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A Adoração Reformada: o canto congregacional como confissão de fé

O teólogo Ligon Duncan afirmou: “Não existe qualquer parte na vida de adoração mais carente de reforma hoje do que o canto congregacional” (Cante! Keith & Kristyn Getty. S. J. Campos, SP: Fiel, 2018). Essa observação ressoa a tradição reformada, que sempre valorizou o canto da igreja não apenas como recurso estético, mas como confissão pública de fé. Cada hino, salmo ou cântico é proclamação doutrinária e testemunho daquilo que cremos diante do Senhor e do mundo.

Teologia na música da igreja

O canto congregacional é verdadeira confissão de fé comunitária. A teologia deve guiar a música de modo claro e didático. Lutero dizia: “Depois da Palavra de Deus, a música merece o mais alto louvor” (Adoração na Reforma. J. Gibson e M. Earngey. SP: Cultura Cristã, 2024). A Reforma do século 16 insistiu em melodias simples para favorecer a participação de todos, evitando formas musicais que restringissem o canto. O objetivo era que o culto fosse experiência comunitária de louvor.

Paulo exortou: “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo […] louvando a Deus com salmos, hinos e cânticos espirituais, com gratidão em vosso coração” (Cl 3.16). O verbo enoikeitō (“habite”) indica presença permanente, e a palavra cháris (“graça” ou “gratidão”) recorda que o cântico nasce da ação de Deus em nós e se expressa em louvor.

Ethos litúrgico da música

A música não é neutra: carrega um ethos litúrgico que molda a adoração e o entendimento de Deus pela comunidade. O canto congregacional tem dupla dimensão: glorifica o nome do Senhor e, ao mesmo tempo, gera senso de participação e pertencimento ao corpo de Cristo. Esse pertencimento se concretiza quando as vozes se unem em um só cântico, expressando unidade e identidade comunitária. Além de exaltar a Deus, o canto educa a fé, fortalece a comunhão e reafirma a identidade dos adoradores.

Por isso, letras, melodias e arranjos devem refletir a santidade de Deus e a centralidade de Cristo. Quando guiada apenas por critérios estéticos ou mercadológicos, a música corre o risco de perder seu caráter sagrado e pedagógico.

Paulo resume a dimensão vertical e horizontal da música cristã: “[…] falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais (Ef 5.19). O verbo psállō (“cantar”) une Palavra e melodia para louvor a Deus e edificação da igreja. Os hinos da igreja primitiva eram escolhidos não pelo valor artístico, mas por sua verdade teológica.

O cuidado pastoral com a música

O canto congregacional deve ser expressão de exortação mútua e louvor a Deus. Essa prática requer também cuidado pastoral com os músicos. Mais que instrumentistas ou cantores, são comunicadores da Palavra cantada e sua responsabilidade é conduzir a igreja com reverência, verdade e alegria.

O salmo 33.1-3 convoca os justos a louvar com júbilo e excelência, lembrando que os dons musicais vêm de Deus e devem ser usados para servi-lo. O cântico novo aponta para renovação espiritual diante das misericórdias do Senhor, enquanto a ordem de tocar bem revela a importância da dedicação e da excelência na adoração.

Conclusão

A adoração reformada ensina que o canto congregacional é teologia em melodia, doutrina em harmonia e confissão em uníssono. Cantar bem não envolve apenas afinação ou técnica, mas proclamar a verdade de Deus com entendimento, devoção e amor. Que a igreja redescubra o valor do canto congregacional como expressão poderosa da fé reformada.

O Rev. Anuacy Fontes é pastor na IP do Calhau, São Luís, MA, e Presidente do Conselho de Musica da IPB

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Louis Bourgeois

O francês Louis Bourgeois (c. 1510–c. 1560) foi o músico mais notável da Reforma calvinista. Com formação renascentista, destacou-se por sua contribuição ao Saltério de Genebra (1542). Adaptou melodias e compôs novas músicas para acompanhar a versificação dos salmos, de modo que o povo pudesse cantar a Palavra de Deus no culto com simplicidade, clareza e reverência, conforme os ideais de João Calvino. Bourgeois preocupava-se em criar linhas melódicas acessíveis, mas ao mesmo tempo solenes, que elevassem o coração a Deus sem cair em frivolidades. Entre suas composições mais conhecidas está a melodia do Salmo 100, que atravessou séculos e deu origem à mais célebre “Doxologia” cantada em todo o mundo (“Ao Deus supremo benfeitor”, partitura abaixo). Outros colaboradores completaram essa obra — como Clément Marot e Théodore de Bèze, que fizeram a tradução métrica dos salmos, e Claude Goudimel, que harmonizou várias melodias —, mas foi Bourgeois quem imprimiu a marca musical da tradição calvinista.

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Autor

  • Cativo à Palavra

    Projeto Missionário Teológico e Pastoral. Para um coração cativo e dedicado ao Senhor.

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