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Amigos dão trabalho, mas valem a pena

Imagino que sejam poucas as pessoas que tenham a sorte de não conhecer as aflições de sua própria cultura. Sabemos tudo o que há de errado conosco, não é mesmo? Vemos nas manchetes dos jornais. Compreendemos nossas falhas terríveis. Somos viciados, e estamos sempre rolando a tela do celular e trilhando a nossa própria ruína. Somos incapazes de manter uma vida social rica ou mesmo uma ética de trabalho sólida, e em geral somos incapazes de contribuir para o “mundo real” de maneiras que sejam de fato significativas.

A taxa de casamentos caiu. A taxa de divórcios aumentou. Nós não lemos mais. Não conseguimos ir a lugar nenhum sem os aplicativos de GPS. Estamos obcecados em apresentar uma persona para o mundo, e, ao mesmo tempo, somos totalmente incapazes de cultivar uma vida interior convincente. E estamos ansiosos, deprimidos, esgotados e fartos de ouvir sobre isso.

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Acima de tudo, estamos solitários, um mal que, de certa forma, é tanto a fonte quanto o sintoma de toda essa inquietação. Em sua obra U.S. Surgeon General’s Advisory on the Healing Effects of Social Connection and Community [Recomendação do Cirurgião-Geral dos EUA sobre os Efeitos Curativos da Conexão Social e da Comunidade], lançada em maio de 2023, Vivek Murthy chamou o isolamento de epidemia. Em sua carta de abertura, ele faz referência a uma pesquisa que afirma que “nos últimos anos, cerca de um em cada dois adultos nos Estados Unidos relatou sentir solidão” e que essa solidão “prejudica a saúde individual e social”. Murthy vê os relacionamentos como “um recurso inexplorado — uma fonte de cura ignorada, mas ao alcance de todos” que “pode ​​nos ajudar a viver vidas mais saudáveis, produtivas e plenas”.

Desde que ele publicou o relatório há dois anos, essa conversa sobre solidão continua a todo vapor. Embora muitas vozes tenham proposto abordagens diferentes para a nossa alienação, todas frequentemente giram em torno da mesma solução: conexões humanas mais reais, offline, seja por meio de festas, encontros para café da manhã, visitas recorrentes a espaços públicos, eventos e encontros com vizinhos e amigos.

Por um lado, fazer amigos geralmente é apenas uma questão de se disponibilizar, de se expor e colher os frutos dessa iniciativa. Como alguém que, no último ano, formou-se na faculdade, mudou-se para uma nova cidade e começou a frequentar uma nova igreja, tenho reaprendido como fazer amigos. Tentei dar os primeiros passos cumprimentando a pessoa que está sentada ao meu lado na igreja e convidando-a para um café. Recentemente, fiquei doente e os amigos com quem moro estavam viajando. Vários dos meus novos amigos da igreja se ofereceram para me ajudar com o que fosse preciso. A amizade pode ser realmente algo simples assim.

Por outro lado, a amizade pode, ao mesmo tempo, ser uma das coisas mais difíceis. É fácil vendê-la como a solução rápida para os nossos vários problemas sociais. Mas isso é idealismo. A amizade, como qualquer pessoa que tem amigos sabe, também traz sofrimento e pecado. Às vezes — na verdade, muitas vezes — seria mais fácil ficar em casa sozinho. Quando incentivamos a amizade devemos ser sinceros a respeito desse aspecto.

Em outras palavras, o desejo de pertencer é concreto, indiscutível. Mas pertencer dá trabalho. A confiança precisa ser conquistada. Às vezes, as pessoas têm uma sinergia natural; às vezes, não. Às vezes, um amigo está passando por um momento difícil. Esse momento pode chegar a durar anos, e esse amigo vai precisar de apoio significativo. Compartilhar a vida com outras pessoas significa não apenas companhia fácil, risos e piadas internas, mas também conviver com as dificuldades, os traumas e as peculiaridades da personalidade da outra pessoa. Um amigo pode lhe pedir ajuda com sua mudança; outro precisa de ajuda para lidar com o término de um relacionamento. Os amigos vêm até nós necessitados de graça sobre graça. Eles vêm, como nós mesmos, doentes e precisando de hidratação para sua alma ressequida.

Sempre que estou enfrentando tensões em algum relacionamento ou sentindo dificuldade para amar alguém, costumo recorrer ao poema de Seamus Heaney, The Skylight, em busca de encorajamento espiritual.

Neste poema, o narrador descreve um conflito entre ele e uma segunda pessoa que o ouve, presumivelmente sua esposa. Ela acha que seria uma boa ideia abrir uma claraboia no telhado de casa. Ele gosta da casa como está; não quer mudanças. Apesar de sua lista de razões pelas quais a casa já é perfeitamente aconchegante, e não precisa de mudanças, ele confia na esposa. Eles conseguem superar as diferenças.

O resultado da mudança é maravilhoso: “Quando parte do telhado foi removido, um céu extravagante entrou casa adentro e escancarou um mundo de surpresas.” A casa se abriu para os céus. O narrador faz referência à conhecida passagem de Marcos 2, na qual os amigos de um homem paralítico o baixam pelo telhado de uma casa onde Jesus está ensinando. Jesus cura o corpo daquele homem e o perdoa.

Curiosamente, o narrador não se identifica com o paralítico nem com os amigos do paralítico. Em vez disso, ele se vê como um “morador daquela casa” onde o milagre ocorreu. Alguém que não é o personagem principal, mas que se maravilha com o que viu e é transformado por isso, como costumamos ver em grande parte do Novo Testamento.

Por que recorro a este poema em busca de encorajamento espiritual, quando tenho alguma dificuldade com minhas amizades? As palavras de Heaney me lembram que eu também sou uma criatura de hábitos; gosto do que gosto e me apego aos meus costumes. Às vezes, preciso permitir que haja espaço para que meus amigos tenham opiniões diferentes das minhas; esse tipo de hospitalidade perspectivista é uma disciplina espiritual. Criar espaço para as pessoas, a fim de que elas sejam quem Deus as criou para ser, é uma maneira de amá-las. Assim como Heaney, eu também descobri que as dores para chegar a um entendimento muitas vezes dão lugar a grandes surpresas. Os relacionamentos criam oportunidades para que Deus me surpreenda de maneiras que jamais imaginei serem possíveis.

Todas as vozes que ouço, que clamam para que façamos amigos, como solução para a epidemia de solidão que vivemos, estão entrando em águas muito mais profundas do que imaginam. Elas estão apenas arranhando a superfície de uma verdade que é bem mais profunda. A amizade é algo tão fácil quanto dar o primeiro passo e dizer olá para alguém, e tão difícil quanto perdoar uma pessoa que te magoou. É algo tão simples quanto chamar alguém para um café, e tão desafiador quanto abrir o coração e convidar alguém para entrar na confusão da nossa vida. Embora o trabalho, o risco e o sacrifício que a amizade exige possam causar dor (e inevitavelmente causarão), tudo isso é superado, em muito, pela alegria do amor genuíno.

Kathryn Ryken trabalha para o Conselho de Faculdades e Universidades Cristãs, situado em Washington, D.C. Ela se formou recentemente no Wheaton College.

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Autor

  • Cativo à Palavra

    Projeto Missionário Teológico e Pastoral. Para um coração cativo e dedicado ao Senhor.

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