Uma conversa sobre batismo

Tempo de leitura 8 minutos

Eu estava organizando alguns arquivos no meu computador quando me deparei com esta conversa sobre batismo que escrevi há muito tempo. Eu não sei se ela já foi publicada nalgum lugar… quem sabe?

Como essa parecia a forma mais fácil e natural de fazê-lo, eu decidi colocar minhas respostas às objeções no contexto de uma conversa fictícia entre um cristão maduro que está questionando sua posição batista — mas que não está nada convencido da posição pedobatista — e outro cristão que está firmemente convencido desta posição. Embora esse contexto seja muito conveniente para lidar com uma série de questões não diretamente conectadas e também torne a leitura mais agradável para muitos, em uma conversa assim, existe a possibilidade de se criar uma caricatura da posição contrária. Certamente não foi essa a minha intenção, mas o leitor terá de julgar se minha tentativa de ser imparcial foi bem-sucedida.

Os personagens são João, um batista, e Paulo, um pedobatista. Eles são amigos e se dão muito bem, assim como deveria ser.

———————

João pegou uma xícara de café, acomodou-se em sua cadeira e olhou para Paulo com uma solenidade jocosa. — Tem certeza de que você não se incomoda com mais um monte de perguntas?

Paulo riu. — Eu realmente não me incomodo com a quantidade de perguntas. Às vezes me incomodo com as que não consigo responder.

João sorriu. — Bom, eu tenho um monte delas. Sei que já conversamos sobre algumas, mas ainda preciso organizá-las na minha mente. E há outras sobre as quais ainda não conversamos…

— Vá em frente.

— Você já disse antes que o tipo de batismo infantil pactual que você defende não tem nada a ver com o batismo católico romano. Mas por que, para tantos cristãos, parece o contrário? Por que o batismo infantil parece ser um resquício do catolicismo que a Reforma não abandonou?

Paulo assentiu com a cabeça. — Eles parecem iguais porque ambos os batismos têm água, um bebê e o nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Eles parecem semelhantes à primeira vista. Mas, como diz o ditado, as aparências enganam.

Paulo apontou para a estante de livros em sua biblioteca e continuou. — Por exemplo, veja aquele conjunto de livros. O acabamento de A cidade de Deus, de Agostinho, é o mesmo de Origem das espécies, de Darwin. Eles são muito parecidos à distância. Mas eu li os dois e são muito diferentes no conteúdo. E é claro que o que eles dizem faz toda a diferença.

— Certo. Então, qual é a diferença entre o que você diz sobre o batismo infantil e o que a igreja romana diz?

Paulo pensou por um momento. — A melhor maneira de resumir é dizer que a igreja romana afirma que o batismo realiza uma obra espiritual de graça regeneradora na criança. Ele funciona ex opere operato, o que significa que funciona automaticamente.

— E a posição pedobatista pactual…

— … diz que o batismo é um sinal do pacto entre Deus e o seu povo, e que o sinal dado ao bebê aponta para Cristo, que é a única justiça desse pacto. O sinal aponta do bebê para Cristo, não de Cristo para o bebê.

— Você não acredita que a condição da criança tenha alguma coisa a ver com isso?

— Claro que tem. Se a criança nunca tiver fé salvadora, ela se mostrará uma falsa testemunha de Cristo, porque ela está dando um testemunho conflitante. Seu batismo aponta para a justiça de Cristo, enquanto sua vida se recusa a apontar para a justiça de Cristo. E se ela vier a professar a verdadeira fé evangélica, ela não será uma testemunha mentirosa. Seu batismo e sua vida não entram em conflito.

— Mas digamos que uma criança seja batizada, mas não seja eleita. O que você acha que o batismo faz? — insistiu João.

— Primeiro, deixa a criança molhada.

João sorriu. — Mas não muito, não é?

Paulo riu. — Exato. E em segundo lugar, se a criança nunca vir a professar verdadeira fé salvadora, o batismo apenas aumenta sua condenação. A criança não recebe nenhuma bênção espiritual do batismo.

— Então por que batizá-la?

— Porque a Bíblia ordena —, respondeu Paulo.

— Ah, sim. Eu havia me esquecido disso —, ambos riram.

João fez uma pausa e retomou. — Não o incomoda o fato de não haver registros de crianças sendo batizadas no Novo Testamento?

— Não. Deveria?

João se recostou em sua cadeira. — É claro que deveria. É uma verdadeira pedra de tropeço para pessoas como eu. Eu ficaria feliz em ser um pedobatista — tudo o que preciso é de um versículo.

Paulo se inclinou para frente. — Se importa se eu mudar de assunto, só por um momento? Vou voltar para essa pergunta.

— Claro, vamos lá.

— Você acha que mulheres deveriam participar da ceia do Senhor?

— Como? —, perguntou João.

— Eu perguntei se você acha que mulheres deveriam participar da ceia do Senhor.

— Mas é claro!

Paulo estava acenando com a cabeça. — Não sei, não…

João riu. — Tá. Como assim?

— Não me entenda mal. Eu ficaria feliz em ser um femino-comunionista — tudo o que preciso é de um versículo.

— O que você quer dizer com isso?

— Quero dizer que não há nenhum registro de uma mulher participando da ceia do Senhor em lugar algum das Escrituras.

João estava balançando a cabeça. — Você não está falando sério, está? Você acredita que mulheres deveriam participar da ceia do Senhor, não?

Paulo riu. — Claro.

— Ora, então por que você entrou nesse assunto?

— Eu não entrei nesse assunto. Foi você. Parecia que você estava dizendo que não podemos administrar um sacramento a uma classe de pessoas a menos que tenhamos pelo menos um versículo mostrando a igreja do primeiro século fazendo isso com a mesma classe de pessoas.

— Certo, então por que você acredita que as mulheres deveriam participar da ceia do Senhor?

— Porque devemos argumentar a partir do que a Bíblia ensina sobre o status das mulheres em relação à ordenança, e não a partir das narrativas registradas da ordenança em relação ao status teológico das mulheres.

— Beleza. Agora traduz.

Paulo assentiu com a cabeça. — A Bíblia diz que em Cristo não há macho nem fêmea. Os maridos e as esposas crentes são co-herdeiros da vida eterna. As mulheres foram batizadas juntamente com os homens. Portanto, por conhecermos sua posição na igreja, não devemos barrá-las da ceia do Senhor, que é um sacramento da igreja.

— Certo. Eu concordo com isso.

— Mas como você responderia se alguém usasse esse argumento contra você? Quando você diz que em Cristo não há macho nem fêmea, ele vai dizer que isso é verdade, mas essa passagem não menciona a ceia do Senhor. Não tem pão nem vinho lá. E quando você diz que esposas são co-herdeiras com seus maridos, ele vai dizer que isso é muito bom, mas ainda assim, a ceia do Senhor não é citada. E quando você disser que as mulheres eram batizadas, ele vai dizer que o batismo não é a mesma coisa que a comunhão. Tudo o que ele quer é um único versículo que diga, de forma explícita, que Lídia participou do cálice da nova aliança. Unzinho só. Não é pedir demais. Mas, não existe um. Essa exigência parece razoável?

João balançou a cabeça. — Não, é claro que não. Todo cristão razoável concordaria que as mulheres devem participar da ceia do Senhor.

— Mas, a fim de dizer isso, teríamos de concordar que é razoável afirmar a posição de um grupo de indivíduos, conforme descrito na Escritura, e raciocinar a partir do status em relação às qualificações deles para participação no sacramento?

— Ih, acho que sim. Vamos ver onde isso vai dar —, respondeu João.

— O princípio com que ambos concordamos ser questionável quando aplicado às mulheres é aquele empregado pelos batistas ao negar às crianças o direito ao batismo.

João balançou a cabeça. — Não estou entendendo. Os versículos que você citou anteriormente sobre as mulheres são muito claros.

— Eles só são claros para todo mundo porque, no momento, ninguém está discutindo o direito das mulheres de participar na ceia do Senhor. Se alguém estivesse questionando isso, então, a questão ficaria tão confusa quanto o batismo infantil. Mas a clareza deve ser uma preocupação exegética, e não a medida de quanto os cristãos discordam sobre alguma coisa.

— Bem, você pode citar um versículo sobre o status das crianças que seja tão claro exegeticamente quanto o que você citou sobre o status das mulheres?

— Sim. Há várias passagens. Podemos começar com duas?

— Claro.

— Em Lucas 18, alguns bebês e crianças de pais judeus são levados para que Jesus os abençoe. Alguns são bebês — Lucas usa o termo brephos — e Jesus os abençoa. E então ele diz que dos tais é o reino dos céus…

João interrompeu. — Mas Jesus não está batizando nessa passagem. Não há água ali.

— Claro que não. Mas há bebês. Eu não estou dizendo que havia água ou batismos na passagem. Estou apenas citando uma passagem que nos ensina sobre o status dos nossos filhos. Ali é dito que dos tais é o reino dos céus.

— Você quer dizer que todas as crianças do mundo têm esse status?

Paulo balançou a cabeça. — Não, e isso nos leva à segunda passagem que eu iria mencionar. Em 1 Coríntios 7.14, Paulo distingue entre filhos de incrédulos, chamando eles de impuros, e os filhos de pelo menos um pai crente, chamando eles de santos.

João se recostou em sua cadeira, mas ainda parecia duvidoso. — Ok.

Paulo continuou. — A tentação é tratar todo esse debate sobre o batismo infantil como uma discordância sobre o batismo. Mas na verdade, não é. É uma discordância sobre o status de nossos filhos. Se alguém negasse às mulheres o acesso à ceia do Senhor, a disputa não seria sobre a natureza da ceia do Senhor. O debate seria sobre o status das mulheres. Da mesma forma, esse debate não é sobre o batismo. É sobre as crianças.

— Olha, agora você tem a minha atenção. Eu vou ter que pensar sobre isso. Podemos partir de um ângulo diferente?

— Manda.

João fez uma pausa por um momento e continuou. — Você concorda que a Igreja Primitiva batizava por imersão?

Paulo concordou com a cabeça. — Certamente.

— Isso não faz com que você questione a prática da sua denominação? Quase todos os batismo são administrados por aspersão.

Paulo balançou a cabeça. — Não, não me faz questionar nem um pouco.

João riu. — Certo, não faz. Mas não deveria?

Na verdade, não. O batismo por imersão não é a única coisa que a Igreja Primitiva praticava. Eles também batizavam seus catecúmenos, homens e mulheres, nus. E praticavam a tripla imersão,  além de, é claro, batizarem bebês.

— Bem…

Paulo continuou. — A verdadeira questão por trás disso é o papel da história da igreja na resolução da questão do batismo. Parece-me que os batistas têm dificuldade em se decidir sobre o lugar que a história da igreja deve ocupar. Não faz sentido apelar aos Pais da Igreja sobre o modo de batismo e, ainda assim, afirmar que eles foram culpados de introduzir uma corrupção grosseira da doutrina apostólica com relação a quem deveria receber o batismo. Acho que estamos em um terreno muito mais seguro se simplesmente ficarmos com as Escrituras.

João respondeu. — Eu acho que você está certo nisso. Nosso único padrão deveria ser a Escritura.

— Certo. Sola Scriptura. Mas é claro que você percebe que esse padrão também remove outro argumento batista muito comum contra o pedobatismo.

João riu. — Ok. Vou pagar pra ver. Que argumento?

— O argumento do nominalismo nas igrejas que praticam o batismo infantil. Se limitamos nossa discussão à Escritura somente, não vamos ficar falando sobre como o batismo infantil é a causa da apostasia e do declínio nas igrejas pedobatistas. Muitas igrejas se perdem, mas a Escritura não identifica sua doutrina do batismo como culpada.

João ficou pensativo por alguns minutos, e então concordou. — Parece justo. Ele tomou um gole de café e continuou. — Eu gostaria de ouvir sua defesa da confirmação.

— Olha, eu não tenho uma defesa pra isso.

— Você admite que a confirmação é uma prática extrabíblica?

— Sim. Você não concorda? —, perguntou Paulo.

— Claro que concordo. Sou batista. Mas por que você não acha que precisa de uma defesa da confirmação?

— Porque eu não acredito nisso. Por que você deveria ter uma defesa do batismo pelos mortos? Porque você não acredita nisso, nem sua igreja — mesmo que a seita que pratica o batismo pelos mortos também pratique a imersão. Mas mesmo que exista uma semelhança superficial entre o que eles e vocês praticam, você não deveria defender o que eles fazem, certo?

— Certo. Que bom que concordamos —, respondeu João.

— Então eu não deveria ter que defender o que outras igrejas fazem quando nossa igreja não concorda. Minha denominação já passa um bom tempo defendendo as práticas que acreditamos serem bíblicas. Por que deveríamos perder tempo defendendo as práticas de outras igrejas que acreditamos não serem bíblicas?

— Tá bom, tá bom. Vê se deixa em paz —, e ambos riram de novo.

———

Original: Old Dialogue on Baptism.

Tradução: Thiago McHertt