As últimas eleições nos Estados Unidos me lembraram como a política tem um poder de dominar a nossa cultura como nada mais tem. Toda eleição é chamada de “a mais importante da nossa vida”. Toda questão discutida é descrita como um desafio existencial, e nos dizem que todo o futuro do nosso país — e do mundo — depende de como nós votarmos.
Aquilo em que acreditamos sobre a democracia é parte da razão por trás da nossa preocupação com as eleições. Acreditamos que votar é a principal forma de resolver questões cruciais da nossa época. É nas eleições que lutamos por nossas crenças, identificamos nossas tribos e promovemos nossas pautas. A democracia não é perfeita, mas há uma razão pela qual tantos países a adotaram como sua forma preferida de governo.
No entanto, quando olhamos para as Escrituras, encontramos uma história que é uma advertência sobre a democracia, e acho que vale a pena relembrá-la. Apesar de seus pontos fortes, a democracia sempre estará limitada pela forma como o coração das pessoas estiver alinhado.
Em Mateus 27.15-26, bem como nas passagens paralelas nos outros três Evangelhos, vemos o Salvador, Jesus, pouco antes de sua crucificação. Poucos dias antes, ele havia entrado triunfalmente em Jerusalém, e sido celebrado aos brados de “Hosana!”. Mas, nessa outra cena, embora fosse inocente de qualquer crime, Jesus havia sido preso e entregue ao governo romano. Ele estava detido sob acusações forjadas pelos líderes religiosos da cidade.
Como era costume durante a festa da Páscoa, o governador romano da Palestina, Pilatos, permitiu que o povo escolhesse um prisioneiro para libertar. Assim, também desta vez, tudo se resumiu a uma votação. Pilatos apresentou uma escolha entre dois candidatos: “Jesus, chamado o Messias” e Barrabás, um conhecido criminoso e assassino que tentou salvar seu povo derrubando o governo romano, em uma rebelião.
Embora, menos de uma semana antes, Jesus tivesse sido recebido de braços abertos em Jerusalém, os principais sacerdotes e os anciãos persuadiram o povo a votar pela libertação de Barrabás. E o que fazer com o inocente Jesus? “Crucifica-o!”, gritaram.
Esta é uma história que fala principalmente do sacrifício substitutivo de Cristo pelos nossos pecados. Vemo-nos em Barrabás, o criminoso por quem Cristo dá a sua vida. Somos tão indignos quanto Barrabás, mas o amor de Deus é tão gracioso que Ele enviou o seu Filho para sofrer a morte que merecíamos.
Em outro nível, porém, esta também é uma história de democracia — de como um processo democrático resultou no maior erro judiciário da história da humanidade.
Pilatos era responsável por administrar a justiça, mas achou politicamente mais conveniente deixar a multidão decidir, acatar o voto deles e, assim, manter a ordem e proteger seu próprio poder. Os principais sacerdotes e anciãos — os líderes religiosos que deveriam guiar o povo no caminho da justiça — em vez de fazer isso, convenceram o povo a votar em Barrabás. Eles invejavam Jesus e sentiam que ele era uma ameaça para a posição de influência deles. E o povo, embora soubesse que Jesus era inocente, mesmo assim votou no criminoso e condenou o seu Messias. Um homem que merecia punição foi libertado, e o Salvador da humanidade foi condenado à morte.
Barrabás não é a única figura aqui com quem devemos nos identificar: temos muito em comum com essa multidão que votou pela crucificação de Jesus. Na depravação de nossa natureza pecaminosa, jamais escolheríamos a Cristo, se dependesse de nós. Pela graça, sabemos que não somos nós que escolhemos a Cristo, mas sim Cristo que nos escolhe. Embora em nosso coração clamemos “crucifica-o”, ele ainda assim morre para nos salvar.
Além disso, é importante notar que não foi a democracia em si que falhou aqui. Não há nenhuma sugestão, em nenhum dos Evangelhos, no sentido de que Pilatos tenha adulterado os resultados. Na verdade, ele parecia ter preferido soltar Jesus, e até protestou sua inocência: “Que crime ele cometeu?”. Embora a resposta fosse “nenhum”, a multidão clamou veementemente pela morte de Jesus.
A democracia é um sistema relativamente bom, mas continua sendo um sistema meramente humano. Ela só pode funcionar com justiça na medida em que as pessoas que vivem dentro dela alinharem o coração, as motivações e os interesses com a verdade e a retidão. Caso contrário, a depravação da natureza humana fará com que a mais perfeita das democracias se curve à injustiça. O governo feito “pelo povo” sempre refletirá o coração do povo em questão. Foi [a decisão de] um governo feito “pelo povo” que redundou na crucificação da “imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação” (Colossenses 1.15).
O valor que algumas pessoas tendem a atribuir à política e ao processo democrático torna difícil lembrarmos dessa limitação que lhe é inerente. Mas, como cristãos, devemos lembrar disso.
Embora tenhamos o privilégio cívico e a responsabilidade de votar, não podemos depositar todas as nossas esperanças nas eleições. A política não é a única — nem mesmo é a principal — maneira de resolver questões críticas dos nossos dias. Lembre-se de que os primeiros cristãos transformaram todo o mundo greco-romano, mesmo sem ter nenhum poder político.
Assim como a multidão no palácio de Pilatos, podemos ser seduzidos a usar mal e a interpretar mal nosso voto, se o nosso coração não estiver totalmente voltado para Deus, se não confiarmos somente nele para curar este mundo ferido. Barrabás tentou “ajudar” Deus a salvar seu povo, quando tentou derrubar Roma, mesmo que isso significasse cometer assassinatos. Votar em Barrabás é depositar a fé em qualquer coisa que não seja Deus, inclusive em uma eleição, para realizar propósitos que são de Deus. Mas a nossa fé deve estar no verdadeiro Salvador, que deu a própria vida para salvar a nossa.
A política tem seu lugar, mas nossos principais mandamentos como cristãos são a Grande Comissão e o Grande Mandamento. E, embora tenhamos o privilégio de viver em uma democracia funcional, essa democracia se tornará disfuncional e injusta se depositarmos todas as nossas esperanças nas eleições, e não em Cristo.
Domonic D. Purviance é escritor, líder do ministério para homens e especialista em finanças e economia. É cofundador da King Culture [Cultura do Rei], uma organização sem fins lucrativos que capacita homens a refletir a liderança altruísta de Cristo.
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