Este texto foi adaptado da Newsletter de Russell Moore. Inscreva-se aqui.
No começo de outubro, muitas pessoas fizeram comentários sobre um grupo de generais e almirantes americanos, por algo que eles não fizeram. Eles estavam reunidos em Quantico, na Virgínia, para ouvir os discursos televisionados ao vivo do presidente e do secretário de defesa. Os líderes militares não aplaudiram nem gritaram, como é costume se fazer em comícios políticos; também não vaiaram nem zombaram. Permaneceram sérios, em silêncio, e ouviram com disciplina e dignidade. Muitas pessoas que assistiram ao evento, independentemente de sua posição política, ficaram impressionadas com isso. E, no entanto, em nenhuma outra geração os americanos teriam considerado isso um feito notável. O espírito da época ganhou destaque, nesse caso, pela estranheza dessa exceção.
Entre esses generais e almirantes temos republicanos, democratas e independentes. O mais impressionante em seu comportamento é que a postura deles teria sido exatamente a mesma, em todas as circunstâncias possíveis e imagináveis. Se, em alguma realidade alternativa, por exemplo, o presidente Bernie Sanders tivesse se dirigido a eles, falando sobre como usaria as forças armadas para lidar com os bilionários, eles não teriam demonstrado nenhuma diferença em relação ao seu comportamento daquele dia, no começo de outubro.
O que esses líderes militares demonstraram é uma virtude que todos reconhecemos intuitivamente, mas que temos dificuldade em expressar em palavras. De fato, talvez encontremos a melhor descrição dessa característica em algumas das versões mais antigas da Bíblia, que a traduziram pela palavra “sério”. A razão pela qual raramente usamos essa palavra hoje em dia, provavelmente, é porque que ela nos parece significar “carrancudo” ou “severo”. A palavra, no entanto, está mais próxima do que queremos dizer quando afirmamos que alguém tem seriedade.
Essa característica é uma das que o apóstolo Paulo ordenou aos líderes da igreja: sejam “sóbrios” (1Timóteo 3.2, ESV) e “dignos” (v. 8). Reconhecer a necessidade que temos dessa virtude na liderança não é algo exclusivo do cristianismo. Quando alguém pensa, por exemplo, em George Washington, essa característica é uma das primeiras que vem à mente. Ele era um homem sério.
O que significa essa seriedade e por que precisamos dela?
Um dos aspectos que seu significado abrange é a clareza. Dizer que uma pessoa é “sóbria” transmite essa ideia. Significa que sua mente é lúcida. Para aprofundarmos um pouco mais essa metáfora, reflita sobre o que lhe vem à mente quando você pensa na palavra “bêbado”. Quando a pessoa está bêbada, suas inibições diminuem. Sua capacidade de julgamento fica comprometida. Se, enquanto estiver sentado em um avião prestes a decolar, você ouvir o piloto anunciar pelo intercomunicador, com voz abafada: “São cinco horas em algum lugar!”, provavelmente reagirá de forma diferente do que reagiria se ouvisse alguém, que está sentado na poltrona do outro lado do corredor, comentar casualmente a mesma coisa, da mesma maneira. Em um voo, você entende que a situação é séria. Por isso, você quer alguém cujo julgamento seja lúcido.
O oposto desse tipo de clareza não é a ignorância, na verdade, mas sim a tolice. Além de dizer a Timóteo para nomear apenas líderes “sóbrios”, de bom senso, Paulo o advertiu que evitasse aqueles que estão “querendo ser mestres da lei, quando não compreendem nem o que dizem nem as coisas acerca das quais fazem afirmações tão categóricas” (1.7); ele também aconselhou Timóteo a evitar “fábulas irreverentes e tolas” (4.7).
Seriedade ou sobriedade também significa maturidade. Essa característica é inseparável da clareza, pois ambas estão relacionadas à sabedoria. Às vezes, leitores da Bíblia ainda inexperientes se confundem com o que consideram uma contradição entre os reiterados imperativos para sermos como crianças e os imperativos para termos maturidade. Mas não há contradição alguma. Uma coisa pressupõe a outra. A sabedoria começa, dizem as Escrituras, com “o temor do Senhor” (Provérbios 1.7) — isto é, a verdadeira sabedoria começa com um senso de dependência, com o reconhecimento daquilo que não sabemos.
Salomão recebeu sabedoria porque primeiro confessou: “eu não passo de um jovem e não sei como desempenhar as minhas responsabilidades” (1Reis 3.7). As Escrituras dizem que a sabedoria inclui o discernimento para saber a diferença entre o bem e o mal (Hebreus 5.14). Contudo, quando Adão e Eva tentaram alcançar esse conhecimento por conta própria, sem depender como crianças de seu Pai, o resultado não foi sabedoria, mas insensatez.
O Novo Testamento apresenta duas afirmações sobre o jovem Jesus: Ele estava com seus pais e era submisso a eles (Lucas 2.51) e “crescia em sabedoria, estatura e graça diante de Deus e dos homens” (v. 52). Jesus encarnava tanto a inocência infantil quanto a maturidade. De fato, a Bíblia afirma que esse processo foi essencial para a nossa salvação: em sua natureza humana, Jesus “aprendeu a obediência por meio daquilo que sofreu” (Hebreus 5:8).
Um último aspecto dessa seriedade ou sobriedade é algo mais difícil de expressar. É o que poderíamos chamar de senso de responsabilidade. A pessoa leva a sério o que está em jogo. Essa faceta está intrinsecamente ligada às outras duas. A mentalidade do “tanto faz”, típica dos trolls — seja nas redes sociais, nos púlpitos ou em cargos públicos — diz respeito a muito mais do que apenas a pessoa que pratica tais atos. Imaturidade é egoísmo.
Salomão reconheceu a importância de sua tarefa e sabia que ela não girava em torno dele. Ele deveria liderar outras pessoas, e parte do que elas precisavam ia além daquilo que sua idade ou sua pouca experiência poderiam lhe proporcionar (1Reis 3.8-9). O autor de Hebreus criticou duramente a imaturidade de seus leitores, aqueles que deveriam ter amadurecido, passando do “leite” para o “alimento sólido”, porque viver apenas de leite coloca em risco a própria integridade deles (Hebreus 5.14), e também porque “a esta altura [eles] já devessem ser mestres” (v. 12).
Muitas vezes, nos últimos anos, ouvi pessoas — crentes e não crentes — se perguntarem quando “os adultos” aparecerão para nos salvar. Às vezes, esse “nos” a que essas pessoas se referem é o país; outras vezes, é a igreja. O problema com isso é parecido com algo que o falecido Willie Morris, meu conterrâneo do Mississippi, descrevia, quando falava da repreensão que recebeu de seu orientador, na Universidade de Oxford, ao defender sua tese de história. “Minha penúltima frase dizia: ‘O quão perto o povo da Inglaterra chegou da revolução, em 1832, é uma questão que deixaremos para os historiadores’”, escreveu ele. “Li isso para meu orientador, e ele, do seu ponto de vista privilegiado, sentado em uma poltrona a sessenta centímetros do chão, me interrompeu: ‘Mas Morris, somos nós os historiadores’”.
Nenhum adulto virá nos salvar. Somos nós os adultos. Quando nossos líderes — dentro e fora da igreja — são pessoas levianas, pessoas de quem sequer esperamos que exerçam o peso de uma autoridade de confiança, nós não estamos brincando. As pessoas contam conosco. Mesmos as muitas que ainda nem nasceram.
Todos nós estamos nos tornando insensíveis, nesta era leviana e trivializante. E muitos de nós nos divertimos e nos rendemos à palhaçada disso tudo [basta ver a proliferação de memes]. Mas pense nas pessoas que moldaram e mais transformaram a sua vida, quando você mais precisou. Será que elas simplesmente se mantiveram isentas e fingiram concordar com mentiras ou bravatas? Será que elas acreditaram ingenuamente em inverdades, que caíram como patinhos? Imagino que elas tinham uma clareza, uma maturidade e uma responsabilidade que lhes conferiam peso. Eram pessoas sérias. Eram sóbrias. Tinham dignidade. Estamos desafiando a gravidade da situação. Mas, às vezes, quando parece que estamos voando, podemos estar apenas caindo, exceto por aquela paradinha brusca, no final [quando nos arrebentamos no chão].
Russell Moore é o editor geral e colunista da Christianity Today; ele também lidera o Projeto de Teologia Pública da revista.
The post Seriedade, sobriedade, dignidade são virtudes que não podem ser esquecidas appeared first on Christianity Today em português | Cristianismo Hoje.



