Em 1933, no seu primeiro discurso de posse, Franklin Delano Roosevelt proferiu talvez a sua frase mais famosa: “A única coisa da qual devemos ter medo é do próprio medo”. Esse é um dos discursos mais importantes da história política estadunidense, mas confesso que essa afirmação sempre me confundiu.
Em 1933, os Estados Unidos estavam atravessando a Grande Depressão. A taxa de desemprego era de 25% e a economia havia se contraído em quase um terço. A má gestão das terras e as secas haviam criado a Dust Bowl [Tigela de Poeira] nas Grandes Planícies americanas. Trabalhadores em greve se envolveram em conflitos violentos com seus empregadores, e Adolf Hitler tornou-se o chanceler da Alemanha, apenas um mês antes desse discurso de Roosevelt. Na verdade, havia muitas coisas reais a temer em 1933.
Pesquisas contemporâneas sobre a psicologia do medo, no entanto, mostram que Roosevelt estava no caminho certo. O próprio medo pode transformar a forma como percebemos o mundo, transformando até mesmo ambientes inofensivos em um cenário de ameaças. Neurocientistas demonstraram que, quando percebemos alguma ameaça, nossa amígdala — o centro de processamento do medo no cérebro — entra em ação antes que as partes mais racionais do cérebro consigam alcançá-la, levando a uma cascata de mudanças de longo alcance na forma como vemos e nos relacionamos com o mundo.
O medo aumenta nossa sensibilidade à percepção de ameaças, por exemplo, tornando-nos mais propensos a interpretar expressões faciais ambíguas de forma negativa. Ele pode prejudicar nossa memória e a percepção visual do mundo.
O medo também pode se generalizar, associando-se a objetos que estão além de sua fonte original. Em um experimento infame, feito no início do século 20, pesquisadores condicionaram uma criança a ter medo de um rato branco. Todas as vezes que a criança tocava no animal, ela escutava um barulho ensurdecedor de uma barra de ferro batendo na outra. Com o passar do tempo, a criança ficava irritada com a simples visão do rato — e, sem nenhum condicionamento adicional, esse medo se espalhou para uma variedade aleatória de outros objetos peludos: um coelho, um cachorro, um casaco de pele e até mesmo uma máscara de Papai Noel. O medo de animais perturbou a criança pelo resto da vida
Muitas vezes tentamos lidar com o medo buscando mais informações; porém, ironicamente, essa prática pode intensificar ainda mais o sentimento de ansiedade. Em um estudo sobre a exposição a mídias que falavam sobre o atentado à Maratona de Boston de 2013, pessoas que consumiram grandes volumes de notícias sobre o ataque experimentaram um estresse mais agudo do que aquelas que realmente estavam presentes no atentado. O doomscrolling [o ato de rolar compulsivamente feeds de notícias e redes sociais, consumindo grandes quantidades de notícias negativas], aparentemente, é uma realidade.
Não é de surpreender, portanto, que o medo possa remodelar radicalmente a forma como vemos os outros, deixando-nos mais desconfiados e com uma lealdade mais tribal em relação a um grupo específico. Inúmeros estudos apontam que indivíduos induzidos ao medo apresentam uma acentuada falta de empatia e uma menor disposição de ajudar pessoas que consideram diferentes deles [pertencentes a outras “tribos”].
Em um experimento impressionante, pessoas brancas, que participaram do estudo, responderam a perguntas sobre sua disposição de ajudar moradores de rua. Os participantes de um primeiro grupo foram expostos a imagens que induziam ansiedade (por exemplo, fotos de animais selvagens, aranhas ou pessoas sendo atacadas) e mostraram-se significativamente menos dispostos a ajudar moradores de rua negros do que dispostos a ajudar moradores de rua brancos. Em comparação, participantes brancos de um segundo grupo, que foram expostos a imagens neutras, mostraram-se igualmente dispostos a ajudar moradores de rua, independentemente da raça.
Curiosamente, esse viés de exogrupo [grupo social ao qual um indivíduo não pertence e com o qual não se identifica] é particularmente ativado pelo medo de doenças. Em outro estudo, estudantes canadenses induzidos a pensar sobre doenças e germes eram muito menos propensos a apoiar a imigração de indivíduos nigerianos do que a de escoceses. Vieses semelhantes foram documentados contra pessoas com deficiência, obesas ou idosas.
E assim, como Roosevelt já sabia, o próprio medo pode ser uma força perigosa e que causa distorções. O medo distorce nossa percepção, estreita nossa visão e nos faz ficar voltados para dentro de nós mesmos, em busca de autoproteção. Ele induz em nós uma espécie de insanidade calculada — uma necessidade frenética de assumir o controle, de fazer justiça com as próprias mãos. Em nosso desespero, cingimos o lombo e endurecemos o coração para neutralizar as ameaças. Do ponto de vista do medo, fazer o que for preciso para abrir caminho em direção à segurança é não apenas permissível, mas também uma postura responsável.
É revelador o fato de que o primeiro efeito da desobediência de Adão e Eva no Éden tenha sido o medo: “[Adão respondeu] ‘Eu te ouvi no jardim e fiquei com medo porque estava nu; por isso, me escondi’” (Gênesis 3.10).
Assim, o primeiro fruto da Queda foi o medo. O medo foi o resultado do rompimento do relacionamento entre Deus e a humanidade. O reformador Martinho Lutero descreveu o pecado como a alma que está curvada sobre si mesma, voltada para si mesma: homo incurvatus in se. O medo aprofunda essa nossa curvatura sobre nós mesmos, levando-nos a nos esconder de Deus, a desconfiar do próximo e a nos isolarmos em nossas tribos. O medo não é apenas uma emoção poderosa, mas também uma descrição da condição humana, um sinal de que somos seres caídos. Ser humano é ser vulnerável e sentir medo.
Se o medo é um problema central da existência humana, não é à toa que a Bíblia fala tanto sobre ele. Costuma-se dizer que o imperativo mais frequente na Bíblia é “Não temam”. Certamente é um erro, porém, tratá-lo como apenas mais um dos imperativos bíblicos que consideramos impossíveis de cumprir deste lado da eternidade. Em vez disso, deveríamos vê-lo como uma palavra de consolo. A Bíblia nunca diz que não há nada a temer. O que ela oferece, em vez disso, é algo muito mais estranho: a garantia de que nunca atravessaremos o medo sozinhos.
Perto do final do primeiro século, uma comunidade cristã em crise recebeu uma carta que viria a ser conhecida no futuro como 1João. Como muitas congregações dos nossos dias, essa igreja estava se desintegrando. Os fiéis haviam se dividido por causa de divergências teológicas — que, talvez, girassem em torno de quem Jesus realmente era ou do que significava viver uma vida justa. Alguns membros haviam deixado a comunidade, e os que permaneceram provavelmente estavam desorientados, inseguros e com medo.
A carta tem um tom terrível e apocalíptico. Por duas vezes, João diz que esta é a “última hora” (2.18) e frequentemente fala sobre o Anticristo ou o Diabo (2.14,18,22; 3.8,10; 4.3;5.18-19). Parece que estamos lendo as últimas instruções desesperadas de João a uma igreja situada em um mundo que está se desintegrando.
É impressionante, portanto, que ele não dedique muito tempo a argumentos ou a teologia abstrata. Em vez disso, João escreve sobre o amor. Repetidamente, ele insiste que o amor é a marca que define a vida cristã — essa marca não é a certeza, não é a autoproteção, não é a pureza doutrinária, mas sim o amor. E nesse contexto de incerteza e ansiedade reais, ele oferece isto: “No amor não há medo; pelo contrário, o perfeito amor expulsa o medo” (4.18).
Frequentemente, ouvimos esse versículo como uma espécie de parâmetro espiritual, como se, uma vez estejamos suficientemente amadurecidos em nossa fé, o medo se evaporasse. Mas João não está descrevendo um estado de espírito a ser alcançado. Na verdade, ele está descrevendo o que o amor de Deus faz: esse amor expulsa o medo, não porque elimina as ameaças, mas porque reorienta nosso coração, afastando-o de qualquer ilusão de autossuficiência e voltando-o em direção à confiança de que somos sustentados por alguém maior do que qualquer coisa que possamos enfrentar.
Esse amor não nega o perigo, nem garante que escaparemos do sofrimento. Em vez disso, ele nos assegura de que não seremos abandonados. O medo isola e contrai, fecha a alma, agarrando-se ao desespero; o amor aproxima e convida a alma a se abrir. Ao aproximar, o amor de Deus desbanca o medo — não porque o mundo seja um lugar seguro, mas porque não estamos sozinhos nem perdidos no meio dele.
Juliana de Norwich, a mística medieval inglesa, descreveu este mistério com excepcional clareza: “Se existe alguém que ame a Deus assim na Terra e que seja continuamente impedido de cair, eu não conheço essa pessoa […] Mas o que foi revelado é isto: que, quando caímos e quando levantamos, estamos sempre inestimavelmente protegidos em um só amor.” A promessa do evangelho não é que nunca cairemos, que nunca temeremos, nem que nunca fracassaremos. A promessa do evangelho é que, mesmo quando essas coisas acontecerem, permaneceremos no amor de Deus. Esse amor não está nos esperando lá do outro lado do nosso medo. O amor de Deus nos encontra em meio ao medo.
Há, sem dúvida, muitas coisas reais para nós temermos no mundo (e muitas coisas imaginárias também). Isso tanto era verdade em 1933 quanto é verdade hoje. Pior do que esses perigos, porém, é o que o medo pode fazer conosco.
O medo distorce as coisas. Ele estreita a nossa visão, endurece nosso coração e nos tenta a buscar o controle, e a nos proteger em detrimento dos outros. Quando cedemos ao medo — quando deixamos que ele tome de nós o controle do mundo, dite quais são as nossas lealdades e justifique nossas ações — ele não está apenas corroendo a nossa política ou envenenando nossos relacionamentos. Ele está deformando a nossa alma. E, portanto, talvez Roosevelt estivesse mais certo do que imaginava: a verdadeira coisa a se temer, no fim das contas, não é algum perigo ou alguma ameaça específica, mas sim a maneira como deixamos o medo nos afastar do amor a Deus e ao próximo.
“Quando você passar pelas águas, eu estarei com você”, diz Deus por meio do profeta Isaías (43.2). O nível das águas pode subir, mas não seremos abandonados no meio da inundação. Nossa tarefa como cristãos não é negar o medo, mas sim nos recusar a deixar que ele nos domine — é ser o tipo de pessoa que escolhe o amor que se sacrifica em vez da autoproteção, que escolhe confiança em vez de controle, que escolhe a presença de Deus em vez de ilusões de segurança.
Edward Song é titular da Cátedra Herbert Hoover de Fé e Vida Pública, na Universidade George Fox, em Newberg, Oregon.
The post O perigo de viver em um mundo distorcido pelo medo appeared first on Christianity Today em português | Cristianismo Hoje.