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Reflexões sobre quando alguém se torna anglicano

Os evangélicos da internet tiveram uma crise moderada na semana passada quando Matthew Barrett anunciou que está se tornando anglicano. Foi algo interessante, e venho pensando a respeito disso e da questão mais ampla da identidade anglicana, sobre quem e o que é a Anglican Church in North America (ACNA), e sobre como devemos considerar esse tipo de transição.

Ora, antes que eu avance demais aqui, há cerca de uma dúzia de razões pelas quais talvez eu não devesse escrever isto. Afinal, eu mesmo me tornei anglicano há apenas três anos. Qualquer observação crítica que eu venha a fazer vai basicamente parecer aquele meme do Homem-Aranha apontando para o outro. Além disso, meus círculos se sobrepõem aos do Dr. Barrett. Isso provavelmente já era verdade mesmo quando ele ainda era batista, mas agora é certamente o caso. E então, Dr. Barrett, se o senhor estiver lendo isto, quero que saiba que eu já apreciava o seu projeto como um todo antes desta semana movimentada, e espero continuar apreciando nas semanas, meses e anos que virão. Eu gostaria muito que fôssemos amigos. Não estou tentando ser maldoso nem atacá-lo, e vou procurar afastar o foco do senhor para a questão mais ampla. Mas, bem, o senhor realmente deu início a tudo isso. Não posso deixar de falar sobre isso por pelo menos um minuto.

Portanto, após dois pontos acerca do anúncio de Barrett, passarei às ideias mais amplas que se sobrepõem acima de tudo isso.

Embora me alegre em tê-lo na ACNA, teria sido muito melhor que o senhor não tivesse lançado aquelas farpas de despedida contra a Southern Baptist Convention (SBC). Creio que, com o passar do tempo, concordará com isso. E as coisas que o senhor disse a respeito da SBC não ser capaz de lidar com situações disciplinares por estar demasiadamente preocupada com sua imagem certamente darão meia volta e serão lançadas contra a ACNA por críticos hostis. Se ainda não tomou conhecimento, estamos no meio de uma crise grave envolvendo precisamente esse tipo de acusação. Todos nós estamos sob intenso escrutínio nestes dias, e nem todo comitê ou grupo dentro de uma organização responde bem. Casos de disciplina eclesiástica são sempre difíceis, e corrigir grandes instituições leva tempo — muito tempo.

Em segundo lugar, houve algumas afirmações que o senhor fez sobre a adoração anglicana e a grande tradição que, na verdade, não representam fielmente a tradição anglicana clássica. Escolherei apenas uma delas, que talvez pareça pequena, mas é objetiva e ilustrativa de quão delicadas essas questões podem ser.

Ao tratar do sacramento da santa ceia, o senhor escreveu:

… o Livro de Oração Comum suplica a Deus que santifique o pão e o vinho, bem como o povo que os receberá. “Receber” é a palavra ideal. Pois quando o povo se aproxima, ele não toma, mas recebe o pão e o vinho das mãos do próprio reitor (sua presença proporcionando prestação de contas e aconselhamento).

Ora, creio entender o que o senhor está tentando expressar aqui, mas deve saber que os antigos Livros de Oração Comum instruem, de fato, o sacerdote a dizer ao povo: “O Corpo de nosso Senhor Jesus Cristo, que foi entregue por ti, preserve teu corpo e alma para a vida eterna. Toma e come isto em memória de que Cristo morreu por ti, e alimenta-te dele em teu coração pela fé, com ações de graças”.

Essas palavras estão no Livro de Oração Comum de 1662 e também no de 1928. O Livro de Oração Comum de 2019 também as contém, mas coloca parte delas entre colchetes, permitindo ao ministro abreviar ou omitir conforme julgar apropriado. A oposição que o senhor apresentou entre “tomar” e “receber” não se sustenta muito bem aqui.

Isoladamente, trata-se de um detalhe menor. Mas o menciono porque há uma questão maior que o senhor inevitavelmente encontrará na ACNA. Muitos dos elementos litúrgicos mais comuns — cerimônias, vestes clericais, observâncias do lecionário e do calendário — não são, na verdade, “tradicionais” no que se refere à tradição anglicana clássica. São, antes, fruto do projeto ecumênico de renovação litúrgica pós-Vaticano II. Isso não significa que sejam automaticamente maus, mas significa que devemos ser muito cautelosos antes de declará-los antigos ou parte da “grande tradição”. Entrar na igreja com uma cruz já foi altamente controverso. Crucifixos teriam sido proibidos. A comunhão semanal era, em geral, encontrada apenas nas catedrais. As paróquias celebravam a Oração Matutina com a Ladainha e depois a parte do serviço chamada Antecomunhão. E a ceia era, em geral, “fechada”, e não aberta. (O Livro de Oração Comum de 1662 traz uma rubrica que diz que os que desejam comungar devem informar ao ministro com pelo menos um dia de antecedência. Um pouco adiante, afirma que devem estar confirmados ou desejosos de sê-lo a fim de participarem do sacramento.) Uma boa parte do que ocorre hoje em igrejas “litúrgicas” não é, de fato, tão antiga assim. O senhor fará bem em dedicar tempo e esforço para investigar isso a fundo. Esse lugar que chamamos de “anglicanismo” é uma ala muito particular da antiga casa cristã.

Agora, passando do caso Barrett para a questão mais ampla de pessoas que se tornam anglicanas em geral. Eis algumas de minhas reflexões:

Primeiramente, o anglicanismo continuará a atrair pessoas oriundas de outras tradições cristãs, incluindo acadêmicos e escritores de grande projeção. Há muitas razões pelas quais o nosso contexto atual tende a produzir tais histórias, e precisamos ser hospitaleiros e gratos. Nossa primeira mensagem deve ser: “Seja bem-vindo”. Estamos felizes por tê-lo aqui. Agora você é um dos nossos.

Em segundo lugar, mesmo tendo dito isso, ainda precisamos ter extremo cuidado para não considerar esse como o único — ou sequer o principal — modo pelo qual o anglicanismo cresce. Precisamos garantir que estamos evangelizando os perdidos e alcançando aqueles que não têm qualquer vínculo com o cristianismo. O anglicanismo, em sua melhor forma, é um verdadeiro movimento missionário. Nos Estados Unidos, precisamos reaprender como fazer isso.

Em terceiro lugar, tudo isso continuará a ocorrer em uma América multidenominacional. Na verdade, a identidade denominacional tornar-se-á cada vez menos nítida e menos familiar à população em geral. Embora nossas distinções denominacionais sejam importantes, a maioria das pessoas não as conhecerá nem as compreenderá. E, em muitos casos, nossas tradições estão fraturadas. Há anglicanos que têm mais em comum com certos batistas do que com outros tipos de anglicanos — especialmente quando se considera a Comunhão Anglicana Mundial. Tenhamos isso em mente quando falarmos com os outros e sobre os outros em público.

Em quarto lugar, quando alguém ingressa no anglicanismo após ter exercido um ministério público em outra tradição, cabe-lhe tomar a responsabilidade de permanecer por algum tempo, conviver e realmente conhecer a história anglicana. Isso pode envolver um certo mergulho no drama que deu origem à ACNA. Porém, mais importante ainda, deve envolver o estudo dos Formulários Anglicanos, a leitura de todos os sermões contidos nos dois Books of Homilies [Livros das homilias], o trabalho com os catecismos de Nowell, a familiarização com os Cânones de 1604 e, para os americanos, uma retomada das primeiras décadas da Igreja Protestante Episcopal nos Estados Unidos (há muito material excelente sobre isso disponível gratuitamente na internet). E, é claro, não se esqueça de ler o ensaio de Cranmer, Concerning Ceremonies [Sobre as cerimônias]. Leia também Harold Brown e W. H. Griffith Thomas. Procure o cônego Henry Jansma — muito provavelmente em seu jardim — e peça-lhe que conte algumas histórias. Não tente ser um especialista em anglicanismo. Desfrute o privilégio de ser um “recém-chegado” novamente.

Quinto, aos de fora que observam tudo isso: provavelmente vocês não compreendem nada disso. E tudo bem. Nós também nem sempre compreendemos. Mas talvez também valha a pena desacelerar. Vi mais de uma afirmação dando a entender que mover-se em direção ao anglicanismo equivale simplesmente a mover-se rumo a Roma. Outros pareciam não saber que a ACNA não é a Igreja Episcopal. E, quando finalmente tratavam de assuntos relevantes à ACNA, não compreendiam as diferenças entre as dioceses (há muita diversidade aqui!). Precisamos demonstrar graça a vocês, e vocês precisam demonstrar graça a nós.

Há muito mais a dizer, mas por ora é só. Espero que, no fim, tudo isso contribua para o verdadeiro panorama maior — o reino mais amplo de Cristo. À medida que buscamos conhecer melhor nossas próprias tradições, que possamos conhecê-lo mais profundamente. E oro para que descubramos a melhor forma de cooperar na missão comum do evangelho.

Glória seja ao Pai, e ao Filho, e ao Espírito Santo.


Fonte: https://adfontesjournal.com/steven-wedgeworth/thoughts-about-when-people-become-anglican/

Tradução: João Batista de Araújo

Autor

  • Cativo à Palavra

    Projeto Missionário Teológico e Pastoral. Para um coração cativo e dedicado ao Senhor.

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