Home / Parceria / A política por trás dos conflitos no Oriente Médio

A política por trás dos conflitos no Oriente Médio

O Oriente Médio é uma região repleta de diversidade, na qual muçulmanos, judeus e cristãos convivem entre si e com suas respectivas ramificações e denominações. Do ponto de vista étnico, a região é povoada por árabes, judeus, curdos, armênios e berberes. E, apesar de falarem árabe, muitos assírios, coptas, samaritanos, yazidis e kakai mantêm uma identidade étnica distinta.

Cada ramificação desses grupos religiosos, com suas respetivas crenças e história, é frequentemente considerada herética, ao menos em parte, pelas outras. Enquanto nos países ocidentais as divergências teológicas geralmente não prejudicam a sociedade como um todo, no Oriente Médio, o sectarismo pode levar a conflitos e violência entre diferentes grupos.

Neste artigo, o sectarismo no contexto do Oriente Médio é definido como a priorização politizada de um grupo religioso ou étnico, em detrimento de uma identidade nacional mais ampla.

Receba nossas atualizações diretamente no seu celular! Faça parte do nosso canal no WhatsApp.

Linda Macktaby, pastora congregacionalista da União Nacional de Igrejas Evangélicas no Líbano, ilustra a dificuldade de lidar com o sectarismo por meio de um jogo simples que ela chama de “jogo da vara”, e que é praticado durante as oficinas que ela ministra pela Fundação Adyan, uma organização libanesa que promove o diálogo inter-religioso e a igualdade de direitos no Oriente Médio. Adyan significa “religiões” em árabe.

O conceito do jogo é simples: com os dedos indicadores esticados, seis pessoas equilibram uma vara de bambu na ponta dos dedos e, aos poucos, vão se abaixando até conseguir colocar a vara no chão. Elas devem cooperar entre si e ir devagar — se o dedo de alguém perder o contato com a vara, esse jogador é substituído por outro do mesmo grupo — que tem cerca de 20 pessoas. Macktaby nomeia um árbitro entre os participantes, que observa atentamente qualquer violação. O grupo externo [dos não participantes] também pode decidir coletivamente substituir os seis jogadores originais.

“Precisamos de alguém mais baixo”, grita um espectador. “Você está indo muito rápido”, diz outro. Os libaneses poliglotas costumam falar árabe, inglês e francês; mas, quando se misturam com pessoas de outras nacionalidades, um idioma prevalece e os menos fluentes são rapidamente substituídos, para facilitar a comunicação. Ao longo das muitas sessões que conduziu, Macktaby percebe que, em pouco tempo, a plateia tende a trocar as pessoas altas — que ficam, então, à margem, criticando os jogadores mais baixos. Os participantes trocados por causa da barreira linguística se isolam ao fundo. Às vezes, a maré vira contra as mulheres.

Mas Macktaby piora ainda mais a situação. Ela começa a gritar conselhos para os jogadores. Sugere, sem qualquer embasamento, que alguém da plateia teria a mão mais firme. E critica o árbitro, às vezes interferindo ela mesma para expulsar algum infrator das regras do jogo. A tensão aumenta. A vara cai. Em todos os workshops que já ministrou, Macktaby nunca viu um grupo conseguir cumprir o objetivo final [de colocar a vara no chão].

Após o jogo, Macktaby explica que a tarefa parece simples, mas a regra do contato dos dedos a torna quase impossível. Ela repreende os participantes gentilmente: “Por que vocês me permitiram interferir? Eu desautorizei o árbitro e os coloquei uns contra os outros.” Invariavelmente, os participantes do workshop — que eram todos amigos antes do jogo — acabam se dividindo em grupos.

E é daí que vem o sectarismo, como explica Macktaby.

No jogo da vara, o desafio é colocar a vara de bambu no chão. Em nações ao redor do mundo, inclusive no Oriente Médio, o desafio é criar uma sociedade funcional. Tanto no jogo quanto na política, as regras e o comportamento do líder podem corroer a confiança e a cooperação entre as pessoas.

Linda Macktaby está supervisionando uma partida do jogo da vara.
Linda Macktaby está supervisionando uma partida do jogo da vara.

Muitos presumem que a religião seja a raiz da divisão no mundo árabe; porém, essa diversidade de crenças e de identidades é a realidade da maioria das sociedades. Em vez disso, o que acontece é que quem detém poder — os políticos, empresários e interesses estrangeiros — é movido pela competição por recursos e se apoia no sectarismo para manipular as regras e jogar um grupo contra o outro, afirmou Macktaby.

Em algumas nações, um líder autoritário se apoia em seu grupo religioso para manter sua legitimidade, como no caso dos líderes da Arábia Saudita e do Catar, que tradicionalmente se apoiam na ideologia wahabita, conservadora, em meio a uma população muçulmana majoritariamente sunita. Já no Bahrein, um monarca sunita governa uma nação de maioria xiita. Governos minoritários semelhantes existiram no Iraque, antes da queda de Saddam Hussein, e na Síria, que era governada por alauítas, antes da recente queda de Bashar al-Assad.

Nos estados do Golfo, como Arábia Saudita, Catar e Bahrein, a prosperidade econômica proporcionada pelo petróleo diminuiu as discordâncias sobre qual tribo, dentro da facção dominante, reivindica a liderança. No Iraque e na Síria, governos republicanos nominalmente seculares criaram uma aparência de apoio popular. Em todos eles, o líder controla cuidadosamente o acesso aos recursos do Estado, distribuindo vantagens políticas e econômicas a membros de sua facção que cooperam com o regime.

Onde o estado de direito está presente, uma competição saudável pelo poder pode impulsionar uma sociedade funcional. Mas, no Oriente Médio, frequentemente ocorre uma competição dentro das fações e entre elas, para ver quem consegue se aproximar mais do líder que está no centro do poder. E esse líder pode, então, valer-se do medo para manter cada grupo sob controle.

Cuidado com os muçulmanos fundamentalistas, alguns diriam. Ou com os cristãos, ligados a potências neocolonialistas do Ocidente. Empunhando a mão pesada do Estado, o líder garante a submissão de todos.

Essa retórica pode não ser totalmente falsa. Muçulmanos tradicionais podem se opor ao alinhamento com nações ocidentais — popularmente consideradas “cristãs” — que pressionam pela normalização da homossexualidade. Alternativamente, muçulmanos contemporâneos podem preferir os padrões modernos dos direitos humanos, em vez da aplicação estrita da lei islâmica (a sharia).

Durante a guerra civil na Síria, muitos cristãos ocidentais familiarizados com o Oriente Médio compreenderam o dilema da igreja em Damasco. Então, o ditador caiu, sendo substituído por um ex-membro da Al-Qaeda. O novo líder prometeu justiça em meio a um ambiente de caos generalizado, levando observadores externos a questionarem: devemos acreditar nele? Ele conseguirá cumprir suas promessas? Os sírios não estariam em melhor situação com a estabilidade de um regime autoritário? Conseguirão manter uma democracia sem que ela degenere em violência religiosa?

Será que essas questões sugerem que o sectarismo também afeta a mentalidade ocidental, quando se considera a questão árabe? As facções europeias superaram séculos de hostilidade para construir sua sociedade moderna. Embora as circunstâncias históricas e culturais variem, não há uma diferença fundamental entre elas em termos de natureza humana — ou pecaminosa.

O sectarismo torna-se ainda mais evidente em países do Oriente Médio sem um governo central forte — como o Líbano e o Iraque pós-invasão norte-americana. Nesses países, as regras do jogo designam especificamente cargos políticos para comunidades sectárias. Essas práticas derivam tanto de procedimentos constitucionais formais quanto de acordos informais entre as elites políticas.

No Líbano, o presidente deve ser um cristão maronita; o primeiro-ministro, um muçulmano sunita; e o presidente do parlamento, um muçulmano xiita. O parlamento é dividido igualmente entre cristãos e muçulmanos. Dentro de cada grupo, as facções religiosas têm assentos atribuídos proporcionalmente. Os protestantes, por exemplo, têm direito a um único membro.

No Iraque, a etnia é um fator, já que o presidente deve ser curdo. Os demais cargos são determinados pela religião: o primeiro-ministro é um muçulmano xiita e o presidente do parlamento, um muçulmano sunita. Apenas mulheres e minorias religiosas têm cotas parlamentares, mas os partidos políticos, em grande parte, se organizam e garantem assentos de acordo com sua identidade sectária.

Em princípio, o sistema protege cada facção de ser dominada pelas outras. Nações como Bélgica e Suíça têm modelos semelhantes para lidar com a diversidade interna, afirmou Abdo Saad, diretor de programas regionais da Adyan. Ao priorizar a identidade nacional, instituições fortes e a prática democrática, esses países uniram seus diferentes grupos linguísticos e religiosos.

Mas, no Oriente Médio, a França (no Líbano) e os Estados Unidos (no Iraque) tiveram um papel preponderante no desenvolvimento inicial de regras escritas e informais, em parceria com as elites locais, disse Saad. Esses dois países são agora mais democráticos do que em seus sistemas anteriores, quando viviam sob os domínios otomano, colonial e de Saddam Hussein, acrescentou Saad. Mas se perguntarmos às pessoas comuns se o governo é benéfico para elas, pensarão que estamos fazendo uma piada.

Em 2019, tanto o Líbano quanto o Iraque enfrentaram levantes populares contra a corrupção e a natureza sectária do governo. Depois de não conseguirem transformar os levantes em revolução, as pessoas votaram nos mesmos partidos, para que voltassem ao poder. É como nos EUA, por exemplo, onde muitos criticam tanto o Partido Republicano quanto o Democrata, mas não desperdiçariam seu voto, por assim dizer, em um candidato de um terceiro partido que tivesse poucas chances de vitória. A alternativa de perder para o lado de que menos se gosta dificulta o surgimento de novas entidades políticas.

Na prática, o sistema incentiva os cidadãos a se unirem em torno de seus líderes sectários. Cada ramo do governo exerce um sistema de freios e contrapesos sobre o poder do outro ramo. Mas o resultado é que a vida política tende a girar em torno de questões de identidade, em vez de ideologia e de programas políticos.

O voto importa, sim. A porcentagem de assentos no parlamento, que é conquistada por cada facção partidária, muitas vezes determina a distribuição de cargos nos ministérios do governo. No entanto, acordos informais garantem que cada facção presida sobre um determinado setor influente — como polícia, finanças e obras públicas — ou, então, que as facções se alternem nessas posições. Os políticos, por sua vez, recompensam seus apoiadores com empregos nesses setores. E a corrupção torna-se endêmica, inclusive no sistema judiciário.

Para ser notificado de novas traduções em Português, assine nossa newsletter e siga-nos no Facebook, Twitter, Instagram ou Whatsapp.

The post A política por trás dos conflitos no Oriente Médio appeared first on Christianity Today em português | Cristianismo Hoje.

Autor

  • Cativo à Palavra

    Projeto Missionário Teológico e Pastoral.

    Para um coração cativo e dedicado ao Senhor.

Compartilhe isso:
Marcado: