Vinte e um anos atrás, antes do surgimento das mídias sociais, um piloto da American Airlines “viralizou” com sua estratégia de evangelização. Ele havia acabado de voltar de uma viagem missionária que fizera com sua igreja à Costa Rica. A viagem o impactou profundamente e, enquanto ele taxiava o 767 pela pista do Aeroporto Internacional de Los Angeles (LAX), sentiu que Deus estava tentando lhe dizer algo. Pegou o interfone para fazer seu anúncio habitual para os passageiros e decidiu acrescentar outra mensagem.
“Todos os cristãos que estiverem a bordo poderiam levantar as mãos, por favor?” Na cabine, os passageiros começaram a olhar em volta, para ver se era piada. Algumas pessoas levantaram as mãos cautelosamente. Mas ele foi em frente e incentivou os passageiros a usarem esse tempo para conversar com os cristãos que estavam a bordo sobre sua fé.
Sua ousada iniciativa em favor de Deus, porém, não “aterrissou” como ele esperava. Afinal, como você se sentiria, se o piloto do avião em que está de repente lhe dissesse que você tem de se preparar para encontrar Jesus? Alguns passageiros entraram em pânico e pegaram o celular para ligar para seus familiares.
No final, todos chegaram em segurança ao aeroporto, e os passageiros desembarcaram com uma história bizarra para contar. O piedoso piloto, por sua vez, foi convocado a comparecer perante seus supervisores.
Se você for como eu, por certo admira a coragem desse piloto. Mas também deve estar pensando: “Eu não teria como fazer uma coisa dessas e manter meu emprego”. E você provavelmente está certo. Muitos cristãos se perguntam o que seria um testemunho ousado e fiel do Evangelho em pleno século 21, em um mundo onde o pluralismo religioso é indiscutível. O rabino Shmuley Boteach, um popular guru espiritual, ficou famoso ao dizer que chamar a abordagem moral ou espiritual de outra pessoa de errada equivale a “racismo espiritual”.
Além disso, os cristãos cada vez mais encontram muitas de suas mais estimadas crenças fora da Janela de Overton [também conhecida como Janela do Discurso, a qual descreve a gama de ideias toleradas no discurso público], ou seja, suas crenças estão fora do que é considerado um discurso público aceitável. O sociólogo Aaron Renn afirma que nós, cristãos, adentramos em um “mundo negativo”, o que significa que a fé cristã não só perdeu seu status de fundamento da sociedade, mas também é hoje considerada, em muitos lugares, uma inimiga do progresso.
Como manifestar o testemunho cristão nesse tipo de ambiente? Será que o nosso único recurso é a guerra cultural, ir às urnas para eleger um defensor da fé cristã que possa retomar o controle dos canais e sistemas de comunicação da sociedade?
Os apóstolos Pedro e Paulo, porém, nos dão uma resposta diferente dessa e bastante inesperada. Eles ordenam aos cristãos que vivem em contextos exílicos que “se empenhem por viver tranquilamente” (1Tessalonicenses 4.11, NAA). Pedro usa a expressão “vivam […] de maneira exemplar” em vez de “tranquilamente”, em 1Pedro 2.12, mas ele está apontando para a mesma ideia. A instrução para “viver tranquilamente” pode soar estranha na boca de Paulo, alguém cuja pregação provocou tumulto em Éfeso (Atos 19.23-41), ou na boca de Pedro, que ousadamente acusou sua comunidade de matar Cristo com ajuda de homens perversos (Atos 2.23). Mas, como Pedro e Paulo explicam, a vida exemplar nos prepara para um testemunho que ecoa em alto e bom som.
No entanto, viver tranquilamente não significa viver de forma invisível. Trata-se de trabalhar pela prosperidade da sua cidade e, ao fazê-lo, direcionar as pessoas para Jesus. Pedro e Paulo descrevem cinco elementos desse “viver tranquilamente”. Estes elementos constituem o objetivo diário de todo cristão, quer ele trabalhe todos os dias ensinando alunos da terceira série, quer dirija as operações de um conglomerado multinacional, quer pilote um 767. A vida na Babilônia dos nossos dias, segundo o que Pedro e Paulo explicaram, deve ser uma vida que cumpre o mandato da criação, que busca a excelência, que reflete santidade, que demonstra redenção e que faz avançar a missão.
Em primeiro lugar, os crentes devem buscar cumprir o mandato da criação por meio de sua carreira e vocação. Afinal, a comissão inicial que nos foi dada não foi a Grande Comissão, mas sim a Comissão da Criação. Ao desenvolver o mundo ao nosso redor e torná-lo um lugar melhor para se viver, glorificamos nosso Criador. Não é por acaso que a primeira vez que o conceito de ser cheio do Espírito foi usado na Bíblia, ele tinha relação com as habilidades de marcenaria de um homem, não com seus sermões (Êxodo 31.1-5). Dar testemunho de Cristo não é algo que começa com nossas palavras, mas sim com nosso trabalho (Gênesis 1.28; Provérbios 22.29).
Em segundo lugar, buscamos a excelência em nosso trabalho. E o fazemos não motivados por status ou por aplausos, mas porque nosso trabalho reflete a excelência daquele a quem servimos. Daniel tinha uma atitude excelente, que se manifestava, segundo ele, tanto em sua diligência quanto em sua integridade (Daniel 6.4). Paulo nos diz que mesmo a menor das tarefas pode se tornar um testemunho, quando nós a realizamos “como [se estivéssemos trabalhando] para o Senhor” (Colossenses 3.23).
Em terceiro lugar, viver tranquilamente reflete a santidade de Deus, nos diferenciando por nossa pureza e integridade. Temos um Mestre supremo no céu, segundo Paulo, e quando vivemos com justiça e equidade, mesmo quando ninguém está olhando, isso aponta a outros para a existência do nosso Mestre (Colossenses 4.1). Pedro nos diz para sermos santos como nosso Pai celestial é santo, e que isso nos fará sobressair como estrelas brilhantes em um mundo escuro e depravado, apontando a outros para o Deus vivo (1Pedro 1.15-16; Filipenses 2.14-15).
Em quarto lugar, nossa vida deve demonstrar a redenção. Em um mundo fragmentado, os crentes dão evidências do evangelho por meio do perdão, da graça e de atos radicais de misericórdia. Viver dessa maneira não significa abandonar uma economia de livre mercado baseada no mérito, mas sim reconhecer que por trás dessa economia — e superando-a — existe outra economia ainda mais fundamental, baseada na graça. Os cristãos buscam maneiras de dar demonstrações radicais de graça como um reflexo do evangelho. Vemos isso exemplificado em Levítico, onde Deus ordenou aos israelitas que deixassem os cantos de seus campos sem colher, para que os pobres pudessem colher ali (Levítico 19.9-10). Nossa bondade e paciência apontam as pessoas para a Cruz, o alicerce fundamental da economia cristã (Efésios 4.32).
Por fim, nossa vida deve fazer avançar a missão. Como Pedro nos diz e a vida de Daniel nos demonstra, viver tranquilamente abre portas para compartilhar o evangelho com ousadia e em alta voz. Nossa vida comum, banal se torna palco para um testemunho extraordinário (Daniel 12.3; 1Pedro 3.15).
Todos esses princípios são aplicações da ordem que Jeremias deu aos exilados judeus de sua época, para que se estabelecessem na Babilônia, buscassem a paz da cidade e ajudassem a torná-la um lugar melhor para se viver (Jeremias 29.4-7). O fato de os exilados judeus viverem de acordo com esses princípios levou pelo menos dois reis babilônicos a professarem sua fé no Deus de Israel e, muitos anos depois, levou um grupo de sábios a deixar a região da Babilônia e ir em busca do menino Jesus.
Daniel e sua geração oferecem um modelo para os cristãos que buscam viver um testemunho ousado em um mundo cada vez mais hostil e “negativo”. Reflita sobre isto: Daniel foi tão ousado e corajoso na Babilônia do seu tempo que acabou na cova dos leões, justamente por causa disso. No entanto, ele era tão amado que o rei que o jogou lá não conseguiu comer nem dormir, esperando, contra toda a esperança, que ele sobrevivesse àquela noite (Daniel 6.18).
Suspeito que o motivo pelo qual o rei Dario chorou, do lado de fora da cova dos leões, não foi por não ter ouvido as exortações proféticas de Daniel, mas sim porque Daniel era seu amigo e o rei não conseguia imaginar a Babilônia sem ele. Nossas comunidades deveriam poder dizer o mesmo sobre nós: “Podemos não acreditar no que aqueles malucos daquela igreja acreditam, mas graças a Deus pela vida deles entre nós”!
Há um tempo propício para a repreensão clara e profética — e até mesmo acompanhada de ativismo político. Como disse Os Guinness, em uma democracia ocidental, não lutar pelas leis de Deus na esfera política seria uma “falha de cidadania”, pois em nosso sistema de governo, “cada cidadão americano é responsável por cada americano e pela República americana”. Contudo, a ponta da nossa lança missionária é a vida tranquila, notável e plena de Jeremias 29.7: “Busquem a prosperidade da cidade para a qual eu os deportei e orem ao Senhor em favor dela, porque a prosperidade de vocês depende da prosperidade dela”.
Esse tipo de vida nos prepara para oferecer um testemunho que ecoa em alto e bom som, um testemunho que não pode ser marginalizado nem ignorado. Como Lesslie Newbigin explicou, a maneira que conduzimos nossa vida e perseguimos nossa vocação oferece o primeiro contraste dramático com a Babilônia.
Vi esse tipo de vida ser exemplificado pelo meu amigo Mike, chefe do departamento de neurologia em uma das universidades mais prestigiadas dos Estados Unidos. Todos os anos, essa universidade o envia a conferências médicas ao redor do mundo, como seu representante. Mike se depara com alguns dos lugares menos evangelizados do planeta, como convidado especial de comunistas, budistas e muçulmanos. Ele abre cada palestra explicando como sua experiência com o evangelho afeta sua visão da medicina. Perguntei a ele: “Como a sua universidade concorda com isso? Afinal, eles não estão nem um pouco interessados na evangelização mundial. Na verdade, eles devem ser totalmente contra isso”.
Ele então me responde, com um brilho nos olhos: “Bem, eu sou o neurocirurgião de maior prestígio da América. Posso falar o que eu quiser”. Mike faz o seu trabalho com excelência e se apresenta diante de reis por causa disso (Provérbios 22.29). E quando está lá, diante de reis, ele os aponta para o Rei dos reis, Jesus.
Você pode não ter a mesma influência do meu amigo Mike. Ou a mesma plataforma que tinham Paulo, Pedro ou Daniel. Mas você certamente tem as mesmas ferramentas à sua disposição. A boa notícia é que, no reino de Deus, você não precisa ser alguém notável para viver uma vida notável. Simplesmente precisa viver uma vida de fé tranquila, porém contracultural, uma vida de fé fundamentada no conhecimento de que somos cidadãos de outro reino, cujo Rei a tudo conquista. Você só precisa viver uma vida tranquila que proclama um testemunho em alto e bom som.
J. D. Greear é pastor da The Summit Church em Raleigh, na Carolina do Norte, e autor de muitos livros, entre eles, Everyday Revolutionary: How to Transcend the Culture War and Transform the World [Cotidiano revolucionário: como transcender a guerra cultural e transformar o mundo], seu mais recente lançamento.
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