Cinco meses antes do lançamento do ChatGPT, em novembro de 2022, o pesquisador de IA e vice-presidente do Google, Blaise Agüera y Arcas, descreveu em sua entrevista ao The Economist sua conversa com o LaMDA (Modelo de Linguagem para Aplicativos de Diálogo) do Google, um precursor dos modelos Gemini posteriores. Ele disse: “Senti o chão se mover sob meus pés. Cada vez mais eu tinha a sensação de que estivesse falando com algo inteligente”. Cerca de uma semana depois, Blake Lemoine, engenheiro do Google, alegou publicamente que o LaMDA havia se tornado uma inteligência senciente, isto é, uma inteligência capaz de ter sensações e experiências conscientes.
Quando interagimos com um modelo de IA, pode ser fácil atribuir sutilmente alguma dose de inteligência natural ao sistema, ainda que essa inteligência não esteja presente. À medida que esses modelos continuam a ser integrados em nossas tecnologias e dispositivos, como devemos encarar os sistemas de inteligência artificial, especialmente em face do contexto de nossa própria inteligência natural?
A inteligência natural é um dom dado por Deus para compreendermos e raciocinarmos acerca da realidade, das pessoas que nos cercam e de nós mesmos. Em contraste, a inteligência artificial é a subdisciplina da ciência da computação que se ocupa da construção de modelos para a execução de tarefas frequentemente associadas à inteligência natural, como resolver um quebra-cabeça ou resumir um texto. A distância existente entre a inteligência natural e a artificial é, por vezes, retratada como algo pequeno, mas a verdade é que há um abismo enorme entre as duas.
Embora algumas técnicas de IA sejam inspiradas em conceitos da neurociência e da psicologia comportamental, a maioria dos modelos apresenta pouca semelhança com sistemas biológicos. Outros métodos de IA são extraídos de disciplinas como processamento de sinais, biologia evolutiva e mecânica newtoniana. Por exemplo, algoritmos genéticos são uma classe de técnicas de otimização inspiradas em princípios evolutivos de seleção natural, mutação e especiação. Pesquisadores de IA observaram que “a plausibilidade biológica é um guia, não um requisito estrito” para o desenvolvimento de modelos de IA. Embora uma tarefa possa parecer exigir o maquinário biológico da inteligência natural, para ser bem-sucedido um modelo de IA não precisa emular esse maquinário.
A inteligência natural e a inteligência artificial não são efetivamente intercambiáveis. Acreditar que ambas sejam equivalentes é uma afronta para aqueles que possuem inteligência natural e é um desserviço para aqueles que desenvolvem inteligência artificial.
Medir a inteligência natural é algo diferente de quantificar o desempenho de um modelo de IA. Os psicólogos sabem há muito tempo que a inteligência natural não pode ser condensada em uma única pontuação, como o QI, por exemplo. Muitas teorias formuladas para quantificar a inteligência natural têm raízes problemáticas em ideias pseudocientíficas como a eugenia, a frenologia e o darwinismo social. E muitas formas de pontuar a inteligência foram elaboradas para privilegiar certos indivíduos em detrimento de outros.
Ainda assim, é desafiador mensurar a inteligência natural, especialmente quando se incluem inteligências não humanas. Avaliar o desempenho de um modelo de IA em uma tarefa específica é algo relativamente simples: investigamos um modelo usando um conjunto de entradas, e comparamos as saídas com as nossas expectativas. Um número crescente de parâmetros utilizados para avaliar modelos de linguagem de grande porte busca quantificar o desempenho em tarefas que vão desde a aprovação no exame da OAB até a tradução precisa de textos e a tomada de decisões morais.
À medida que os modelos de IA continuam a melhorar, de acordo com os parâmetros estabelecidos pela indústria, devemos aprender com os erros que cometemos ao quantificar a inteligência natural. Pontuar a inteligência dos participantes com um único número pode ser perigosamente reducionista, quer essa comparação seja feita entre duas pessoas ou entre dois modelos.
Nossa necessidade de mensurar a inteligência de nossos modelos e a nossa própria reflete o quão valiosa (dos pontos de vista social e financeiro) a inteligência é para nós. Tanto que uma carta aberta, escrita pelo Future of Life Institute [Instituto do Futuro da Vida] e assinada por muitos especialistas em IA continha a mesma ideia notável: “Tudo o que a civilização tem a oferecer é produto da inteligência humana”.
Priorizar a inteligência como única fonte de progresso é desconsiderar outras características que Deus nos deu, como a criatividade e a sabedoria. Quando idolatramos a inteligência descartamos atributos cristãos de longa data, como piedade, humildade e autossacrifício. Essa veneração pela inteligência dos poderosos modelos de IA, que nossa sociedade manifesta, tem levado muitos a temer sua própria desvalorização iminente. As histórias de ficção científica que contamos sobre uma hipotética inteligência artificial geral (IAG) — nas quais uma máquina superinteligente subjuga aqueles que considera intelectualmente inferiores — tendem a espelhar a nossa própria história. Nossos antecessores, os colonizadores, fizeram o mesmo no passado.
Os cristãos podem trilhar um caminho intermediário, que evita os extremos da idolatria e da rejeição da inteligência. Sabemos que somos chamados a praticar a justiça, amar a misericórdia e andar humildemente com Deus (Miqueias 6.8). A inteligência por si só é insuficiente para cumprir a vontade de Deus para a nossa vida. Somos chamados a não nos conformarmos com os padrões deste mundo, mas a sermos transformados pela renovação da nossa mente (Romanos 12.2). Portanto, submetamos voluntariamente nossa inteligência natural a Deus, para que ele a use e a molde.
Quanto à inteligência artificial, não devemos confundir as ferramentas que construímos com a mente que Deus nos deu. Em vez disso, devemos usar todas as ferramentas que nos foram dadas para promover o reino de Deus.
Marcus Schwarting é editor sênior da AI and Faith [IA e Fé]. Ele também é pesquisador e aplica inteligência artificial a problemas das áreas da química e da ciência dos materiais.
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