“O cristão deve ter a mente aberta?” Quando um aluno levantou essa questão em sala de aula, a princípio não soube como respondê-la — eu me senti preso entre duas convicções conflitantes.
Por um lado, uma “mente aberta” parece contradizer a doutrina cristã do caminho estreito. Os cristãos não deveriam ser caracterizados por uma fé imutável e inabalável? As cartas de Paulo nos lembram repetidamente de “permanecer firmes”, apegando-nos firmemente à verdade em meio à dúvida e à confusão. Será que ter uma “mente aberta” não significaria dizer, em outras palavras, que temos uma “fé fraca”?
Por outro lado, a Bíblia tem muito a dizer sobre humildade. Quão limitado é o nosso entendimento das coisas e quão vastos são os caminhos de Deus e de sua criação! Isso não deveria exigir que sejamos mais maleáveis em nossas opiniões? Mente fechada não seria apenas outro nome para arrogância intelectual?
E para complicar ainda mais a situação, cristãos com a melhor das intenções e com boa formação intelectual dão respostas muito diferentes a essa pergunta do meu aluno.
James Spiegel, professor de religião, descreve a mente aberta como “um ponto intermediário entre dois vícios intelectuais, uma espécie de ápice entre os vales do dogma e da dúvida”. E ele a chama de “uma virtude especialmente importante neste momento da história”.
Em contrapartida, Burk Parsons, do Ligonier Ministries, escreve com confiança: “Como fiéis de mente fechada e cristocêntrica que somos, devemos unir forças contra o pluralismo satânico dos nossos dias”. Essa atitude não é incomum entre cristãos biblicamente fiéis.
O que podemos concluir a partir de tudo isso, então? Os cristãos devem ser conhecidos por sua abertura intelectual ou por sua determinação inflexível?
Considerando a questão por outro prisma, e se na verdade não houver contradição entre fé inabalável e humildade intelectual? Na Bíblia, vemos uma imagem da vida que é cativante, caracterizada pela fé na pessoa de Deus e por uma abertura à correção de nossa compreensão finita do mundo.
É muito frequente os cristãos serem conhecidos por uma teimosia desenfreada e sua arrogância intelectual. Em nossa busca bem-intencionada por fidelidade, acabamos deixando para trás algo essencial à vida cristã: a profunda humildade, algo que requer um certo tipo de mente aberta. Ao louvarmos e buscarmos uma fé firme, convicta, não devemos negligenciar a virtude da humildade epistêmica, que também é bíblica.
Para isso, precisamos primeiro estabelecer uma distinção bem clara entre dois tipos de curiosidade intelectual.
Durante grande parte da história da igreja, a curiosidade intelectual tem sido considerada um vício perigoso. Frequentemente associada à arrogância e à vaidade, a curiosidade tem sido responsabilizada por alguns dos maiores pecados da humanidade. Em certo sentido, até mesmo o primeiro pecado, o pecado de Adão e Eva, poderia ser atribuído à curiosidade. Afinal, a Serpente tentou Eva com a promessa de que “os seus olhos se abrirão” e “ vocês serão como Deus, conhecedores do bem e do mal” (Gênesis 3.5). Assim sendo, não foi esse anseio ilícito por conhecimento proibido que condenou a humanidade?
Esse tema encontra eco em outras partes das Escrituras. Paulo adverte Timóteo contra a tentação inevitável que as pessoas sentem de se recusarem a dar ouvidos à verdade, voltando-se para os mitos (2Timóteo 4.4), e também adverte os efésios a não serem “levados de um lado para outro pelas ondas ou jogados para cá e para lá por todo vento de doutrina” (Efésios 4.14).
À luz dessas advertências bíblicas, cristãos influentes também denunciaram os perigos da curiosidade. Agostinho escreve em suas Confissões que “a curiosidade cria uma aparência de desejo de conhecimento”; o teólogo também identifica sua própria luta contra a luxúria como uma manifestação de curiosidade pecaminosa.
Em sua obra A Imitação de Cristo, Tomás de Kempis fala daqueles que se “deixam levar pela curiosidade e pela arrogância […] enquanto negligenciam a si mesmos e à sua salvação”. Ele adverte que essas pessoas provavelmente “cairão em grandes tentações”.
Há grande sabedoria nessas advertências. Dada a corrupção do coração humano, a curiosidade pode nos levar a lugares aos quais não deveríamos ir. Como Joseph Samuel Exell e Thomas Henry Leale afirmam em seu comentário sobre Gênesis: “É perigoso para os interesses da alma entregar-se à vã curiosidade de conhecer os maus caminhos do mundo”.
Na medida em que a curiosidade for uma expressão de arrogância e um veículo para a tentação, certamente é justo que os cristãos alertem contra esse tipo de abertura de espírito. Com certeza existem muitos males para os quais devemos fechar resolutamente nosso coração e nossa mente.
No entanto, existe outro tipo de curiosidade: aquela abertura da mente que existe como expressão de humildade e reconhecimento das nossas próprias limitações. E as Escrituras elogiam essa postura, ao mesmo tempo em que alertam contra a arrogância da teimosia e o orgulho intelectual.
Como a própria Bíblia atesta, o povo de Deus não é conhecido por sua receptividade a sugestões, a mudanças nem por sua disposição para ouvir. De fato, se temos duas características consistentes ao longo dos milênios, provavelmente são o nosso coração duro e a nossa mente teimosa.
“Observei este povo, e eis que é povo de dura cerviz” (Êxodo 32.9, ESV). Assim disse o Senhor a Moisés, quando o povo de Israel fez para si um bezerro de ouro, para adorá-lo em lugar do Deus que os tirou do Egito.
“Toda a casa de Israel tem a fronte dura e o coração obstinado” (Ezequiel 3.7, ESV). Aqui, o Senhor está alertanto Ezequiel que o povo não ouvirá nem mudará seus caminhos.
“Porque eu sabia que vocês são obstinados, e a sua cerviz é um tendão de ferro, e têm a testa de bronze” (Isaías 48.4, ESV). O Senhor ilustra ainda mais a dureza de coração do seu povo com essas palavras proferidas pela boca de Isaías.
No pensamento hebraico antigo, o coração e a mente, como centros das faculdades emocionais e intelectuais, não são isolados um do outro. O coração é entendido como o centro da pessoa como um todo, incluindo o intelecto. Como afirma o teólogo puritano John Owen: “Geralmente, [o coração] denota toda a alma do homem e todas as suas faculdades… pois tudo isso concorre para que façamos o bem e o mal”.
Quando as Escrituras Hebraicas descrevem a perene dureza de coração da humanidade, elas não descrevem apenas uma realidade emocional ou espiritual. Descrevem a profunda teimosia intelectual da condição humana com um todo, de forma holística. Insistimos em acreditar que sabemos o que é verdadeiro, real e bom, e resistimos constantemente a todas as tentativas de mudar nosso coração e nossa mente.
Em outras palavras, todos nós somos propensos a ser pessoas de mente fechada.
E é exatamente essa teimosia que Deus se compromete a transformar na nova aliança prometida em Ezequiel 36: “Eu lhes darei um coração novo e porei um espírito novo no interior de vocês. Tirarei de vocês o coração de pedra e, em troca, darei um coração de carne” (v. 26).
Esta é a esperança que encontramos na nova aliança: que, no lugar do nosso coração endurecido, receberemos um coração brando e receptivo. A boa-nova do evangelho é que podemos ser transformados, podemos nascer de novo e ser renovados — e, nessa nossa renovação, podemos nos tornar um povo caracterizado por humildade, obediência e prontidão para ouvir e ser transformado.
No entanto, encontramos muitas maneiras de dar continuidade à consagrada tradição de obstinação e dureza de coração que definiu o povo de Israel. Para piorar a situação, podemos nos convencer de que essa teimosia é um fruto do Espírito, e não uma fraqueza da carne. E fazemos isso sempre que confundimos teimosia intelectual com convicção de fé.
Em seu ensaio “Sobre a obstinação na crença”, C. S. Lewis descreve essa diferença. A fé cristã é uma questão de fidelidade relacional: profunda confiança na bondade de Deus, algo que, por sua vez, é enraizado na íntima familiaridade com seu caráter ao longo dos séculos. Quando aprendemos a nos apoiar nessa confiança, não estamos demonstrando uma teimosia típica de uma mente fechada. Estamos apenas confiando, da mesma forma que uma criança confia em seus pais, apesar de ter uma compreensão limitada.
Esse tipo de confiança virtuosa não é sinônimo de teimosia intelectual. A recusa em considerar a possibilidade de erro no próprio julgamento não é uma expressão admirável de fé, mas sim uma perigosa expressão de arrogância. Em outras palavras, há uma clara diferença entre arrogância epistêmica e confiança relacional.
O que isso significa para a nossa investigação sobre a mente aberta? Significa que o chamado cristão à fé inabalável não é de forma alguma contrário a um espírito de humildade intelectual. Como o autor de Hebreus nos instrui, podemos “nos apegar firmemente à esperança que professamos, pois aquele que fez a promessa é fiel” (Hebreus 10.23, grifo do autor).
A firmeza da minha fé não deve estar enraizada na minha imutabilidade ou na teimosia da minha cosmovisão, mas sim na fidelidade inabalável daquele que me amou e se entregou por mim. É olhando com plena confiança para Cristo que podemos ser inteiramente consistentes com a definição bíblica de uma fé firme, convicta, ao mesmo tempo em que abraçamos o tipo de humildade gentil que é recomendada nas Escrituras.
Em seu livro A intolerância da tolerância, D. A. Carson aponta que os cristãos têm mais motivos do que ninguém para considerar nosso intelecto como algo suspeito e prever que provavelmente cometeremos erros. Nós, cristãos, temos as mais poderosas razões para vivermos uma vida de autoexame. Teremos pouca credibilidade quando cobrarmos uma certa humildade epistêmica da parte dos secularistas, se nós mesmos não formos caracterizados pela humildade.
Se quisermos ser caracterizados pela humildade epistêmica, devemos começar pela forma como abordamos nossa própria teologia.
Há mais de 20 anos, Al Mohler desafiou os cristãos a praticar a “triagem teológica” como expressão de maturidade espiritual e intelectual. Com isso, ele se referia a classificar com sabedoria as várias doutrinas e ideias de acordo com sua importância relativa e com nosso nível de certeza. Nem toda doutrina é uma doutrina de “primeira ordem” de importância, assim como nem toda interpretação precisa ser defendida com extrema ferocidade. Gavin Ortlund também escreveu sobre isso.
Deixe-me ser bem claro: a fé cristã é construída sobre um conjunto de proposições históricas e teológicas específicas. Se a pessoa não confessar os artigos de fé e não crer plenamente na vida, morte e ressurreição reais de Jesus, não há cristianismo. O chamado à humildade não é um chamado para abandonar os pilares da nossa fé e abraçar o ceticismo pós-moderno.
Em vez disso, uma compreensão profundamente bíblica da humildade epistêmica significa regozijar-se em um relacionamento com o Deus eterno e confiar que o conhecimento dele, que é vasto e atemporal, excede em muito o nosso. Posso não ter certeza sobre muitas coisas, mas decidi seguir Jesus, o Filho unigênito de Deus, porque ele me deu bons motivos para confiar nele. Na verdade, eu deveria confiar mais nele do que em mim mesmo.
O próprio Jesus é um exemplo notável desse tipo de humildade. Somente ele tinha todo o direito de encarar a vida com a mais absoluta e irrestrita certeza, dada a plenitude de seu conhecimento; ainda assim, ele buscou a vontade de seu Pai e se submeteu às incertezas da vida em forma humana. Lucas nos diz que ele “crescia em sabedoria” quando, ainda criança, ouvia os sacerdotes e fazia perguntas (2.52). Ele ensinava com autoridade divina, mas confessava abertamente que havia coisas que ele mesmo não sabia e que as deixava nas mãos competentes do Pai (Mateus 24.36).
Se nosso Senhor Jesus possuía e expressava esse tipo de humildade, que desculpa nós temos [para não expressá-la também]?
Diante de tudo isso, sinto que posso responder à pergunta do meu aluno com um pouco mais de confiança. Sim, um cristão deve ter a mente aberta, desde que essa expressão seja bem compreendida.
Ser um cristão de “mente aberta” é contribuir para que Deus faça o que prometeu: substituir meu coração de pedra por um coração de carne — vivo, receptivo, um coração em crescimento. É comprometer-me a buscar a verdade, mesmo que isso signifique mudar de ideia quando eu estiver errado.
Pela graça de Deus, nosso coração duro e teimoso pode ser vivificado. Não resistamos à obra do Espírito em nossa vida, para nos fazer humildes. Devemos nos aproximar do trono de Deus com o coração brando e a cabeça curvada, em imitação à humildade do próprio Cristo.
Benjamin Vincent é pastor e professor; ele vive no sul da Califórnia. Atua como pastor assistente na Journey of Faith Bellflower e como chefe do departamento de história e teologia na Pacifica Christian High School, em Newport Beach, Califórnia.
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