2. A arte onipresente
O cristianismo tem que saturar, não tão somente todas as nações, senão também todo o pensamento humano. (…) O Reino deve ser promovido; não só em ganhar a todo homem para Cristo, senão em ganhar o homem inteiro. – J. G. Machen.[1]
A busca pela excelência é uma maneira de louvar a Deus. – F. A. Schaeffer.[2]
Nenhuma obra de arte é mais importante que a própria vida do cristão e todo cristão deve se preocupar em ser um artista nesse sentido. (…) A vida do cristão deve ser algo verdadeiro e belo em meio a um mundo perdido e desesperado. – Francis A. Schaeffer.[3]
Pela graça comum de Deus[4] a arte sempre esteve presente, ainda que de forma variada e desproporcional, em todas as formas de cultura por mais rudimentar que ela seja.[5] A arte não começa na cultura. Antes, cada cultura observando a Criação pode desenvolver a sua arte a partir da beleza expressa em toda Criação, iniciando um diálogo entre o revelado e o modo de ver de um povo naquele estágio de sua história. Além disso, não podemos limitar a arte às obras dos grandes gênios.
Insisto: a arte é sempre um diálogo responsivo, primeiro com a Criação, com o percebido no mundo. É uma resposta natural de uma cultura com sua língua, perspectivas e valores.[6] Ela reflete de alguma maneira − ainda que os gostos variem de cultura para cultura, de épocas e épocas e, de pessoa para pessoa − o apreço pelo belo, a necessidade latente ao ser humano de exteriorizar-se e, ao mesmo tempo, a leitura feita do mundo como ele é percebido.
A arte espelha a nossa humanidade com todas as implicações dessa afirmação, ou seja: a nossa condição ontológica e as circunstâncias de nossa existência e percepção.[7] A arte nesse sentido, é a nossa humanidade em movimento. Ou, se preferirem: ela cristaliza momentos de nossa humanidade. Conforme o nosso progresso, outros momentos poderão ser cristalizados demarcando aspectos de nossa humanidade em transição.
Para nós cristãos, a maior e mais radical mudança que pode ocorrer conosco, é a conversão espiritual, obra do Espírito, e as conversões que se sucedem. Mudanças de cosmovisões podem ser feitas apenas por questões intelectuais mescladas por sentimentos e emoções. Todavia, a conversão cristã envolve a mudança do homem todo, a sua essência. Isso só é possível pela operação regeneradora do Espírito fundamentada na obra de Cristo, fazendo-nos convergir para Deus e à sua Palavra.
Bavinck, ainda que não tratando desse assunto, aponta para o caminho que seguimos:
A verdadeira conversão (…) não consiste em um ato incidental de autodesenvolvimento moral, em romper com alguns pecados grave e se adaptar à virtude. Ela é, em vez disso, uma completa reversão na forma de vida da pessoa, um rompimento fundamental com o pecado porque ele é pecado.[8]
A verdadeira conversão surge da tristeza piedosa, isto e, uma tristeza em harmonia com a vontade de Deus, uma tristeza que, portanto, não é meramente de caráter ético, mas também de caráter religioso, pertence a Deus, sua vontade e sua palavra e ao pecado como pecado até mesmo independente de suas consequências. Ela é requerida por Deus, mas também é dada por Deus como um dom.[9]
A verdadeira conversão é uma questão ético-religiosa que envolve toda a pessoa em um afastamento do pecado e em uma aproximação de Deus.[10]
A beleza é um apelo comum à humanidade; não simplesmente o gosto pela funcionalidade.[11] O belo tem seu apelo próprio à nossa natureza.[12] Aliás, a experiência estética é comum a todo ser humano, nos acompanhando, ainda que não a classifiquemos assim, a todo o momento na contemplação de uma árvore, um jardim florido, o olhar o céu, a apreciação da engenharia de um determinado modelo de carro, a relação de confiança e amizade entre pais e filhos, a risada de uma mãe, etc.[13] A nossa vocação estética é proveniente, ainda que vagamente, do fato de sermos criados à imagem de Deus, o Artista por excelência.[14]
Na busca da expressão do belo, bom e verdadeiro, a cultura se revela e se fortalece em seus propósitos conservadores ou revolucionários. Em nossas respostas revelamos no que cremos e, consequentemente, quem somos aos nossos próprios olhos, deixando transparecer, por vezes, os nossos temores, inseguranças, carências, desejos e esperanças.
Curioso é que o artista ‒ que, por vezes, não sabe que o seja ‒ nem sempre tem consciência de que está fazendo arte. Salvo uma encomenda específica ‒ como uma porta, por exemplo, a fim de substituir outra já corroída pelos cupins ‒ que artista produz uma obra de arte para a “arca de Noé” chamada de museu? [15] Aliás, o que de fato podemos chamar de arte, considerando a polivalência da palavra[16] Arte?[17]
Quando redijo essas notas, por exemplo, penso apenas em colocar virtualmente no papel algumas ideias fruto de alguma leitura e reflexão. O meu objetivo é simples: comunicar determinadas percepções. Para mim, e, certamente, para vocês também, isso tem muito pouco de arte.
Contudo, imaginemos esse pedaço de papel sendo achado daqui a 500 anos em meio a uma carência assustadora de documentos de nossa época? É possível que esse texto ganhe um sentido totalmente diferente do proposto.
Ele poderia ser estudado a partir de uma abordagem, sem dúvida generalizante, de como o homem no início do século XXI escrevia, organizava suas ideias e pensava.
Assim, teríamos um documento, um texto que representaria uma cultura, devendo, portanto, ser preservado como uma arte deste período.[18] A ironia é que a sua importância, certamente, estaria no fato de ser datado. (Aliás, como deixar de ser datado, sendo autêntico?). Portanto, é bem provável que muito do considerado arte por nós, não tivesse esta pretensão por aquele que a elaborou.[19]
Deve ser dito que a criatividade nem sempre foi o ponto alto na avaliação de um artista, portanto, o fato de o artista, até o início do século XV,[20] se confundir com o artesão − aquele que trabalha com seriedade e qualidade seguindo um modelo pré-estabelecido.
Essa distinção, por sua vez, viria de modo indesejado fornecer elementos para forjar uma nova concepção de artista; agora um ser exótico e quase divino, que em sua obra revela encantos da natureza até então percebidos só por ele. Um iluminado, que contribui com sua arte para elaborar uma síntese integralizadora da realidade que somente os iluminados como ele poderiam entender.[21] Assim, a arte supera a ciência e o artista transforma-se em uma espécie de deus, criando uma realidade além do real percebido até então rigidamente dominado pela ciência.[22]
Observo que até hoje temos uma associação entre arte, genialidade e extravagância. Por exemplo: que artistas peçam em seu camarim recipientes de mel e de oxigênio; dezenas de toalhas; garrafas de água de trinta marcas; camarim com espaço para 200 pessoas e com 20 telefones disponíveis, vasos sanitários que nunca foram usados e que deverão ser destruídos após o uso, etc. Por vezes ficamos apenas com as extravagâncias.
No entanto, dentro deste idealismo entusiasta, o homem se esquece de que a sua obra não pode ser maior do que ele. A sua digital que o identifica, também referenciará a sua criação, com todos seus atributos que, se por um lado, revela a genialidade do seu autor, do mesmo modo, indicará a sua limitação, incoerência, sonhos, frustração e, em última instância o pecado, característica distintiva de todos os homens após a Queda; daí o seu processo de autodestruição e eliminação de qualquer critério que referencie a arte e aponte para o seu valor e importância. Somente Deus é Deus. Somente ele cria do nada e da morte gera vida.
Desse modo, a partir do século XVIII, a arte de certa forma, mais do que elitizada, assumiu o lugar da religião, ainda que a religião fosse privatizada, questão de cada um, não devendo interferir em sua vida como um todo. O artista passa, de alguma maneira, a estar acima do bem e do mal. Ele é o gênio criador. Quem somos nós para emitir juízo sobre a sua arte?
Em outra vertente, Rookmaaker (1922-1977) escreveu:
Apesar de o século 18 não ser abertamente anticristão, havia uma profunda busca por um mundo descristianizado. A religião não era problema, desde que ela fosse de ordem puramente particular e não interferisse nas coisas importantes deste mundo, como a ciência, a filosofia, a erudição e as belas artes. Assim desenvolveu-se o princípio da neutralidade: no trabalho erudito, deveríamos deixar para trás as coisas irrelevantes e totalmente subjetivas, tais como nossas convicções religiosas. Precisávamos buscar aquilo que fosse objetivo, que fosse verdade independentemente da nossa fé.[23]
A arte é sempre imaginativa trazendo consigo além da imagem, simbolizada, um pouco de seu autor,[24] da sua geografia e percepção da realidade que também o espreita de forma por si só comparativa e, por isso mesmo, revelante.
O real é a essência, a arte é apenas uma colônia, quando muito, apenas um extrato com uma densidade maior, portanto, mais próxima da realidade. Por mais que o artista tente transcender o real − aliás, isso aponta para a sua transcendência essencial −, é o real que o referencia e o valida.[25]
A tendência natural é que reproduzamos interpretativamente o que está mais próximo de nós, quer fisicamente (minha casa, meu filho, a mulher amada, meu animal de estimação, uma paisagem próxima, etc.),[26] quer, em minha mente, expressando temores, incompreensões, sonhos e desejos.
A arte tem a digital de seu autor. Ela provém do interior do artista como criatura, mas, não como criador. E, como todos os nossos demais trabalhos, expressa, sem, necessariamente, nos darmos conta, o nosso sentido de valor.[27]
Como bem disse o pintor norueguês Munch (1863-1944)[28] no início do século XX, num momento não rotineiro de sobriedade: “A arte é a compulsão do homem para a cristalização. (…) A natureza não é apenas o que o olho pode ver. Ela mostra também as imagens interiores da alma ‒ as imagens que ficam do lado de trás dos olhos”.[29] No retratar o que percebo, sem perceber revelo o que sou e como estou.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
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[1] J.G. Machen, Cristianismo y Cultura, Barcelona: Asociación Cultural de Estudios de la Literatura Reformada, 1974, p. 11.
[2]Francis A. Schaeffer, A Arte e a Bíblia, Viçosa, MG.: Editora Ultimato, 2010, p. 20.
[3] Francis A. Schaeffer, A Arte e a Bíblia, p. 76.
[4]Vejam-se: João Calvino, As Institutas, II.2.16-17,27; II.3.4; João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, p. 618-620. “Graça comum é o termo aplicado àquelas bênçãos gerais que Deus comunica a todos os homens e mulheres, indistintamente, como Lhe apraz, não só a seu próprio povo, mas a todos os homens e mulheres, segundo o Seu beneplácito. Ou, de outra forma, graça comum significa aquelas operações gerais do Espírito Santo nas quais, sem renovar o coração, Ele exerce influência moral por meio da qual o pecado é restringido, a ordem é preservada na vida social e a justiça civil é promovida” (D. Martyn Lloyd-Jones, Deus o Espírito Santo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1998, p. 36). (À frente apresentarei outros aspectos desta doutrina).
[5]Veja-se: Abraham Kuyper, Calvinismo, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 152. Quanto a esta diversidade, é extremamente ilustrativa a seguinte obra: Georges Duby; Michel Laclotte, coords. História Artística da Europa: A Idade Média, 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002, 2v.
[6] Veja-se: Stephen Farhing, Tudo sobre Arte, Rio de Janeiro: Sextante, 2011, p. 8.
[7]Quanto a este ponto, li posteriormente: “Se o homem modifica a sua atitude radical perante a vida, começará por manifestar o novo temperamento na criação artística e em suas emanações ideológicas” (José Ortega y Gasset, A Desumanização da Arte, 6. ed. São Paulo: Cortez, 2008, p. 69).
[8]Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 156.
[9]Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 141.
[10]Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 99.
[11] Veja-se: Hannah Arendt, A Condição Humana, 11. ed. revista. Rio de Janeiro: Forense, 2011 (2. tiragem), p. 216-217.
[12]“A beleza não precisa de razões pragmáticas para ter valor” (Francis A. Schaeffer, Poluição e Morte do Homem, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 63-64).
[13]Devo esta observação a Horner. Veja-se: Grant Horner, Glorificando a Deus na Cultura Literária e Artística: In: John MacArthur, ed. ger. Pense Biblicamente!: recuperando a visão cristã do mundo, São Paulo: Hagnos, 2005, especialmente, p. 521.
[14] Veja-se: Anthony A. Hoekema, Criados à Imagem de Deus, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 86.
[15]Palavra derivada do grego mousei=on (“templo das musas”). Os museus modernos surgiram apenas no século XVII. Veja-se o instrutivo artigo em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Museu (consulta feita em 29.03.2016). Para uma abordagem mais ampla: Marlene Suano, O que é Museu, São Paulo: Brasiliense, 1986 (Esta pequena e esgotadíssima obra, pode ser lida em http://pt.scribd.com/doc/33202840/O-que-e-museu-Marlene-Suano-Colecao-Primeiros-Passos). (consulta feita em 17.04.2012); Letícia Julião, Apontamentos sobre a história do Museu (http://www.museus.gov.br/sbm/downloads/cadernodiretrizes_segundaparte.pdf) (consulta feita em 17.04.2012).
[16] Vejam-se: E.H. Gombrich, A História da Arte, 16. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1999, p. 15; R.G. Collingwood, Los Principios Del Arte, México: Fondo de Cultura Econômica, © 1960, 3. reimpressão, 1993, p. 15-16. Para uma introdução à questão da filosofia da arte envolvendo o uso da palavra grega, vejam-se: Arte: In: José Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia. São Paulo: Edições Loyola, 2001, v. 1, p. 199-202; Arte: In: André Lalande, Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 88-90; Susan L. Feagin, Estética: In: Roberto Audi, dir. Dicionário de Filosofia de Cambridge, São Paulo: Paulus, 2006, p. 292-293; Arte: In: Nicola Abbagnano, Dicionário de Filosofia, 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982, p. 77-78. Para uma abordagem mais completa e didática, veja-se: Warren E. Steinkraus, Philosophy of Art, Beverly Hills: Benziger, 1974, 210p.
[17]A nossa palavra arte vêm do latim ars e artis, que traduz o grego te/xnh (habilidade, ofício), significando habilidade, profissão e, arte. Pode ser definida como “conjunto de preceitos e regras para fazer bem qualquer coisa” (Caldas Aulete). Na Idade Média era comum a palavra ser associada a “engano” e “fraude”, bem como, a expressão “sem arte” significar o mesmo que “sem engano”, “honestamente”. O uso da palavra associando-a às “Belas”, daí “belas-artes” (nobres artes) é um emprego tardio imitando o francês. Do termo latino são derivados outros, tais como: arteiro (“enganoso”, “traidor”, “astuto”, “ardiloso”); artesão, artesanato, artista, enartar (espanhol que significa enganar), inerte, (sem capacidade, sem talento, inativo); artefato (“feito com arte”), artífice, artesanal, artifício, artificial, artimanha (artifício para enganar). Na linguagem popular era comum dizer-se de uma criança, digamos, criativamente agitada, ser “arteira”.
[18] Possivelmente o que Gombrich (1909-2001) fala a respeito de um mural descoberto do terceiro século da Era Cristã na cidade chamada Dura-Europos, que servia para decorar a parede da sinagoga, se aplicaria ao meu texto: “Não se trata, em absoluto, de uma grande obra de arte, mas constitui um interessante documento do século III d.C.”. À frente: “O artista não era, por certo, muito habilidoso, e isso explica seus métodos simples” (E.H. Gombrich, A História da Arte, 16. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1999, p. 127). Agora, nem por isso, o mural deixou de ser um documento interessante. (Veja-se: https://www.google.com.br/search?q=dura+europos&hl=pt-BR&prmd=imvnsb&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ei=H76NT_ObDYuRgQfM6LGDDg&sqi=2&ved=0CCUQsAQ&biw=1182&bih=846) (consulta feita em 17.04.2012).
[19] Veja-se: E.H. Gombrich, A História da Arte, 16. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1999, p. 32-33. Numa perspectiva distinta, porém, complementar, escreveu Panofsky (1892-1968): “Se escrevo a um amigo, convidando-o para jantar, minha carta é, em primeiro lugar, uma comunicação. Porém, quanto mais eu deslocar a ênfase para a forma do meu escrito, tanto mais ele se tornará uma obra de caligrafia; e quanto mais eu enfatizar a forma de minha linguagem (poderia até chegar a convidá-lo por meio de um soneto), mais a carta se converterá em uma obra de literatura ou poesia” (Erwin Panofsky, Significados nas Artes Visuais, São Paulo: Perspectiva, 2011, p. 32). À frente: “Vimos, todos, com nossos próprios olhos, os utensílios e fetiches das tribos africanas serem transferidos dos museus de etnologia para as exposições de arte” (Erwin Panofsky, Significados nas Artes Visuais, p. 33).
[20]Cf. Georges Duby; Michel Laclotte, coords. História Artística da Europa: A Idade Média, 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002, Tomo I, p. 17. Para uma avaliação mais detalhada da questão, veja-se: R.G. Collingwood, Los Principios Del Arte, México: Fondo de Cultura Econômica, © 1960, 3. reimpressão, 1993, p. 15-16.
[21]Vejam a situação paradoxal na qual me encontro: Se falo ou escrevo e vocês não me entendem é porque sou obscuro, inatingível, falta-me didática. Se não entendo uma obra de arte, além de me sentir humilhado, sou taxado de ignorante, falta-me sensibilidade. Dias depois me senti aliviado lendo a obra de José Ortega y Gasset (1883-1955). Senti-me mais humano (José Ortega y Gasset, A Desumanização da Arte, 6. ed. São Paulo: Cortez, 2008). Creio que gradativamente se perdeu a dimensão de que a arte é um discurso que visa ser compreendido por todos que desejarem entendê-lo. A arte não pode ser apenas para o artista, mas, para o público em geral. Lembro-me que há uns 30 anos um importante Jornal de São Paulo passou a publicar mensalmente, se não me engano, um caderno com resenhas de obras/edições lançadas recentemente. A impressão que tinha ao ler aquelas resenhas é que o resenhista escrevia para os seus colegas do jardim de Academo, da Academia, não para o público que desejava entender e avaliar o que estava sendo publicado. No mês seguinte, podia aguardar; teria a resposta de outro erudito com uma resenha ainda mais complexa para evidenciar o seu grau mais profundo de obscuridade comunicativa. Fico imaginando se eles não se divertiam entre si na sala do grêmio dos intelectuais, num saboroso jogo de ping-pong acadêmico, se vangloriando de suas peripécias linguísticas onde estariam de fora os seus esforçados, porém, ignorantes leitores.
[22] Veja-se: Charles Colson; Nancy Pearcey, O Cristão na Cultura de Hoje, Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, p. 256ss.
[23]H.R. Rookmaaker, A Arte não precisa de justificativa, Viçosa, MG.: Editora Ultimato, 2010, p. 15-16.
[24]E.H. Gombrich, Meditações sobre um Cavalinho de Pau e outros ensaios sobre a teoria da arte, São Paulo: EDUSP., 1999, p. 4.
[25]Como exercício reflexivo, sugiro a leitura de Ortega y Gasset (José Ortega y Gasset, A Desumanização da Arte, 6. ed. São Paulo: Cortez, 2008, p. 39-43).
[26] Paul Cézanne (1839-1906), por exemplo, em seus quadros reproduziu dezenas de vezes O Monte de Sainte-Victoire em Provence, interior da França, onde vivia (Vejam-se: Stephen Farhing, Tudo sobre Arte, Rio de Janeiro: Sextante, 2011, p. 332; Fayga Ostrower, A Grandeza Humana: cinco séculos, cinco gênios da arte, Rio de Janeiro: Campus, 2003, p. 126; Fayga Ostrower, Universos da Arte: edição comemorativa Fayga Ostrower. 25. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p.113-114). É muito sugestivo o trabalho feito por Erle Loran (1905-1999) que percorreu esta região fotografando o que serviu de inspiração à arte de Cézanne (Erle Loran, Cézanne’s Composition, Berkeley: University of California Press, 1985). Como leigo no assunto, achei muito instrutivo o vídeo: https://www.google.com/search?q=Paul+C%C3%A9zanne&oq=Paul+C%C3%A9zanne&gs_lcrp=EgZjaHJvbWUyEggAEEUYORiDARjjAhixAxiABDINCAEQLhiDARixAxiABDIHCAIQABiABDIHCAMQABiABDIHCAQQABiABDIHCAUQABiABDIHCAYQABiABDIHCAcQABiABDIHCAgQABiABDIHCAkQABiABNIBBzU4NGowajmoAgCwAgE&sourceid=chrome&ie=UTF-8#fpstate=ive&vld=cid:5533f92c,vid:GrWbctp1UTg,st:0 (Consultado em 18.09.2024).
[27] Veja-se, por exemplo, a afirmação de Schaeffer a respeito de alguns pintores dos séculos XIX-XX (Francis A. Schaeffer, Como Viveremos? São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 130).
[28] Enquanto fazia uma das revisões desse texto, foi anunciada a venda em um leilão em Nova Iorque (02/05/12) de um quadro de Munch, O Grito (1893), por um preço recorde, 119,9 milhões de dólares. (https://exame.com/casual/o-grito-de-edvard-munch-e-leiloado-por-us-119-9-milhoes/ http://pt.euronews.com/2012/05/03/o-grito-de-munch-vendido-por-preco-recorde/) (Consulta refeita em 18.09.2024).
[29] Edvard Munch, Arte e Natureza: In: H.B. Chipp, Teorias da Arte Moderna, 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999 (2. tiragem), p. 112.
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