarina de Aragão. No entanto o rei inglês teve que enfrentar mais uma vez a interferência da Igreja Católica que se colocava contra o divórcio, e certamente a favor dos interesses da Espanha.
É nesse contexto que Henrique VIII se vale do desgaste ocasionado pela Reforma Protestante na Europa Continental e assim rompe relações com a Igreja Romana, e para tal inicia um processo de confisco de terras outrora pertencentes a Igreja Católica, e além disso, o Parlamento Inglês elaborou entre 1529-1536 uma série de leis que separava o Estado inglês da influência de Roma, tendo seu ápice com Ato de Supremacia de 1534, onde o monarca inglês se torna o único cabeça da igreja da Inglaterra (Ibidem:101). Assim tem início a “Reforma Inglesa”, ou Reforma Anglicana.
Apesar do nome “reforma”, pouco se reformaria na igreja inglesa, além é claro da influência papista em assuntos de Estado. O rei retinha o título de líder da igreja, mas não tinha qualquer formação teológica e tão pouco vocação sacerdotal para exercer sequer uma função similar à do Papa; assim sendo, as questões espirituais dessa nova Igreja Anglicana ficariam a cargo do arcebispo de Canterbury, o qual faria o “papel de Papa”, embora em tese devesse prestar contas ao rei.
Quanto a relação com os demais protestantes certamente foi a pior possível. Tony Lane argumenta que a Inglaterra sempre fora um antro de perseguição aos protestantes, tanto antes quanto depois da fundação da Igreja Anglicana; para Lane o então Lorde Chanceler da Inglaterra, Thomas More, caracterizou seu mandato entre 1529-1532 pela perseguição de “hereges e heresias”, os chamados “reformistas”; estes foram perseguidos, torturados e queimados em praça pública por ordem de More (LANE, 2000:16).
Os protestantes do restante da Europa não olhavam para Henrique VIII e sua reforma com bons olhos. Frank Dewyer observa que as tentativas do rei da Inglaterra de se aproximar dos demais protestantes, sobretudo dos luteranos alemães, falhou miseravelmente uma vez que estes viam o divórcio de Henrique VIII, assim como outras de suas atitudes, como sendo verdadeiras abominações, o que resultou numa frieza por parte dos luteranos alemães para com o então monarca inglês (DWYER, 1998:71).
No aspecto religioso interno, a Igreja Anglicana tinha muito pouco em comum (ou nada) com os protestantes da Europa continental, e isto se dava pelo fato de que esse novo anglicanismo nada mais era do que a continuidade da Igreja Romana, apenas excluindo a figura do Papa e substituindo-a pela figura do monarca. A teologia anglicana de então é puramente romanista, não se alterando a liturgia e sobretudo a soteriologia, esta última sendo o “palco” onde se desenvolveu a Reforma, debates como justificação e santificação não eram mencionados, prevalecendo nos púlpitos anglicanos a ritualística tão característica do romanismo papista, portanto não seria exagero dizer que para que a Reforma na Inglaterra tivesse algo em comum com os reformistas continentais, ela mesma deveria passar por nova reforma, ou ainda uma verdadeira reforma.
I. 2. A “Reforma dentro da reforma”
O fim do reinado de Henrique VIII foi marcado por mudanças significativas, a Inglaterra parecia livre do laço de Roma e ainda estabeleceu sua “própria igreja”. Ambos fatores que colocaram a Inglaterra a margem de praticamente cada aspecto da sociedade europeia da época, uma vez que ao romper com o Vaticano conseguiram entrar na mira dos países católicos mais fervorosos como França e Espanha, e por outro lado, sua fé anglicana era mal vista pelos demais protestantes. Não trataremos da primeira consequência, mas tão somente da segunda, ou seja, a natureza desse anglicanismo e sua desenvoltura frente ao protestantismo continental.
Aqui já apontamos que durante o governo de Henrique VIII a Reforma Protestante na Inglaterra se limitou a tão somente excluir o Vaticano de sua política interna. Mencionamos ainda o fato de que o rei foi um perseguidor dos reais protestantes que haviam na Inglaterra. No entanto isso mudaria após sua morte; seu sucessor, Eduardo VI assume o trono e juntamente com o regente do trono, o Duque de Somerset, altamente tolerante para com o protestantismo, iria não só cessar com as perseguições, como também favorecer a entrada do pensamento protestante (sobretudo calvinista) na Inglaterra.[2]
A partir de 1547, o Parlamento autoriza uma série de mudanças no culto Anglicano. Os leigos (não sacerdotes) passam a tomar o cálice da Comunhão; foram repelidos os “Seis Artigos”; a partir de 1549 foi legalizado o casamento dos clérigos, além disso os cultos não mais deveriam ser em latim mas sim em inglês (CAIRNS, 1990:270). É nessa época que é publicado o Livro de Oração Comum por Thomas Cranmer, então líder protestante na Inglaterra, e assim a Igreja Anglicana passa a ter sua primeira liturgia em inglês (GONZALES, 1989:128-130).
Mas após esse breve período de florescimento da Reforma na Inglaterra, dias mais difíceis se abateriam sobre esses reformadores. O jovem rei Eduardo VI, que subiu ao trono fragilizado, não reinaria por muito tempo. O rei vem a falecer em 1553, sendo então sucedido por sua irmã Maria I, uma católica fervorosa. Foi sob o reinado de Maria I que o protestantismo veria uma nova perseguição ainda mais intensa, fato esse que legou à monarca a alcunha de “Bloody Mary”, ou “Maria, a Sanguinária”. Durante esse período o próprio Thomas Cranmer, então arcebispo de Canterbury, foi martirizado.
Curiosamente o protestantismo não parou de crescer apesar das perseguições da rainha. Por essa época alguns protestantes ingleses conseguiram fugir para Genebra, onde seriam instruídos por João Calvino, dentre eles estava John Knox, o qual foi fundamental para o crescimento descomunal do protestantismo na Escócia, o que posteriormente levaria à fundação da Igreja Presbiteriana da Escócia (MARTYN, 1867:160).
No entanto as tentativas de Maria I de reestabelecer a “velha fé” se tornariam infrutíferas, pois a rainha viria a falecer em 1558, cinco anos após sua coroação. Assim, sua meia irmã seria a nova rainha; portanto, em 1558 Elizabeth I é coroada rainha da Inglaterra, e seu reinado é considerado até hoje como “A Era de Ouro”. No entanto no campo religioso as medidas da nova rainha, apesar de repudiarem as de sua antecessora, não seriam muito diferentes das de seu pai, Henrique VIII, e é nesse contexto que podemos por fim tratar do surgimento do Movimento Puritano, que nada mais foi do que a consumação da Reforma Protestante na Inglaterra.
II. O Movimento Puritano
Entender o surgimento do movimento puritano tornar-se-á mais fácil se nos valermos de todo o contexto social da Inglaterra, acerca do qual tratamos até aqui. Vimos que sob Henrique VIII o romanismo perdeu sua influência política na Inglaterra, mas sua teologia permaneceu viva; durante o breve reinado de Eduardo VI, como um “período intermediário”, houve o aflorar da Reforma de fato na Inglaterra, o que só foi interrompido durante o Reinado de Maria I, a qual não só retornou à Igreja Católica seu antigo poder, mas ainda perseguiu os protestantes ou reformistas em seus domínios. Então Maria I morre, e sua irmã Elizabeth assume o trono, assim como o comando da Igreja Anglicana. Elizabeth I, a nova monarca, buscou a ruptura com o Vaticano, assim como seu pai fizera outrora; rompeu com certas práticas católicas que tornaram a influenciar o culto anglicano promulgando assim o “Acordo Elizabetano”, promulgou ainda a Lei de Uniformidade, que autorizou o Livro de Oração Comum e restaurou o Ato de Supremacia, que garantiria ao monarca, isto é, a própria Elizabeth, o controle total da Igreja da Inglaterra (GONZALES, 1989:133-135).
Foi nesse momento que os exilados em Genebra começaram a retornar para casa, e aparentemente tanto para estes quanto para os que havia ficado na Inglaterra, as novas medidas da rainha pareciam ser uma mornidão incômoda, visto que esse grupo de protestantes estava ávido para que uma nova reforma acontecesse e alterasse cada estrutura do solo inglês. Não foi por outra razão que tais protestantes passaram a ser pejorativamente chamados de “puritanos”, uma vez que queriam a pureza da igreja, da pregação e da liturgia do culto. Nesse sentido, assim como é hoje, o termo “puritano” é empregado para se referir àqueles “excessivamente puros” ou santos ao extremo, ou seja, aqueles para quem o estado atual da Igreja não está suficientemente próximo das Escrituras.
Nick Healey define o puritanismo como uma forma de protestantismo mais santo, sendo uma forma mais tardia da Reforma onde cada estrutura da vida cotidiana é afetada pelo pensamento espiritual (HEALEY, 2016:1). Para Leland Ryken os puritanos tinham a meta de tornar a igreja livre dos cerimonialismos (RYKER, 2013:79), ou seja, ser puritano era reformar a igreja em sua interessa e não apenas parcialmente tanto quanto os atos de Elizabeth I estavam sugerindo. Tais ideias já estariam vigentes na Inglaterra pelo menos por volta de 1524 com Willian Tyndale, o qual via a livre consulta das Escrituras como ponto de partida para essa pureza e reforma (JONES, 1993:249), no entanto, foi só durante a segunda metade do século XVI que o movimento puritano seria melhor definido, ou seja, a “face do movimento” estaria mais visível do que antes.
O teólogo Augustus Nicodemus Lopes define as razões e a “essência” do movimento da seguinte forma:
Havia um grande grupo na Inglaterra e na Escócia que tinha um desejo profundo de ver uma reforma completa na vida da Igreja. Essa vontade era controlada por aquilo que conhecemos como o princípio regulador do movimento Puritano. A idéia é esta: Tudo no culto deve ser regulado e controlado pela Palavra de Deus escrita. Para esse grupo, aqueles acréscimos humanos ao culto, que não podiam ser demonstrados nem apoiados pela Escritura, deviam ser tirados. Esse grupo não queria que se permitisse o acréscimo cada vez maior de tradições humanas no culto, pois isso quebraria o segundo mandamento, obscureceria a clareza do Evangelho e impediria que o poder de Deus viesse sobre a Igreja. Por causa desse desejo, esses crentes fervorosos na Igreja, na Inglaterra e na Escócia, vieram a ser chamados e conhecidos como Os Puritanos. A palavra vem do inglês e significa purificar.[3]
O alvo dos puritanos era completar aquilo que fora iniciado pela Reforma inglesa: terminar de reformar a adoração anglicana, introduzir uma disciplina eclesiástica eficaz nas paróquias anglicanas, estabelecer a retidão nos campos político, doméstico e sócio-econômico, e converter todos os cidadãos ingleses a uma vigorosa fé evangélica. Por meio da pregação e do ensino do evangelho, bem como da santificação de todas as artes, ciências e habilidades, a Inglaterra teria de tornar-se uma terra de santos, um modelo e protótipo de piedade coletiva, e, como tal, um meio para toda a humanidade ser abençoada. (PACKER, 1996:25).
No entanto os puritanos não seriam lembrados somente por sua piedade, e isso se deve em muito por conta de seus envolvimentos com certas crises da história inglesa e Norte-Americana, e sobre esses pontos que nos debruçaremos agora.
II. 1. A Revolução Puritana
O que entendemos por Revolução Inglesa se divide em dois momentos distintos, a saber a Revolução Puritana (1640-1648) e a Revolução Gloriosa (1688-1689), entre um evento e outro há um período intermediário que foi a “República de Oliver Cromwell”.
Após a morte de Elizabeth I, uma nova dinastia assume o trono inglês uma vez que a rainha não deixou herdeiros. Assim, Jaime da Escócia é coroado Jaime I da Inglaterra em 1603. Então tem início o que seria uma série de relações conturbadas entre o rei e o Parlamento, que se tornava cada vez mais Puritano. Esse detalhe nos é pertinente pois foi dentro do ceio puritano/presbiteriano da Escócia que surgiu uma nova estrutura mais democrática do governo da igreja, e como os puritanos buscavam aplicar sua vida espiritual ao cotidiano não foi estranho surgir dentre eles ideias antimonárquicas.
Atrelado a esse antimonarquismo houve também o desejo do rei em governar de forma mais absolutista o possível, e por vezes ignorando o parlamento e trazendo aumentos de impostos exaustivos. A posse de terras também voltou à tona, sobretudo porque muitos puritanos do parlamento eram senhores de terra, e estes ainda foram perseguidos pela Coroa. Mas o fato que mais pesou foi a dissolução do Parlamento, que ficou inativo entre 1614 e 1622.
Mesmo com tais fatores foi só durante o reinado do filho de Jaime I que a revolução de fato acontece. Em 1625 Carlos I é coroado, e suas relações com o já reestabelecido Parlamento não são tão melhores do que as que seu pai possuía. Na verdade as tensões foram piores, sobretudo porque o rei era abertamente antipuritano. Por volta de 1628, Willian Laud torna-se bispo de Londres, e posteriormente arcebispo de Canterbury. Laud promulgou medidas “papistas” e atacou a doutrina da Justificação pela fé. O acúmulo de intolerância religiosa levou muitos puritanos a migrarem para as colônias inglesas da América, e assim o puritanismo chega ao “Novo Mundo”.
Quando Laud tenta impor o anglicanismo na Escócia tem início uma revolta. Uma aliança entre calvinistas e puritanos se une numa “Solene Liga e Aliança”. Entre 1638 e 1640 há conflito entre o exército real e o recém formado exército do Parlamento, tendo como principal líder a figura de Oliver Cromwell.
Em 1640 o Parlamento restringe o poder do rei, e Carlos I fica à mercê dos vitoriosos. Os Puritanos então começam a estabelecer os parâmetros religiosos da Inglaterra, a fim de reverter as mudanças ocorridas no reinado de Carlos I, e assim, em 1643 o Parlamento convoca em Londres a Assembleia de Westminster. A resolução desse encontro culmina com a publicação dos três maiores documentos do Movimento Puritano, a saber, a Confissão de fé de Westminster, o Catecismo Maior e o Breve Catecismo de Westminster (FRAME, 1988:331).
A assembleia contava com aproximadamente com 151 membros, sendo 121 clérigos e mais 30 membros do Parlamento. Em sua obra, “A Assembleia de Westminster”, Guilherme Keer pontua o seguinte acerca dessa reunião:
Entre eles se encontravam homens de vasta e profunda erudição teológica, além se distinguirem pelo seu ardor religioso e pelo seu caráter (…) encontravam-se episcopais, entre os quais o arcebispo Ussher, os erastianos, que entendiam com Erastus, de Heidelberg, que o Estado devia ser a sede final da autoridade eclesiástica, a cujo grupo pertencia o popular e erudito John Leighfoot, autor das célebres Horae Hebraicae e Talmudicae, os independentes (ou congregacionais), incluindo Thomas Goodwin, mais tarde capelão de Cromwell, [e] Philip Nye, regressados do exílio na Holanda, os presbiterianos [Edmund Clamy, Thomas Gataker, Edward Reynolds e Herbert Palmer] (…) O moderador nomeado pelo Parlamento foi o Dr. William Twisse [ele mesmo um presbiteriano], homem dos mais célebres de seus dias pela sua erudição teológica, coroado de honras na Universidade de Oxford e conhecido em toda a Europa pelos seus escritos. (KERR, 1992:13).
Assim a Confissão de fé de Westminster, juntamente com os catecismos, foi o produto oriundo da assembleia. É válido dizer ainda que tais documentos não são somente a consumação do Movimento Puritano e de plena exclusividade deste, lembremos que a Assembleia de Westminster foi uma reunião mista, um concilio que rejeitou certas heresias (sobretudo de grupos sectários como diggers, fifith-monarquians, levellers e quakers), e ainda certos erros oriundos do arminianismo. Esses documentos serviram de base para outros documentos, por exemplo a Confissão de Londres, também conhecida como A confissão Batista de 1689, usada até hoje por batistas de viés Reformado e alguns outros grupos de batistas independentes.
Depois disso, o que parecia ser um “governo puritano” estava tendo início. Carlos I tenta fugir da Inglaterra e é acusado pelo Parlamento de crime de traição, e após votação o rei da Inglaterra é condenado à morte por decaptação, consumando assim a primeira fase da Revolução Inglesa e o aparente sucesso da Revolução Puritana.
Assim, em 1649 Carlos I é executado, e Oliver Cromwell, que liderara o exército do Parlamento, e um congregacional, assume o governo da Inglaterra com o título de Lord Protector, dando origem a um período denominado “A República de Cromwell”, que necessariamente não foi tão republicana tanto quanto seu nome possa sugerir, mas quanto a este tema trataremos em outra oportunidade. Por agora gostaríamos de concluir tratando da situação do Movimento Puritano, seu legado, e o porquê de ainda haver um sentimento tão antipuritano em nossos dias.
Conclusão
O Movimento Puritano pode ser considerado tanto uma ramificação da Reforma Protestante, assim como um movimento a parte dentro da Reforma Inglesa, ou ainda um estilo de vida cristã mais devoto e que sempre busca um aproximar mais da vida diária com o contexto das Escrituras. Contudo, se os puritanos tem uma mentalidade tão espiritualmente nobre, por qual razão esse nome é tão mal visto quanto nos dias que antecederam a Revolução Puritana? Gostaríamos de trazer à tona aqui um breve estudo de caso que talvez nos ajude a lançar luz a esse antipuritanismo moderno.
Em 1953 Arthur Miller publica nos Estados Unidos a peça intitulada “As Bruxas de Salem”, onde faz uma romantização de pobres mulheres acusadas de feitiçaria e que sofreram todo tipo de tortura e morte nas mãos de religiosos puritanos fanáticos. Essa peça de Miller, além de fugir um pouco da realidade acontecida em Salem, no século XVII, ajudou a criar o imaginário comum moderno do que teria acontecido em Massachusetts naquela época, ou seja, de que havia uma teocracia puritana que punia tudo e a todos que eram diferentes. Certamente a ficção de Miller não condiz com a realidade total. Alguns grupos ligados a wicca e ao feminismo usam esse evento para defender que ali havia o ódio a mulher, misoginia, machismo, etc. O que a peça de Miller e esses grupos não contam é que os arquivos de Salem possuem um número considerável de homens sendo condenados como bruxos.[4]
Resumindo a história, na Salem de 1692 houve uma série de acontecimentos ligados ao sobrenatural: moças rolavam e gritavam, animais morriam sem causa, e pessoas adoeciam. No entanto, tais “bruxarias” poderiam ser explicadas de outro modo: muitos começaram a dar vazão às suas perversões e desejos, coisas que não poderiam fazer às claras, então acusar o diabo ou um bruxo era uma saída bem mais conveniente (KARNAL, 2007:53). Infelizmente o puritanismo que chegou à América passou a seguir um caminho legalista, criando uma série de normas que criavam cristãos nominais apenas.
O fervor de aplicar a Escritura na vida cotidiana não é de todo ruim, no entanto, santificação sem regeneração é uma fábrica de falsos crentes que maculam a Igreja de Cristo. Por conta desses, o nome do Senhor ainda é zombado no meio dos povos (Rm 2:24). Se há um lado “ruim” no puritanismo seria essa falta de tato em ignorar que muitas vezes nosso zelo pode cair num legalismo cego, embora, quanto a isso, toda a igreja de Cristo deve estar atenta a fim de não tropeçar.
NOTAS:
BIBLIOGRAFIA:
DWYER, Frank. Henrique VIII. (Coleção OS GRANDES LÍDERES). Trad. Edi G. de Oliveira. Nova Cultural, São Paulo: 1998.
GONZALES, Justo. Uma História Ilustrada do Cristianismo – A Era dos Reformadores. Vida Nova, São Paulo:1989.
HEALEY, Nick. A Brief Overview of the Puritan Movement (2016). History of Christianity II: TH 314. Paper 9.
JONES, D.M.L. Os Puritanos: Suas origens e Seus sucessores. Publicações Evangélicas Selecionadas, São Paulo: 1993
KARNAL, Leandro (et.al). História dos Estados Unidos das origens ao século XXI. Editora Contexto, 3ed. São Paulo: 2014.
KERR, Guilherme. A Confissão de fé de Westminster. In: ELWELL, Walter.
Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã Vol. I. Vida Nova, São Paulo:1988. LANE, Tony. Pensamento Cristão Vol. 2. 2 ed. Abba Press, São Paulo: 2000.
MARTYN, W. CARLOS. A History of the English Puritans. American Tract Society, New York: 1897.
MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. A Reforma Protestante e o imaginário de sua época. Vol. I, Reflexão Editora, 1ed. São Paulo: 2017.
PACKER, J.I. Entre os Gigantes de Deus: Uma visão puritana da vida cristã. São José dos Campos, Fiel, São Paulo: 1996.
RYKEL, L. Santos no Mundo: Os puritanos como realmente eram. São José dos Campos, São Paulo, Fiel: 2013.
Referências de sites on-line:
FERREIRA, Franklin. O Movimento Puritano e João Calvino. Disponível em http://www.monergismo.com/textos/jcalvino/Movimento_Puritano_Franklin.pdf, Acessado em 15/06/21.
LOPES, Augustus Nicodemus. O Puritanismo. Disponível http://www.escolacharlesspurgeon.com.br/nav/pregacoes/texto.cshtml?categoria=teologic as&id=37, acessado em 15/06/21.