
Há um século, um grave conflito abalou o presbiterianismo americano, e suas graves consequências se fazem sentir até o presente. Durante mais de 200 anos, as igrejas presbiterianas da grande nação do norte se mantiveram fiéis à fé reformada histórica. Esse compromisso foi um dos fatores que contribuíram para o seu notável esforço missionário ao redor do mundo. Porém, nas últimas décadas do século 19 o liberalismo, com sua proposta de adaptar a fé cristã à cultura, ciência e pensamento moderno, começou a fazer incursões crescentes nos arraiais presbiterianos. Um dos principais vetores desse movimento foi o Seminário Teológico Union, de Nova York. Até 1892, essa instituição teve fortes ligações com a Igreja do Norte (PCUSA). Porém, apesar de seu compromisso explícito com o liberalismo teológico, mesmo depois de romper os laços oficiais com a igreja, continuou a preparar muitos candidatos ao ministério presbiterianos e a exercer profunda influência no presbiterianismo de Nova York.
Desde 1908, um de seus professores era Harry Emerson Fosdick (1878-1969), pastor e escritor batista conhecido por suas ideias fortemente progressistas. Em 1918, quando a 1ª Igreja Presbiteriana de Nova York passava por um momento de transição, ele, sem se filiar à PCUSA, passou a ocupar o púlpito dessa igreja histórica, gozando de grande popularidade. A essa altura, os conservadores, tanto presbiterianos quanto batistas, vinham alertando quanto aos perigos do modernismo e insistindo na preservação dos fundamentos da fé, em especial a inerrância das Escrituras, o nascimento virginal de Cristo, seus milagres, sua morte substitutiva e sua segunda vinda. Incomodado com a postura dos defensores da ortodoxia, no dia 21 de maio de 1922 Fosdick subiu ao púlpito da 1ª Igreja e pregou sobre o tema “Os fundamentalistas irão vencer?”. Questionou as convicções dos conservadores, consideradas como meras “opiniões”, e apelou por um espírito de tolerância e liberdade. Nos dias seguintes o sermão foi impresso e distribuído em todo o país.
A controvérsia se intensificou. Entre os principais críticos de Fosdick estavam Clarence Macartney (1879–1957), pastor em Filadélfia, e John Gresham Machen (1881–1937), professor do Seminário de Princeton, até então uma cidadela da teologia reformada. Nos anos seguintes, a questão subiu à Assembleia Geral da PCUSA. Em 1923, foi aprovado, por 439 votos a 359, o relatório da minoria, que reafirmou os cinco fundamentos e determinou que o Presbitério de Nova York tomasse medidas quanto ao que ocorria na 1ª Igreja. Liderados por Henry Sloane Coffin (1877–1954), pastor da Igreja da Avenida Madison, os liberais reagiram fortemente. No mesmo ano, três dezenas deles se reuniram em Syracuse e, utilizando um texto escrito por Robert Hastings Nichols (1876–1946), professor do Seminário de Auburn, aprovaram uma declaração questionando a decisão da Assembleia. A chamada Afirmação de Auburn foi publicada no início de 1924 por 150 signatários; em maio, tornou a ser publicada com 1.000 assinaturas.
O Presbitério de Nova York, que no ano anterior havia aprovado dois candidatos ao ministério que não criam no nascimento virginal de Cristo, declarou em maio de 1924 que Fosdick estava isento de qualquer irregularidade. A Assembleia Geral daquele ano elegeu como moderador o já referido Clarence Macartney, que também havia pregado um conhecido sermão, “A incredulidade irá vencer?”. Todavia, o concílio supremo evitou as questões teológicas em debate para se concentrar em matérias de procedimento. Diante da sugestão de que Fosdick ingressasse na PCUSA, ele se retirou da 1ª Igreja, assumiu o pastorado da Igreja Batista da Park Avenue e finalmente foi para a Igreja Riverside, construída por um simpatizante seu, o magnata batista Nelson D. Rockefeller Jr.

Diante de ameaças de cisma pelos liberais, a Assembleia Geral de 1925, moderada por Charles Erdman, embora censurasse o Presbitério de Nova York, limitou-se a nomear uma comissão especial para estudar o problema. Seu relatório no ano seguinte declarou que não havia um partido fortemente liberal na igreja e concordou com a Afirmação de Auburn de que declarações doutrinárias da Assembleia Geral, como o endosso dos cinco fundamentos, também exigiam a manifestação dos presbitérios. Finalmente, na reunião de 1927, a comissão especial concluiu que as decisões judiciais da Assembleia Geral não podiam depender do enunciado meramente declaratório de uma Assembleia anterior. Em síntese, os cinco fundamentos declarados nas reuniões de 1910, 1916 e 1923 não eram obrigatórios. Estavam abertas as comportas para a liberalização da igreja.
Bradley J. Longfield, o principal estudioso dessa questão, apela a diversos autores para concluir que o legado dessa controvérsia, com a vitória do grupo liberal, foi a completa diluição da identidade teológica da igreja. A unidade institucional se tornou mais importante do que compromissos doutrinários compartilhados. Questões de legislação e procedimento passaram a ser mais decisivas que as teológicas. O historiador David Hollinger observa que o inclusivismo e a diversidade do protestantismo liberal ou ecumênico se tornou um abrigo conveniente para o que se pode chamar de “secularismo pós-protestante”. No final da vida, o próprio Fosdick reconheceu que o liberalismo tinha ido longe demais. Para ele, a nova palavra de ordem não devia ser “Acomode-se à cultura predominante”, mas “Afaste-se dela e a desafie”.
O Rev. Alderi Souza de Matos é o Historiador da IPB
Christianity and Liberalism (Cristianismo e Liberalismo)
de John Gresham Machen
O livro foi publicado em 1923 nos Estados Unidos em meio ao surgimento do liberalismo teológico. Essa corrente buscava adaptar o cristianismo aos avanços científicos e à cultura moderna, rejeitando aspectos fundamentais da fé cristã histórica.

- Incompatibilidade
Machen apresenta o argumento central de que o liberalismo teológico é incompatível com o cristianismo bíblico. Ele afirma que os dois não são diferentes perspectivas de uma mesma fé, mas opostos em sua essência. O cristianismo é fundamentado em doutrinas objetivas, enquanto o liberalismo substitui essas doutrinas por ideias subjetivas e humanistas.
- A Fé e o Sobrenatural
Machen defende a importância de doutrinas como a divindade de Cristo, o nascimento virginal, a expiação substitutiva e a ressurreição literal. Ele critica o liberalismo por reduzir o cristianismo a uma ética ou espiritualidade vaga, negligenciando essas verdades centrais e inegociáveis.
- Deus e a Revelação
O autor destaca a importância da revelação divina por meio das Escrituras. Machen critica o liberalismo por rejeitar a Bíblia como inspirada e revestida de autoridade, optando por uma visão que nega o sobrenatural.
- Cristo
Para Machen, a visão liberal de Jesus como apenas um exemplo moral ou mestre contradiz a fé cristã. A partir da Escritura ele enfatiza que Cristo é Deus encarnado, sendo sua morte e ressurreição essenciais para a redenção.
- O Homem e o Pecado
Machen argumenta que o liberalismo minimiza ou ignora a realidade do pecado humano. Ele afirma que o cristianismo bíblico ensina a necessidade da redenção por causa do estado pecaminoso do homem, enquanto o liberalismo promove uma visão otimista da natureza humana.
- Salvação
Machen critica o liberalismo por abandonar a ideia de salvação pela graça mediante a fé em Cristo. Ele sustenta que o cristianismo bíblico é uma mensagem de resgate divino, enquanto o liberalismo enfatiza apenas esforços humanos para melhoria moral e social.
- A Igreja
O autor defende a Igreja como uma comunidade distinta, estabelecida por Deus, que proclama as verdades do evangelho. Ele vê o liberalismo como uma ameaça que dilui a missão da Igreja, transformando-a em uma instituição meramente social ou ética.
Machen conclui o livro (Publicado no Brasil por diversas editoras) reafirmando que o cristianismo autêntico não faz concessões. Ele encoraja os cristãos a permanecerem fiéis à fé bíblica, mesmo em face de pressões culturais e intelectuais. Sua obra centenária, mas ainda atual, é um apelo para que a Igreja rejeite as inovações do liberalismo e mantenha o compromisso com as doutrinas fundamentais da fé cristã.
A denúncia de Machen foi uma resposta atemporal às tentativas de adaptar o cristianismo às demandas da modernidade. Abraçando de modo positivo essa causa como editora da IPB, a Cultura Cristã mantém um respeitável acervo de literatura fiel à nossa fé histórica tal como aprendemos da Escritura.
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