Home / Parceria / Incentivos financeiros não constroem famílias

Incentivos financeiros não constroem famílias

Eu estava mergulhado na leitura de um livro sobre liderança missionária na igreja, quando minha esposa, Aziza, entrou em trabalho de parto do nosso primeiro filho. Tínhamos passado por semanas de alarmes falsos e, de repente, o momento que tanto esperávamos finalmente chegou.

O parto foi uma provação em muitos aspectos. Minha esposa queria ficar em casa, durante o começo do trabalho de parto. Mas tudo o que eu havia aprendido para ajudá-la durante o processo não adiantou. Sem perceber, esperamos tempo demais em casa e corremos para o hospital na calada da noite. À medida que as horas passavam, eu ouvia a agonia dela e me angustiava profundamente, sabendo que havia pouco que eu podia fazer para ajudar. No fim, houve sangue, suor e lágrimas, além de uma conta que levamos meses para pagar.

Não foi uma experiência conveniente nem eficiente. E certamente não saiu barato. No entanto, foi a melhor coisa que já nos aconteceu na vida. Na verdade, foi algo tão transformador que repetimos a experiência mais cinco vezes.

Receba nossas atualizações diretamente no seu celular! Faça parte do nosso canal no WhatsApp.

Como pai de seis filhos, tenho observado com interesse e crescente preocupação os formuladores de políticas e personalidades da mídia nos Estados Unidos explicarem o declínio da taxa de natalidade do país em termos puramente econômicos. Por quase duas décadas, o número de nascimentos per capita nos Estados Unidos vem caindo. Está em alta o número de pessoas sem filhos. Em consequência disso, a fecundidade do país como um todo está bem abaixo da sua “taxa de reposição” populacional, que é o grau de fecundidade necessário para que uma população reponha seus integrantes que morrem.

Em um esforço para incentivar os americanos a terem mais filhos, o governo Trump vem avaliando diversas propostas, entre elas um “bônus para bebês” de US$ 5.000 e uma medalha para mães que têm seis filhos ou mais. Embora nada parecido com isso já tenha sido feito nos EUA, essas ideias não são inteiramente novas. Elas seguem um padrão global, que é observado em países como França, Japão e Coreia do Sul, os quais já investiram bilhões de dólares em iniciativas semelhantes. No entanto, essas iniciativas não fizeram diferença, e a taxa de natalidade nesses países continua em queda.

O problema com essas abordagens puramente financeiras é que elas interpretam de forma equivocada a essência da formação de uma família. Embora fardos como moradia, cuidados com os filhos, saúde e educação certamente afetem as decisões sobre ter filhos, a criação de filhos não se resume apenas ao aspecto financeiro. Mesmo que haja uma redução das pressões econômicas, a criação de filhos continuará sendo algo inerentemente desafiador. Exige sacrifício e compromisso, e muitas vezes é inconveniente e consome nosso tempo.

No entanto, também há profundas alegrias que vêm diretamente das mãos de Deus. Como pais, o amor que temos por nossos filhos nos oferece um nítido vislumbre do tipo de amor que Deus derrama sobre nós. É uma expressão poderosa da nossa humanidade, feita à imagem de um Criador benevolente.

O testemunho histórico da igreja negra ilustra o profundo vínculo que há entre as famílias, apesar da forte pressão. Ao longo da história americana, famílias negras foram formadas e sustentadas sob as mais duras condições. A vida em família nunca foi fácil nas plantations de escravos ou sob o regime de segregação racial. Tampouco era conveniente nas periferias urbanas economicamente devastadas, das quais muitos ainda fazem o seu lar.

No entanto, a igreja negra afirmou de forma incessante a verdade bíblica de que “os filhos são herança do Senhor” (Salmos 127.3), assim reconhecendo a sacralidade da vida, independentemente de status social ou da estabilidade financeira da família. A igreja não se limitou a protestar contra a injustiça racial; também criou redes de apoio, cuidou dos pais de maneira prática e nutriu laços intergeracionais. Entre outras coisas, as congregações negras ofereciam treinamento profissional e programas educacionais, além de servirem como espaços de refúgio, enquanto pregavam a Palavra de Deus com ousadia.

É claro que esse testemunho da igreja negra não está livre de dificuldades. Famílias negras enfrentaram desafios internos, como altas taxas de nascimentos fora do vínculo conjugal, desintegração conjugal e padrões de ausência paterna. Mas, mesmo em meio a essas realidades tão difíceis, a igreja tem consistentemente proposto uma visão de família que é enraizada no amor, na comunidade e na fé. E tem demonstrado como valores sólidos podem sustentar uma visão de família, mesmo quando as condições estão longe de serem as ideais. Seu exemplo pode ainda oferecer lições vitais para outras comunidades que cada vez mais enfrentam os mesmos desafios.

Na minha experiência, a maioria das igrejas há muito tempo compreendeu que as famílias não podem prosperar apenas com subsídios e incentivos financeiros. A parentalidade é uma jornada moral e espiritual que exige um tipo de força interna que não pode ser cultivada por políticas governamentais. Dinheiro e incentivos por si só não inspiram as pessoas a assumirem um compromisso para a vida toda, mas o amor — por Deus e por aqueles que carregam a sua imagem — pode inspirar.

Inspirando-se no exemplo da igreja negra, a igreja em geral pode promover uma visão mais rica da parentalidade, que seja baseada não na conveniência, mas na aliança. As igrejas devem se tornar comunidades de pertencimento intergeracional, que dão o exemplo de como carregar os fardos uns dos outros tanto de maneiras práticas quanto espirituais. Nosso papel não é meramente pressionar os EUA ou qualquer outro governo para que aprove políticas favoráveis à família (embora lutar por isso seja importante); nosso papel é cultivar em nossas congregações uma autêntica cultura do cuidado.

Então, como isso se manifesta na prática? Como pastores e líderes de igreja, devemos ensinar e encarnar uma visão de vida em família que rejeita a ideia de que só devemos investir em relacionamentos quando forem convenientes, prazerosos e vantajosos do ponto de vista econômico. Devemos honrar pai e mãe não apenas em ocasiões especiais, mas também por meio da construção de sistemas de apoio, como cooperativas de creches, programas de mentoria, de aconselhamento matrimonial e iniciativas de discipulado familiar. Mais importante ainda, devemos criar o hábito de orar por cada família em nossa congregação e encorajar nosso rebanho a fazer o mesmo.

Tudo isso reforça a visão bíblica de que cada família — e cada pessoa — é importante para Deus e para a saúde de nossas comunidades. Essa visão não ignora as realidades econômicas. Pelo contrário, ela integra o apoio financeiro a um nível mais profundo de cuidado mútuo, algo que pode sustentar as famílias mesmo em tempos difíceis.

Os formuladores de políticas também têm uma oportunidade sem igual. Em vez de replicarem políticas pró-natalidade que são falhas, eles podem oferecer apoio financeiro e, ao mesmo tempo, defenderem valores mais amplos como a interdependência, o sacrifício mútuo e o respeito pela vida. Se fizerem isso, acredito que qualquer ajuda que nosso país ofereça poderá se tornar muito mais eficaz e significativa.

Quanto a Aziza e a mim, nós gastaremos bem mais do que o bônus de US$ 5.000 criando nossos seis filhos. Minha esposa não precisa ser condecorada com uma medalha, mas, sem dúvida, ela merece infinitas expressões de gratidão pelos sacrifícios que faz como mãe. Com seis filhos correndo pela casa, talvez eu nunca possa manter de novo minha antiga agenda de leitura. Mas os laços de amor que estamos construindo em nossa família — e com a nossa comunidade religiosa — valem todos esses sacrifícios, e muito mais.

Chris Butler é diretor de formação cívica cristã no Center for Christianity & Public Life [Centro para cristianismo e vida pública].

Para ser notificado de novas traduções em Português, assine nossa newsletter e siga-nos no Facebook, X, Instagram ou Whatsapp.

The post Incentivos financeiros não constroem famílias appeared first on Christianity Today em português | Cristianismo Hoje.

Autor

  • Cativo à Palavra

    Projeto Missionário Teológico e Pastoral. Para um coração cativo e dedicado ao Senhor.

Compartilhe isso:
Marcado: