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O retorno à oração

Peterson, Prometeu, a prece e o pastoreio

Eugene Peterson

Os gregos viviam com paixão e inteligência, tentando entender um mundo em que as coisas sempre dão errado. Com sua imaginação, transformavam essa compreensão em histórias. A que nos ajuda a entender efeitos do desapreço pela oração no trabalho pastoral é a história mitológica de Prometeu.

No início da humanidade, segundo a Mitologia Grega, cada pessoa sabia o dia de sua morte, ou seja, conhecíamos nossos limites. Os deuses, caprichosos e brutais, detinham todo o conhecimento, mas não o compartilhavam. A experiência humana era de mortalidade e tirania. Prometeu, um titã compassivo, decidiu melhorar nossa condição. Ele retirou dos mortais o conhecimento do dia de sua morte, dando-lhes esperanças cegas; instilou ambição sem direção; e roubou o fogo dos deuses e o deu aos humanos, possibilitando avanços tecnológicos.

Assim, Prometeu colocou a humanidade num caminho de desprezo pelos limites, busca desenfreada de objetivos e uso da tecnologia para alterar as condições de vida. O fogo trouxe energia e progresso, mas também a ilusão de divindade sem sabedoria. Zeus, furioso, puniu Prometeu acorrentando-o a uma rocha no Cáucaso, onde diariamente uma águia devorava seu fígado que se regenerava durante a noite. Mesmo sofrendo, Prometeu não se arrependeu: ele trouxe luz à humanidade, mas também sofrimento.

A história mitológica de Prometeu reflete a tragédia da civilização ocidental: progresso impressionante, mas alheio à natureza humana, gerando dor inimaginável. Esse mito é a maior expressão da tragédia humana. Ele não oferece solução, apenas exibe a relação inevitável entre tecnologia e sofrimento. No entanto, rejeitamos a tragédia e buscamos soluções: avanços tecnológicos ou um retorno a limites e à valorização da vida humana. A nossa época é prometeana, mas sem o conhecimento do mito como advertência.

Pastores do passado rejeitavam esse espírito prometeano e compreendiam o trabalho pastoral como uma relação de graça com Deus, não uma rivalidade ambiciosa. Considerar a morte ensinava sabedoria: viver como humanos, não como deuses. O salmista declarou: “Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos coração sábio” (Sl 90.12; ver também Ec 12.1). No passado, o trabalho pastoral incluía preparar para uma boa morte. Mas abandonamos essa consciência e adotamos a luta prometeana contra os limites, comprometidos em elevar padrões de vida, mas sem reflexão crítica. A tecnologia promete eliminar pobreza, dor e tédio, mas paradoxalmente os amplifica.

Diante de novos avanços tecnológicos, nos deslumbramos e esquecemos as consequências. Com as melhores intenções, lutamos para tornar a vida melhor, rompendo limites, sem perceber que Prometeu não ora. Ele tem muito a fazer e pouco tempo para fazê-lo.

O espírito de Prometeu e um humanismo secularizado na igreja contribuíram para o eclipse da oração entre aqueles que desejam transformar um mundo arruinado. Precisamos de uma estratégia. Para isso, não recorremos aos gregos, mas aos hebreus.

Os hebreus não buscavam apenas compreender a condição humana, mas responder à realidade divina. Seu foco era ouvir a Palavra de Deus, não contar histórias sobre deuses. Seu discurso essencial não era o mito, mas a oração. Eles viviam centrados nos atos de Deus, entendendo que dele provinha a transformação. O essencial não era o que os homens faziam, mas o que Deus estava realizando. Para participar dessa ação, oravam. O propósito não era analisar a raça humana, mas integrar-se ao que Deus fazia.

Enquanto os gregos interpretavam a existência sob um viés humano, os hebreus estabeleciam a vida em resposta a Deus. Para cada situação, os gregos tinham uma história; os hebreus, uma oração. Para os pastores, as narrativas gregas poderão ser úteis, mas as orações hebraicas são indispensáveis. Orar significa lidar primeiro com Deus e depois com o mundo, enxergando a realidade não como um problema a ser resolvido, mas como um espaço de atuação divina.

As histórias gregas são precisas ao descrever nossa condição, mas não a transformam. Se buscamos restaurar nossa integridade, isso ocorrerá pelo retorno à oração. Ignorá-la nos condena ao impasse trágico descrito pelo mito de Prometeu.

“A oração feita por um justo pode muito em seus efeitos” (Tg 5.16).

Adaptado de O pastor segundo Deus, de Eugene Peterson, Cultura Cristã

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Autor

  • Cativo à Palavra

    Projeto Missionário Teológico e Pastoral. Para um coração cativo e dedicado ao Senhor.

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