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Como exercer a hospitalidade cristã nas redes sociais

Depois que Samuel Johnson, ícone da literatura inglesa do século 18, jantou na casa de um amigo, seu biógrafo, James Boswell, perguntou-lhe se a conversa tinha sido boa. “Não, senhor”, disse ele. “Falamos bastante, mas não conversamos; nada foi discutido.”

O amigo de Johnson exerceu um tipo de hospitalidade naquele jantar, mas deixou outro tipo de lado: a troca de ideias. Conversar, seja à distância ou pessoalmente, é um exercício de hospitalidade, ou seja, de acolhimento do outro. Quando conversamos com alguém, nós compartilhamos nossas ideias e o convidamos a participar do nosso pensamento.

Jesus deu exemplo disso, desde seus primeiros encontros com os discípulos até sua discussão teológica com a mulher samaritana e seus muitos confrontos com os líderes religiosos que se opunham a ele. O diálogo foi uma ferramenta fundamental nos ministérios de Jesus e dos apóstolos.

Hoje, vivemos em um mundo saturado de palavras, mas onde a conversa é escassa. E é difícil pensar em um espaço em que a proporção de palavras usadas em relação ao verdadeiro diálogo pareça pior do que nas redes sociais.

Fico imaginando o que Johnson teria a dizer sobre a cultura do diálogo nos dias de hoje, especialmente no âmbito das mídias sociais.

Mais importante do que o que Samuel Johnson diria, porém, é o que a Bíblia diz. Ao observarmos a abordagem que Jesus e os apóstolos usavam para o evangelismo e o discipulado, que era baseada no diálogo, não é surpreendente que Paulo tenha reiteradamente alertado os cristãos a demonstrarem sua fé não apenas através de uma vida fiel, mas também por meio de boas conversas (Colossenses 4.6; 1Timóteo 4.12).

Paulo não apenas envolveu pessoas diretamente em discussões sobre Cristo, mas também escreveu extensamente sobre a fé.

Foi por meio dos seus escritos — que apresentam algumas semelhanças surpreendentes com o contexto atual das mídias sociais — que Paulo discipulou gerações da igreja. Observe, por exemplo, esta semelhança: as cartas de Paulo são interações remotas entre pessoas específicas que o resto de nós só conhece de ouvir falar. Esses escritos também tratam de dar notícias, destacar certas ênfases e lidar com problemas específicos de cada comunidade (embora tragam também bastante perspectiva sobre relacionamentos, sejam eles reais ou esperados). Os destinatários de Paulo também tinham que lidar com haters e com trolls, que faziam de tudo para contradizer, desinformar, minar e desencorajar Paulo e outros cristãos.

A forma como Paulo lidava com a comunicação remota e semipública deve orientar nossa abordagem e nosso comportamento nas redes sociais hoje. Como Paulo conversava nessas circunstâncias? O método do apóstolo pode ser resumido em três regras simples, as quais ele descreve em 1Tessalonicenses 5.21-22: ponham à prova todas as coisas. Retenham o que é bom. Afastem-se de todo tipo de mal.

Muitas vezes, nossas interações nas redes sociais são mais baseadas em nossas reações impulsivas e imediatas do que em uma reflexão cuidadosa. Nossas colocações não promovem uma consideração ou uma deliberação mais ponderada. As mídias sociais são um ambiente mais propício a explosões e a frases de efeito do que a discussões profundas. Elas são um meio projetado para provocar seus usuários a ficar navegando indefinidamente e clicando em tudo.

Mas Paulo nos apresenta o diálogo como um campo de provas onde as ideias devem ser testadas. Por meio da troca de ideias e do debate, ele provava a verdade do evangelho e expunha as falácias daqueles que se opunham a ele.

Seu conselho sugere que colocar algo à prova e discordar às vezes são coisas que andam de mãos dadas. A discordância e a deliberação têm sido características importantes da vida dialogal da igreja, desde o seu início (Lucas 22.24; Atos 15.2; 1Coríntios 6.1-2). A primeira crise interna da igreja foi desencadeada quando o grupo majoritário da comunidade, composto por crentes de origem judaica, negligenciou as viúvas helenistas na distribuição diária de alimentos (Atos 6.1-7).

A solução veio, em parte, por meio da deliberação, mas não sem uma pitada de drama. O problema surgiu como uma reclamação, e aqueles que se sentiam ofendidos exigiam que os apóstolos fizessem algo a respeito do assunto.

Da mesma forma, a primeira grande crise teológica da igreja, que também surgiu de um conflito étnico, foi resolvida depois de “muita discussão” (Atos 15.7). Uma característica marcante da expressão grega correspondente (polys zētēsis), neste versículo, é a variedade de tons [de conversa] que ela pode significar. Pode indicar debate, disputa, discussão ou desentendimento. Em outras palavras, esse desacordo decisivo provavelmente só foi resolvido após uma longa e calorosa conversa, onde diferenças de opinião foram expressas.

Esses foram debates sérios em que relacionamentos foram postos à prova; algumas pessoas (como Pedro, em Gálatas 2.11-14) foram repreendidas; e outras (como Paulo e Barnabé, em Atos 15) se separaram magoadas.

Medidas assim tão drásticas raramente se justificam. Em vez de banalizar as discussões públicas, deveríamos fazer um esforço genuíno para nos entender e preservar nossos relacionamentos.

Fica claro, pelas interações nas redes sociais, que não perdemos a habilidade de discordar. Desentendimentos nem sempre são destrutivos. Eles podem agir como um catalisador para mudanças positivas, e até mesmo para a resolução de conflitos.

Infelizmente, debates também podem ter o efeito oposto. Em vez de nos aproximar em Cristo, eles podem nos afastar ainda mais — ou nos desviar do caminho de Cristo.

Acredito que perdemos a resiliência para o tipo de debate ou de discordância que pode preservar e até fortalecer nossa comunhão, o tipo que nos ajuda a reconsiderar e a melhorar nossas próprias ideias e o rumo que seguimos. Hoje em dia, postamos memes. Gritamos uns com os outros. Resmungamos. Acusamos. Fazemos discursos. Fala-se muito, mas não há diálogo. Não sabemos mais como discutir uns com os outros para colocar ideias à prova, mas manter nossa amizade.

Se não há uma forma eficaz de testarmos ou de colocarmos à prova a verdade do que alguém afirma, podemos acabar piores do que quando começamos. No artigo em que exploram se a discussão traz melhores resultados, Cass Sunstein e Reid Hastie escrevem: “A concordância dos outros tende a aumentar a confiança e, por essa razão, pessoas com ideias semelhantes, tendo deliberado umas com as outras, tornam-se mais seguras de que estão certas e, portanto, mais extremistas”. Essa “amplificação ideológica” também é um perigo para os cristãos.

Em seu livro Think Again [Pense novamente], Adam Grant observa que as pessoas tendem a adotar um destes três papéis, quando se relacionam com aqueles de quem discordam: o papel de pregador, o de acusador ou o de político.

“O risco”, escreve ele, “é nos tornarmos tão dedicados a pregar que estamos certos, a acusar os que estão errados e a fazer política em causa própria, em troca de apoio, que não nos preocupamos mais em repensar nossas opiniões”.

E podemos nos enredar tanto nas respostas dos outros usuários, quando discordamos nas redes sociais, que nossa capacidade de raciocinar se degenera ainda mais rápido.

Aqui, Grant descreve o que ele chama de “conflito construtivo”, que é aquele que nos leva à melhor maneira de realizar uma tarefa (ao contrário do conflito relacional, que tenta mudar a personalidade e as preferências de outra pessoa). O conflito “pode ser construtivo quando traz diversidade de pensamento, evitando que fiquemos presos em ciclos marcados por excesso de confiança”, explica Grant.

Para que uma conversa floresça, é preciso haver disposição para tolerar que os outros expressem ideias das quais você discorda veementemente. Esse tipo de comunicação requer muitos fatores, entre eles a disciplina da paciência e um espírito de boa vontade mútua.

Stephen Miller observa em seu livro Conversation: A History of a Declining Art [Conversa: A história de uma arte em declínio] que inteligência e paciência são ingredientes essenciais para uma conversa bem-sucedida. “Não se pode ser bom na arte da conversa se não tiver senso de humor”, explica ele. “Também é importante ser um bom ouvinte.”

Nem todos os debates são saudáveis. Alguns são prejudiciais não apenas por causa do assunto, mas também por causa daquilo que os motiva. Paulo alertou Timóteo para que não se envolvesse em “controvérsias tolas e insolentes, pois você sabe que acabam em brigas.” (2Timóteo 2.23).

Muitos dos nossos debates online são tolos e insolentes. Neles, o objetivo final não é persuadir nem facilitar o entendimento, mas sim provocar — desgastar um relacionamento ou magoar o outro. Quando a postagem de alguém começa com “Não sei bem quem precisa ouvir isso…”, “Desculpe, mas…” ou “Não sei os detalhes, mas…”, pode ter certeza de que as próximas palavras não valem a pena, nem valem o seu tempo.

Grant diz que, quando brigamos por causa da personalidade de alguém ou da maneira como essa pessoa faz as coisas (conflito relacional), isso limita nossa habilidade de discernir e mudar de posição. “Quando um conflito se torna pessoal e emocional, nós nos tornamos pregadores hipócritas de nossas próprias opiniões, acusadores rancorosos de quem está do outro lado ou políticos teimosos e inflexíveis que rejeitam opiniões discordantes.”

Paulo sugere que precisamos tomar cuidado com o tom que usamos. Certamente, há espaço para paixão e até mesmo para ira. Mas a maneira como falamos a verdade é importante. “Ao servo do Senhor não convém brigar, mas sim ser amável para com todos, apto para ensinar, tolerante”, diz Paulo em 2Timóteo 2.24.

Em seu livro Numb [Entorpecido], Charles Chaffin descreve as mídias sociais como “uma máquina de indignação de alta voltagem”. A indignação moral tem seu lugar. Paulo expressou indignação, e algumas vezes até usando uma linguagem que poderia parecer pouco comedida (Atos 23.3; Gálatas 1.6; 5.12).

Jesus demonstrou sua indignação diante da dureza de coração dos líderes religiosos na sinagoga, quando curou um homem que tinha uma mão atrofiada (Marcos 3.5). O teólogo B. B. Warfield explica, em The Emotional Life of Our Lord [A vida emocional de Nosso Senhor]: “O que é precisamente atribuído a Jesus, portanto, nesta passagem, é aquela indignação com o mal, percebido como tal, que deseja e pretende punir o transgressor, o que forma o cerne do que chamamos de justiça vindicatória.”

Isso levanta uma questão importante, especialmente para o diálogo cristão: Até que ponto devemos dedicar atenção a ideias que consideramos falsas ou ofensivas? É sequer possível ter uma conversa honesta com alguém, quando você sabe de antemão que nunca será capaz de aceitar as ideias dessa pessoa?

A indignação não se justifica simplesmente porque a sentimos.

Assim como há limites para o grau de hospitalidade que estou disposto a oferecer aos outros, também há limites para a minha capacidade de dedicar atenção a algumas ideias. O fato de eu convidar alguém para minha casa não significa que eu queira que essa pessoa more lá. O respeito que concedo a outra pessoa em uma conversa não significa que considero as suas afirmações críveis.

Somos advertidos contra auxiliar e encorajar aqueles cujos ensinamentos neguem verdades fundamentais da fé cristã (2João 1.10-11). Pode haver ocasiões em que seja do meu interesse — e do interesse dos demais — não dar ouvidos a tais ideias, de forma alguma (Romanos 16.17; 2Timóteo 3.5). As Escrituras alertam os crentes a evitarem conversas ímpias, controvérsias tolas e falsos mestres (2Timóteo 2.16; Tito 3.9).

O contexto em que uma conversa ocorre faz toda diferença. Na igreja, devemos estabelecer limites para não contradizer as verdades essenciais da fé cristã em conversas.

Uma implicação para as mídias sociais é que devemos ser mais cautelosos quanto a que e a quem damos atenção. Não podemos, e provavelmente nem deveríamos, controlar quais vozes podem ser ouvidas nas mídias sociais. Fora da igreja, elas são bem-vindas a expor seus argumentos no âmbito do discurso público.

Essa liberdade é essencial para a paz de uma sociedade onde coexistem visões de mundo diversas e mutuamente excludentes. Mas isso não significa que precisamos conceder a elas um fórum para que divulguem suas opiniões dentro da igreja. Exercemos controle sobre as palavras às quais daremos atenção e sobre quanta atenção lhes daremos.

Independentemente disso, porém, qualquer indignação que sintamos deve ser temperada com discernimento, graça e amor, ou nos transformaremos em trolls.

A indignação não se justifica simplesmente porque a sentimos. Nem sempre temos todos os fatos. Nossa percepção pode estar distorcida ou até mesmo incorreta. Às vezes, o que percebemos como justiça vindicatória é apenas uma falsificação sentimental da justiça — é a fúria daqueles que se dão ao luxo de se irar à distância.

Com humildade piedosa, poderíamos tratar as discordâncias como oportunidades de negociação, partindo do princípio de que ambas as partes compartilham algo de valor. Também poderíamos vê-las como algo que nos educa, como uma chance de aprender e compreender o outro.

E mesmo quando sabemos que estamos do lado certo em uma discordância, e acreditamos que a questão é importante, não há lugar para agressividade.

Paulo aponta, em 2Timóteo 2.25-26, que ele “Deve corrigir com mansidão os que se opõem a ele, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento, levando-os ao conhecimento da verdade, para que, assim, voltem à sobriedade e escapem da cilada do Diabo, que os aprisionou para fazerem a vontade dele”. É na esperança de que as pessoas recuperem o juízo que as corrigimos com mansidão, em vez de atacá-las. A mansidão deve ser o nosso tom padrão.

Nossa predileção pela indignação ignora evidências combinadas da ciência e da experiência pessoal, que mostram que um desentendimento bem-sucedido se baseia em um histórico de interações positivas. No caso do cristão, ele se baseia no amor.

Pesquisas de John Gottman e Robert Levenson, que estudam as diferenças que existem entre casais felizes e infelizes na forma de lidar com conflitos, mostram que existe uma “proporção mágica”. Aqueles que discordam em amor têm cinco interações positivas para cada interação negativa, mesmo enquanto discutem.

Exortar e corrigir envolve mais do que apenas mostrar às pessoas que estão erradas. Paulo aconselhou aqueles que queriam ajudar outro crente pego em pecado que aplicassem a correção com mansidão e humildade (Gálatas 6.1). Embora ele tenha confrontado Pedro publicamente, nos bastidores, aparentemente, eles conseguiram manter um relacionamento cordial o suficiente para que Pedro pudesse se referir a Paulo como “nosso amado irmão” (2Pedro 3.15).

As cartas de Paulo — que eram a sua forma de comunicação remota e semipública — revelam uma capacidade de integrar verdade e amor. Melhor dizendo, elas demonstram sua habilidade de infundir a verdade com amor (Efésios 4.15).

Isso é mais do que mera questão de tom. A marca do amor não é o discurso justo nem mesmo as boas maneiras, mas sim a preocupação genuína com o outro e o tempo que passamos juntos em alegre companheirismo. E, mais uma vez, estou pensando em hospitalidade. A hospitalidade reconhece a vulnerabilidade e as necessidades do convidado.

A maioria das culturas reconhece que o fardo da hospitalidade impõe certas obrigações a quem a oferece. O que devemos aos nossos hóspedes? Por um lado, devemos tratá-los com gentileza e civilidade, levando em conta as suas necessidades.

No âmbito do diálogo, a hospitalidade não significa necessariamente que devemos concordar [com o outro]. Mas temos que tratar o outro com respeito, reconhecendo que as ideias que ele expressa são valorizadas por aqueles que delas compartilham. Se rejeitarmos suas afirmações, devemos fazê-lo de forma precisa, educada e justa.

Um dos pontos fracos das interações online é sua natureza despersonalizada. Comentamos as coisas à distância, sem realmente ver como nossos comentários afetam os outros. Frequentemente, falamos em espaços nos quais a maioria dos que leem nossos comentários são ilustres desconhecidos.

Esse anonimato nos fornece um escudo, que nos permite ser mais severos do que seríamos se conhecêssemos quem está do outro lado. E nos dá a ilusão de que a pessoa que é o alvo dos nossos comentários não é vulnerável. Quando somos hospitaleiros em uma conversa, mesmo que seja em uma conversa online, assumimos a responsabilidade pela segurança e pelo bem-estar do “hóspede” ou convidado; quando não pudermos vê-lo, devemos imaginar que ele é um ser humano com respostas e reações humanas.

Quando a verdade não é infundida com amor, ela pode ser tão prejudicial quanto um falso ensinamento. Em A Little Exercise for Young Theologians [publicado no Brasil sob o título Recomendações aos jovens teólogos e pastores ], Helmut Thielicke conta a história de um estudante que discutiu sobre doutrina com o proprietário do imóvel onde morava. O objetivo do estudante não era informar nem mesmo corrigir o outro. Seu objetivo era apenas vencer. Em vez de lançar uma luz, ele empunhava a Bíblia como uma arma, com a intenção de “esmagar o homem com a impressão de uma erudição avassaladora, algo que o outro jamais poderia alcançar, e assim reduzi-lo a um sentimento de desamparo”.

Thielicke escreveu essas palavras muito antes da era da internet. No entanto, o padrão que ele descreve é bastante familiar: “Aqui, a verdade é empregada como um meio para o triunfo pessoal e, ao mesmo tempo, como um meio para aniquilar [o outro], o que contrasta fortemente com o amor.”

Temos muitos exemplos disso online. E podemos ser tentados a achar que este é um papel sagrado que temos a desempenhar. Mas lançar nossos argumentos digitais uns contra os outros, a partir da segurança de nossos redutos ideológicos, não é a maneira como os cristãos devem tratar as discordâncias. Devemos ter conversas reais. O apóstolo Paulo nos mostra o caminho: Falem a verdade em amor. Ponham à prova todas as coisas. Retenham o que é bom. Afastem-se de todo tipo de mal.

John Koessler é escritor, podcaster e autor de 15 livros. Seu livro mais recente, When God Is Silent [Quando Deus se cala], foi lançado pela Kirkdale Press, em agosto de 2023.

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Autor

  • Cativo à Palavra

    Projeto Missionário Teológico e Pastoral. Para um coração cativo e dedicado ao Senhor.

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