Como quase tudo hoje em dia nos Estados Unidos, ter filhos agora é aparentemente uma decisão partidária, rotulada como algo de direita. Conselheiros responsáveis pela admissão em faculdades observam o iminente “abismo demográfico” com entusiasmo. Todos nós deveríamos estar preocupados com o fato de que a taxa de natalidade está em queda em muitos países. Enquanto algumas mulheres — e alguns homens também — mostram-se mais propensos a abrir mão da ideia de ter filhos, para outras, a maternidade, especialmente na era digital, assumiu um viés consumista.
A visão da vida em si como algo bom e digno deixou de ser fundamental para o modo de pensar da nossa cultura. Em vez disso, ter filhos é um indicador da visão política das pessoas ou algo que é usado literalmente como sinal de um estilo de vida. Em The Influencer Industry [A Indústria dos Influencers], Emily Hund explora o crescimento da indústria dos influenciadores (cuja cifra Goldman Sachs estima que crescerá de seu valor atual de US$ 250 bilhões para US$ 500 bilhões, até 2027), particularmente em relação a uma autenticidade que é fruto de cuidadosa curadoria. Quer os influenciadores vendam produtos por meio de marketing de afiliados, façam parcerias com marcas ou simplesmente monetizem seus feeds com publicidade, absolutamente tudo está à venda.
Embora as sociedades tradicionais possam ter redes de proteção regionais e multigeracionais, grande parte do mundo ocidental recorreu à internet nas últimas décadas em busca de apoio. Em 2002, quando a internet parecia um espaço de livre troca de ideias e histórias de vida, as “mães blogueiras” nasceram como fruto de um desejo por mais comunidade e troca de experiências na criação de filhos. Ao longo dos anos, o que essas mulheres buscavam no mundo online mudou. Como disse uma mãe que costumava fazer parte deste movimento, “os textos pessoais corajosos e espirituosos que escrevíamos se transformaram em conteúdo encenado e aspiracional”.
Hoje, as mães blogueiras estão sendo substituídas pelas #Tradwives [esposas tradicionais] do TikTok, que enfatizam uma estética estilizada de volta às raízes, mas cuidadosamente omitem as fraldas sujas ou os ataques de fúria das crianças. A maternidade se tornou performática e isso está prejudicando mães, crianças e famílias de carne e osso. Essas esposas tradicionais nos vendem o fascínio dessa volta às origens e de lindas crianças desfilando diante de nossos olhos como patinhos — mas não revelam o custo de tudo isso. Elas compram, vendem, curtem e compartilham coisas que só podem ser construídas com virtude, e ao longo do tempo. A maternidade se tornou uma indústria.
“Quando monetizar a vida cotidiana se torna uma indústria em crescimento”, pergunta Emily Hund, “até onde isso chegará?”. É aí que reside o problema. Com celulares nas mãos, rolando vídeos orquestrados por algoritmos que cada vez mais nos mostram mais do mesmo, podemos facilmente mergulhar na vida de outra pessoa (ou, pelo menos, naquilo que elas escolhem revelar de sua vida). Como nossa atenção equivale a ganho monetário para alguém ou para alguma plataforma, devemos nos perguntar: Quanto vale a nossa atenção? E quando nossa atenção se fixa em espaços idealizados de uma domesticidade performática, quem realmente lucra com isso?
Afinal, a autenticidade é o que torna um influenciador mais “valioso” do que outro. Há pouco mais de uma década, um estudo da Nielsen descobriu que mais de 90% dos consumidores eram propensos a confiar em recomendações de produtos quando feitas por alguém que conheciam (em vez de confiar em uma marca sem rosto). À medida que a indústria dos influenciadores cresceu, autenticidade e personalidade deixaram de ser uma questão de conexão, e passaram a se concentrar cada vez mais em métricas. “Somente quando a influência pôde ser mensurada, ela pôde ser moldada em algo bom e receber um valor monetário — e a monetização era o objetivo”, escreve Hund. Mas o que acontece quando nos transformamos em marcas? Ou pior ainda, quando transformamos nossos filhos em marcas? O que acontece quando monetizamos a maternidade?
Apesar desse cenário, porém, muitos influenciadores estão removendo fotos de seus filhos das redes sociais, para restaurar a privacidade, e o efeito da monetização da criação de filhos está diminuindo. Embora não fale de forma específica sobre influência, a escritora Anne Lamott observa muito sabiamente que, quando criamos filhos “como se fossem algo acessório, adicional, como cômodos acrescentados em uma reforma”, as conquistas dos nossos filhos se tornam a “glória refletida” dos pais, necessária para a autoestima desses pais e, às vezes, para a sobrevivência da família.”
Quando monetizamos nossos filhos ou buscamos suas conquistas para dar sentido à nossa própria vida, afastamos nossos filhos e nós mesmos do evangelho. Se esse modelo atual dos influenciadores — que faz com que enxerguemos nós mesmos e nossos filhos como máquinas de fazer dinheiro ou pessoas de influência — nos diz que somos tão valiosos quanto o número de curtidas, de seguidores, de comentários ou de inscritos que temos em nossas páginas, qual é a contranarrativa para aqueles que desejam seguir uma cosmovisão cristã?
As Escrituras nos lembram repetidamente que Deus se aproxima dos fracassados, dos assassinos, dos adúlteros e dos desfavorecidos do ponto de vista econômico, como as viúvas, as mulheres estéreis e os estrangeiros. Isso não quer dizer que a riqueza seja algo ruim: Davi e Salomão possuíam grande riqueza e poder; havia um círculo de mulheres mais abastadas que apoiavam o ministério de Jesus (Lucas 8.1-3); e a própria Febe apoiou a obra do apóstolo Paulo (Romanos 16.1-2). O ponto-chave é que, independentemente da quantia, todos esses recursos — fossem eles capital monetário ou capital social — foram doados para servir a Deus e ao seu reino.
Embora poucos de nós sejamos influenciadores, todos somos culpados por ver aquilo que fazemos com o nosso corpo — seja em termos da nossa fertilidade ou dos nossos hábitos nas redes sociais — como se o nosso corpo e a nossa vida nos pertencessem. Mas não pertencemos a nós mesmos; fomos comprados por um preço (1Coríntios 6.20). Se somos pais, provavelmente somos culpados de nos apegarmos tanto aos sucessos e fracassos dos nossos filhos que esquecemos que eles não são equações matemáticas em que um aporte específico nos dará um resultado específico.
Crianças são pessoas que precisam de Jesus. Crianças de todas as idades precisam ver o evangelho pregado e vivido por seus pais (e por suas comunidades de fé), não por meio de exemplos de perfeição, mas por meio de exemplos de obediência, fracasso, arrependimento e graça.
Criar filhos é algo que, por sua própria natureza, não pode ser mensurado por métricas algorítmicas ou por sucesso financeiro, coisas que são inerentes à economia dos influenciadores. Agir assim seria dizer que o objetivo final da criação de filhos depende da nossa própria ação humana para influenciar ou manipular algoritmos e hábitos de consumo.
Mas esta é a boa notícia de Jesus para mães e pais que estão cansados de tentar ser pais perfeitos: criar filhos não tem a ver com você. Embora suas ações e os frutos da sua vida impactem seus filhos, não é possível saber o que nossos filhos se tornarão, como será o seu futuro. Para os cristãos, criar filhos consiste em apontar continuamente para Jesus como o autor e consumador da nossa fé, apegando-nos à lembrança de que aquele que começou a boa obra em nós e em nossos filhos vai completá-la.
Uma das minhas passagens favoritas das Escrituras, que mostra a vida emocional de Cristo, fala sobre como ele ansiava por consolar e acolher, proteger Jerusalém. Como mãe de quatro filhos, conheço bem essa necessidade de abrigar e de proteger, ao mesmo tempo em que preciso aprender a me desapegar. Perto do final do livro de Lucas, quando já caminha para a morte, Jesus se compara a uma galinha: “Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos como a galinha reúne os pintinhos debaixo das asas.” (Lucas 13.34). No entanto, Jerusalém se rebelou. Pilatos e os líderes religiosos conspiram para matar Jesus. E conseguiram.
Mas a boa notícia do evangelho é que este não é o fim da história. Poucos versículos antes dessa resposta de Jesus, alguns fariseus dizem a ele para se salvar: “Saia e vá embora daqui, pois Herodes quer matar você” (v. 31). Em vez de se proteger ou de recorrer a métricas mundanas que o protegeriam do sofrimento, Jesus lhes dá uma resposta que reconhece a verdade da rebeldia de Jerusalém (v. 34) e que reitera que a sua resposta a essa rebeldia é reunir seu povo sob suas asas e protegê-lo.
Quando usa a linguagem da maternidade, Jesus não está vendo as pessoas como algo descartável, que se baseia naquilo que elas podem fazer por ele. Jesus também não está aceitando a rebeldia delas contra o que ele diz ser bom, verdadeiro e belo. A resposta de Jesus não é uma resposta de autoproteção, de fuga, de condescendência ou de distanciamento. Em vez disso, diante do fracasso de Jerusalém e também do nosso, Jesus sempre se aproxima de nós com verdade e graça. E essa certamente é uma boa notícia para todos os pais e mães.
Ashley Hales é diretora editorial da revista impressa da Christianity Today.
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