
Há quem não tenha gostado, mas eu achei Amores Materialistas um dos melhores filmes do ano. Pode soar até prepotente da minha parte, mas acredito que muito do meu apreço por esse filme venha do lado crítico que, desde 2015, lá na época da faculdade de jornalismo, foi sendo “despertado” por professores que tinham o entretenimento como objeto de estudo e nos incentivavam a analisar o produto artístico a partir do todo, não apenas do gosto pessoal.
Claro, há músicas, livros, filmes e séries que a minha maior alegria é simplesmente apreciar para desopilar a mente. Mas com Amores Materialistas, esse não pode ser o caso. Muitos o criticaram por ter sido vendido como uma “comédia romântica” nos trailers e divulgações, mas bastava ver o nome da diretora, Celine Song — a mesma de Vidas Passadas, indicado ao Oscar — para acender o alerta de que não era nada disso.
O filme, estrelado por Dakota Johnson, Pedro Pascal e Chris Evans, retrata um mundo em que o amor, a afeição e até mesmo o compromisso são negociados como mercadorias. Nada muito diferente do que vivemos hoje. Os personagens transitam entre aplicativos de relacionamento, contratos afetivos e vínculos descartáveis… Símbolos de uma geração que transformou o afeto em consumo.
À primeira vista, o longa pode parecer uma sátira romântica, afinal, apresenta a história de Lucy (Johnson), uma casamenteira de Nova York que se vê dividida entre Harry (Pascal), um empresário romântico e misterioso e John (Evans), um ex-namorado que ainda está tentando equilibrar sua vida, mas desperta uma antiga paixão na mulher. Mas é, na verdade, um espelho perturbador daquilo que Zygmunt Bauman chamou de “modernidade líquida”: um tempo em que tudo o que é sólido, inclusive o amor, se dissolve na fluidez do desejo imediato.
Bauman, em Amor Líquido, observa que o medo da exclusividade e o pavor da permanência levam as pessoas a preferirem conexões efêmeras a relacionamentos duradouros. No filme, essa fragilidade se manifesta na incapacidade dos protagonistas de sustentar vínculos. O amor é calculado como investimento, e o outro é visto como meio, não como fim. É a lógica da utilidade substituindo a do sacrifício, escancarando o materialismo que molda a sociedade contemporânea.
Com figurinos belíssimos, apartamentos luxuosos e tendo como cenário Nova York, a cidade que nunca dorme, o filme reflete uma crise mais profunda: a idolatria do eu. Como Francis Schaeffer alertava, a cultura ocidental, ao rejeitar Deus como fundamento da verdade, perdeu também o sentido da moral, da beleza e do amor. Sem uma referência transcendente, o ser humano tenta preencher o vazio com consumo e prazer próprio. Amores Materialistas expõe esse vazio com precisão desconcertante: quanto mais os personagens buscam satisfação, mais se tornam fragmentados e, assim, incapazes de dar ou receber amor genuíno.
Salomão, no livro de Eclesiastes, já havia diagnosticado esse mesmo dilema milênios antes: “Tudo é vaidade e correr atrás do vento” (Ec 1.14). No mundo do filme (ou seria no nosso?), o amor sem propósito eterno é exatamente isso: um vento que promete frescor, mas deixa apenas exaustão. A sabedoria bíblica contrasta com a superficialidade das relações líquidas, lembrando que o verdadeiro amor nasce da aliança, da fidelidade e do temor do Senhor (Pv 1.7; Ct 8.7).
E, para mim, é justamente esse o pulo do gato que faz Amores Materialistas ser um dos melhores filmes do ano. Celine Song escalou um time de peso, os queridinhos de uma geração que anseia sempre pela próxima rom-com;¹ investiu em um trailer animado que vende um triângulo amoroso e, assim, levou espectadores a receberem um verdadeiro tapa na cara sobre a superficialidade das relações atuais.
Talvez muitos tenham se incomodado justamente por isso: porque viram ali o quanto confundem valor com preço, tornando tudo uma transação material. Esquecem-se de que precisamos de um coração regenerado pela graça, enraizado em um amor sólido, aquele que só Cristo pode nos dar, para, assim, amar de forma verdadeira e eterna.
Amores Materialistas está disponível no HBO Max para assinantes, ou para aluguel na Amazon Prime Vídeo.
Gabriela Cesario é jornalista do Brasil Presbiteriano
¹ Abreviação de “romantic comedy” (comédia romântica) popularizada no Tik Tok.

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