Origem, meio e fim de nossa identidade

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É preciso haver uma origem e um fim definidos para que a identidade do indivíduo possa ser estabelecida. Afinal, nossa identidade não é fixa no tempo: por estarmos inseridos no tempo e no espaço, ela está em constante movimento e se dirige a um alvo.

A necessidade de origem e fim para estabelecer a identidade

Mesmo com todas as descobertas sobre o homem e sua identidade, os estudos realizados pela psicologia ainda carregam em sua essência o problema da origem do ser humano[i] e a falta de um resultado que forneça um referencial para a construção dessa identidade. Entende-se que a compreensão da identidade exige um resultado, um alvo, da mesma forma que um engenheiro precisa ter diante de si, ainda que sob a forma de planta ou maquete, o projeto da construção, antes de começá-la. Como esse resultado não existe, de acordo com a psicologia moderna, o mais correto seria abordar a identidade como “processo de identificação, e não enquanto produto”.[ii] Essa falta de entendimento da origem do homem e a falta de um produto final deixam qualquer definição de identidade em constante insegurança.

O indivíduo pode até se conhecer e ser compreendido ao “conhecer seu meio cultural e sua identidade cultural”.[iii] No entanto, isso não bastará, frente às grandes dificuldades da existência. Laurenti tenta contornar a situação de solidão e desesperança vivida no mundo moderno afirmando que “as transformações ocorridas oferecem novas oportunidades”.[iv] No entanto, sem a base da criação e sem o alvo da redenção, essas supostas oportunidades só ajudam o indivíduo a continuar por um pouco mais de tempo acima das ondas do mar da incerteza da vida.

Tanto o autor de Gênesis (Gn 1.28a) como o apóstolo Paulo (At 17.25b-28) mostram que nossa identidade tem seu início na criação e tem um propósito, um objetivo. Mesmo assim, muitos cristãos, em vez de admitirem a origem de sua identidade, buscam se reconhecer e ser reconhecidos, buscam se identificar e ser identificados por meio de seu lugar na sociedade, fazendo coisas boas, ou na Queda, tentando reaver a autoestima supostamente perdida. Olhando para a sociedade ou para a Queda com o fim de entender nossa identidade, deparamos com a dura realidade de que estamos pisando na areia movediça da cultura em ebulição, em evolução randômica, ou de que somos pecadores indignos nas mãos de um Deus irado, tentando sobreviver da melhor forma possível. Que somos pecadores, é fato. É fato também que Jesus salva. No entanto, é visível que há algo que tem sido esquecido, especialmente em meio ao individualismo, ao imediatismo, ao evolucionismo e ao hedonismo de nossas dias: nossa origem em Deus, o desenvolvimento de nossa identidade, “crescendo em tudo para dentro daquele que é o cabeça, Cristo”.[v] Esquecemos também o objetivo mais amplo de nossa identidade, que é podermos chegar juntos “à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4.13, ênfase minha). O Cristo, que é “a única vareta de medição plausível e efetiva no universo”,[vi] é capaz de aferir nossa estatura tanto em relação a cada indivíduo como à igreja na qualidade de um corpo. Algumas perspectivas humanistas da identidade têm colaborado nesse sentido.

O imediatismo, por exemplo, nos remete de volta ao tempo cíclico dos dias da antiguidade, quando os anos eram abordados como calendários circulares em que, para estar de bem com a vida, por assim dizer, era preciso “chegar à paz com o Grande Círculo”.[vii] Essa verdade pregada pelos antigos, contudo, mostrou sua falibilidade por meio da interação de Deus na história, especialmente quando Deus começou a formar um povo com um alvo mais específico. Dessa forma, ficou claro que o tempo não é “um Tempo circular do Eterno Retorno; [mas] se tornou um Tempo linear e irreversível”.[viii] Assim, a história mostrou ter um começo, um meio e um fim. Se vivermos em um tempo entendido como tendo um eterno retorno, viveremos à custa de eventos passados, geralmente ruins, que provavelmente voltarão a acontecer. Ou tentaremos voltar ao passado com o objetivo de encontrar uma solução viável, ainda que apenas em pensamento, para que o problema em questão seja solucionado. Esse modo de encarar a vida produz eterna ansiedade. Saber que há uma escatologia, um começo, um meio e um fim da história na qual estamos inseridos nos traz a possibilidade de uma esperança futura, em que o passado faz parte de uma progressão ascendente. O entendimento da escatologia pode ser visto por meio da tipologia, tendo “suas fontes tanto na história quanto na criação”.[ix] Abordaremos aqui alguns elementos dessa história, para que possamos compreender nossa identidade no tempo em progressão, com um alvo.

Elizabeth Gomes, em seu livro É a vovó, comenta que, com frequência, a identidade termina desacoplada dos pais, em um corte da veia histórica e hereditária.[x] O tempo circular proposto para os dias de hoje impõe esse corte, como um bombardeio das pontes, destruindo o que a estabilidade da história em progressão nos oferece para nos conectar tanto com o passado como com o futuro. Esse bombardeio das pontes e a tendência de ver a vida presente como única a ser vivida tiram de nós a base sólida para uma identidade bem definida, trazendo-nos insegurança e, por vezes, desespero. Uma jovem de 29 anos, com dupla nacionalidade — brasileira e americana —, com quem falei, ao ser lembrada das alegrias a nós reservadas no novo céu e na nova terra, ou seja, de nossa esperança em Cristo, fez o seguinte comentário: “Para a nossa geração, tanto o passado como o futuro não fazem parte de nossos pensamentos; nós vivemos somente no presente, para o hoje. Portanto, para nós, a esperança da qual vocês falam não existe”.[xi] O comentário dessa jovem nos mostra que, para muitos, a vida voltou a se tornar cíclica, como nos tempos antigos, em que o mundo era visto como esse “ciclo sem-fim”.[xii] Para esses jovens, não existe mais uma identidade. Eles cortaram a própria história e a deixaram sem sonhos.


O artigo acima é um trecho adaptado com permissão do livro Eu sou quem Deus diz que sou, de Minka Lopes, Editora Fiel


[i] Laurenti, op. cit., p. 4.

[ii] Ibidem, p. 7-8.

[iii] Howard S. Friedman. Teorias da personalidade: da teoria clássica à pesquisa moderna. 2.

  1. (São Paulo: Prentice Hall, 2004), p. 64.

[iv] Laurenti, op. cit., p. 30.

[v] Efésios 4.15 (ênfase minha).

[vi] Ray Stedman. Our riches in Christ: discovering the believer’s inheritance in Ephesians

(Grand Rapids, MI: Discovery House Publishers, 1998), p. 225. Tradução livre.

[vii] Gomas Cahill. Pe gifts of the Jews: how a tribe of desert nomads changed the way everyone thinks and feels (New York: Anchor Books, 1999), p. 64. Tradução livre. Entendimento visto no filme Rei Leão. Direção de Rob Minkoff; Roger Allers. Pe lion king (Walt Disney Studios Home Entertainment, EUA, 1994).

[viii] Daniel C. Timmer. Creation, Tabernacle, and Sabbath: the Sabbath frame af Exodus

31:1217; 35:1-3 in exegetical and theological perspective (Göttingen, Alemanha: Vandenhoeck & Ruprecht, 2009), p. 36. Tradução livre.

[ix] Ibidem, p. 38.

[x] Elizabeth Gomes. É a vovó (Brasília: Monergismo, 2014).

[xi] Essa jovem estava em depressão e não sabia o que fazer para melhorar.

[xii] Cahill, op. cit., p. 53.

Por: Minka Lopes. © Editora Fiel. Website: editorafiel.com.br. Trecho extraído com permissão do livro: Eu sou quem Deus diz que sou