Ouça este conteúdo
Getting your Trinity Audio player ready...
|
Arte para a glória de Deus
Muito se ouve por aí sobre o que, supostamente, é arte. Pensei em como poderia deixar minha contribuição, abordando este tema de forma mais pragmática e pela ótica das Escrituras – afinal, o Senhor deseja que apliquemos os ensinos de Sua Palavra em todas as áreas de nossas vidas. Desejo aqui chamar sua atenção para algumas verdades a respeito da arte e de seu uso.
O que é arte, afinal de contas?
Segundo o dicionário, a arte é definida como “capacidade de expressar uma ideia, empregando algum material que possa ser trabalhado”. Há uma outra definição que diz que a arte é a “prática de atividade que depende de inteligência e habilidade”. Bom, você não precisa ir muito longe para entender que Arte requer esforço e dedicação. Basta olhar as definições anteriores para perceber que ela vai muito além da intuição.
Em nossa sociedade extremamente influenciada pelo pensamento pós-modernista, não são raras as vezes em que nos deparamos com artistas pregando a desordem em suas obras. Em contrapartida, nas Escrituras, encontramos a obra do Grande Artista na qual podemos e devemos nos inspirar. A definição de Arte é dada por Ele, pois foi Ele quem a criou – para a Sua própria glória e deleite.
Quando Deus realizou a obra da criação, Ele trouxe à existência uma realidade que é, dentre outras coisas, bela. Como seres criados à Sua imagem, podemos – e devemos – atuar sobre esta realidade, recontando-a e recriando-a, assumindo papel de co-criadores a partir de nossas habilidades criativas. Uma definição muito bacana do que é Arte é dada pelo pastor Filipe Fontes:
Isso é o que chamamos de arte: o exercício e o produto da criatividade humana, que resulta na expressão da realidade, que, no fim das contas, é a beleza de Deus.
O conceito todo pode ser resumido em que a Arte é uma forma de expressão inerente ao homem enquanto ser criativo. Através dela, expressamos nossas emoções e anseios, nossa história e cultura, nossos valores e princípios. Mas, enquanto cristãos, podemos enxergar a Arte como sendo o meio através do qual expomos o atributo criativo do Deus que nos criou à Sua imagem e semelhança.
Por que estudar Arte?
Afinal, o que há de tão importante no assunto para que se demandem horas, meses e até anos de estudo? Será que o estudo da Arte é destinado apenas aos que se dedicam ou desejam dedicar-se a ela profissionalmente?
Eu mexo com arte desde que me entendo por gente. Comecei muito cedo a me envolver com a área. Com o passar dos anos, passei por alguns momentos em que a música, a pintura, a escrita e outros trabalhos manuais eram quase inexistentes em minha rotina. No entanto, seja lá qual fosse a área em que eu estivesse empenhada, a Arte estava lá.
Nos ambientes pelos quais passei, percebi, na prática, como a Arte é vista de forma abstrata e subjetiva pelas pessoas que estavam ao meu redor. Isso lhes dava condições de afirmar que cada pessoa tem uma visão diferente do que é Arte, e pior: que todas essas visões e conceitos são válidos – mesmo que estivessem errados. Ver este empenho para tornar a Arte subjetiva me fez questionar algumas coisas.
Passei, então, a me dedicar a responder (para mim mesma) o porquê de algumas coisas. Percebi a importância de estudar Arte não para refutar aos outros, mas para que eu pudesse produzir – para a glória de Deus – com o coração cheio de intencionalidade.
De antemão, quero avisá-los que o estudo da Arte não é destinado apenas para os profissionais da área. Como dito anteriormente, a obra do Senhor na criação foi a primeira obra de Arte feita e, como co-criadores, devemos perceber com clareza os desdobramentos disso nas nossas atividades em qualquer que seja a área – afinal, a Arte está em tudo.
Primeiramente, é importante entender que a arte é utilizada como meio para três fins: expressão, criação e compreensão de mundo. Seguindo essa linha de raciocínio, fica mais fácil o entendimento da importância desses estudos.
Estudar a Arte e sua história nos leva a compreender seus padrões, tradições e técnicas que fizeram da Arte o que ela é. Consequentemente, o entendimento do momento presente é otimizado e facilitado. Conseguimos perceber as influências e as tendências das expressões artísticas já produzidas e julgar segundo os padrões já estabelecidos no estudo do passado. Assim podemos, então, criar o futuro, conservando os padrões estéticos de Beleza à medida que nos expressamos artisticamente.
Este estudo sistemático e ordenado nos leva a consequências extremamente benéficas:
● Melhora e diversidade na expressão de ideias.
A Arte não é limitada. Há uma variedade de expressões que podemos utilizar para transmitir nossas ideias (música, pintura, fotografia, literatura, etc.).
● Maior sensibilidade para perceber e evitar distorções da Arte.
Na história da humanidade observa-se um padrão de desejo por destruir ou desfazer aquilo que é Belo. Artisticamente falando, temos um exemplo muito famoso de distorção daquilo que é Arte. Refiro-me ao Movimento Dadaísta, iniciado após a Primeira Guerra Mundial, que tinha como objetivo principal o questionamento dos padrões artísticos. O movimento também propunha uma arte rebelde (ou “antiarte”) que baseava-se no acaso, no caos e na desordem. Suas expressões eram ilógicas, destrutivas e desordenadas, completamente contrárias ao conceito de Arte da época.
● A conservação correta dos valores inerentes à verdadeira Arte.
Para que a Arte perdure ao longo de várias gerações, mesmo com as diferentes culturas existentes, é necessário que estejamos atentos e dispostos a lutar por seus valores, tais como beleza estética, ordem e sentido, por exemplo.
Como a Arte pode ser aplicada nas mais diversas áreas, é imprescindível que estejamos prontos a defendê-la corretamente. Se Deus é o Grande Artista, o Criador da Arte, e se somos co-criadores com Ele, defender a Arte é defender a obra do próprio Deus.
Por que a Arte e a Beleza importam?
Nosso coração falha em compreender que a Beleza é, como diria Philip Ryken, “faísca da glória de Deus”. Demoramos a incutir em nossas mentes que valores presentes na Arte como Verdade, Bondade e Beleza são vestígios de Deus no mundo. Temos dificuldade para entender que o universo não foi criado por um deus dadaísta, amante do caos e da desordem, mas por um Deus preocupado com uma estética ordenada.
Obviamente, nem toda criação é nobre em si mesma, pois há a influência da Queda e todo artista é corrompido. Apesar disso, a criatividade, em si, é algo bom, pois é um atributo do próprio Deus. É importante salientar que a Arte produzida precisa ter significado, e parte de sua beleza está justamente no fato de que ela possui sentido.
Se a Arte não é neutra, mas, pelo contrário, tem um significado e carrega consigo uma mensagem, então através dela é possível ver o mundo nas lentes do outro. Logo, toda obra de arte revela a cosmovisão do artista e ela está ali para nos comunicar ou nos convencer de algo.
Lamentavelmente, vivemos numa sociedade empenhada no questionamento de padrões não apenas morais, mas também estéticos. Enquanto isso ocorre lá fora, a Igreja está alheia tanto no uso cotidiano das artes (para deleite) quanto no uso dela para a produção de cultura. Temos uma Igreja que, de forma geral, está despreocupada com a Beleza. Ignora-se o fato de que as artes possuem grande poder persuasivo que podem ser úteis na transmissão da Mensagem que a Igreja carrega.
A Arte importa porque por meio dela tem-se a possibilidade de:
● expor o caráter criativo de Deus;
● exibir Seus vestígios no mundo através da propagação dos valores da verdadeira arte (ordem, sentido, significado, bondade, criatividade, beleza e verdade);
● produzir cultura;
● redimir a cultura corrompida já existente; e
● expressar nossa fé e/ou cosmovisão.
Princípios cristãos para a produção de Arte
Como cristãos, temos alguns princípios a serem seguidos. Em Sua Palavra, o Senhor nos dá uma espécie de “manual do fabricante”. É lá que entendemos como nossa mente e coração funcionam, como adorar a Deus da forma correta e qual deve ser nossa conduta perante uma sociedade carregada de valores anticristãos. Com a Arte não é diferente. Podemos extrair das Escrituras as diretrizes para a produção de nossas expressões artísticas, de forma que não sejamos obstinados, ferindo aquilo que nos foi ordenado por Deus.
Temos um exemplo bem claro na Escritura no que se refere aos princípios cristãos para a produção de Arte e é nisso que tentarei elucidar tomando Bezalel como exemplo, em Êxodo 31. Neste texto encontramos algumas ordens bem específicas, pois se tratava da construção do Tabernáculo. No entanto, nada impede que essa parte das Escrituras seja aplicada com suas implicações aos artistas de nosso tempo. Vamos ao texto e logo após farei as devidas pontuações:
1) O Senhor disse mais a Moisés;
2) – Eis que chamei pelo nome Bezalel, filho de Uri, filho de Hur, da tribo de Judá,
3) e o enchi do Espírito de Deus, de habilidade, de inteligência e de conhecimento, em todo artifício,
4) para fazer desenhos e trabalhar em ouro, prata e bronze;
5) para lapidar e montar pedras preciosas; para entalhar madeira; e para fazer todo tipo de artesanato.
● O chamado e o dom artístico vêm de Deus.
Deus tanto chama quanto capacita o artista para o ofício. Isso fica bem exposto nos vv. 1-3: “O Senhor disse mais a Moisés: Eis que chamei pelo nome Bezalel, filho de Uri, filho de Hur, da tribo de Judá, e o enchi do Espírito de Deus, de habilidade, de inteligência e de conhecimento, em todo artifício”.
Três coisas ficam explícitas nesses versículos:
1) Deus chamou Bezalel pelo nome;
2) o próprio Deus o encheu com Seu Espírito;
3) o Senhor também lhe deu entendimento e habilidades para os trabalhos manuais que precisaria desempenhar na elaboração dos objetos que iriam compor o Tabernáculo;
● Deus ama as diferentes expressões artísticas.
Deus não seleciona tipos e tipos de arte como Suas preferidas. Ele mesmo utilizou variadas formas para expressar artisticamente Sua mente criativa. Olhando para a criação percebemos isso. Eu costumo observar as paisagens naturais como grandes pinturas, seres humanos como pequenas esculturas e assim por diante. Em se tratando do Tabernáculo, o Senhor não ordenou que apenas um tipo de objeto fosse fabricado. Houve variedade: de costura (como as cortinas) à escultura (como a Arca da Aliança).
● Deus possui altos padrões para a Arte.
Os padrões que vemos na obra artística de Deus – a criação – devem ser seguidos por aqueles que se propõem a criar. A Arte autêntica é boa em sua moralidade, ética e estética; é uma expressão da Verdade; possui ordem e sentido e é essencialmente bela.
Tendo o Tabernáculo como exemplo, ao ler para as Escrituras percebe-se que Deus mesmo estabeleceu os padrões do lugar onde deveria ser adorado e, assim, instruiu detalhadamente aos artesãos e construtores acerca dos objetos que seriam fabricados para a adoração solene. Tais objetos não foram produzidos ao acaso, sem sentido ou propósito; cada um possuía um significado simbólico e/ou uma função específica para que o povo adorasse a Deus de maneira apropriada (leia o livro de Levítico para mais detalhes).
O princípio último para a produção de Arte é o mesmo que todo e qualquer cristão deve seguir de forma integral em sua vida: como seres criados por Deus, à Sua imagem e semelhança, devemos seguir Seus passos e buscar imitá-Lo.
Então, vamos resumir estes princípios em quatro pontos:
● o artista é chamado para criar;
● ele deve fazer uso das diferentes expressões artísticas;
● suas obras devem estar dentro dos padrões estabelecidos por Deus; e
● suas criações devem possuir um propósito e um significado que glorifique a Deus.
Viés religioso?
Sabendo que a arte é para a glória de Deus, surge o seguinte questionamento: será que ela deve ser produzida sempre com um viés religioso ou litúrgico? A resposta é: não. Por dois motivos:
1) A Arte não é missionária; você é.
O artista cristão precisa criar uma obra de arte que possua significado e uma cosmovisão em acordo com as Escrituras. Isso não significa dizer que devemos criar, obrigatoriamente, para fins evangelísticos. A ordem do Ide foi dada a pessoas que usam meios diferentes para cumpri-la. A arte pode comunicar a mensagem do Evangelho, mas ela em si mesma não é suficiente. Ordinariamente, é por meio da pregação e exposição das Escrituras que o Espírito convence o homem do pecado, possibilitando o arrependimento para a salvação daquele que o ouve.
2) A Arte não tem o papel de validar o cristianismo.
Nossa fé é validada principalmente pelo relato bíblico. Além disso, nós, através da nossa conduta, temos a responsabilidade de não envergonhar o Evangelho, vivendo como filhos de Deus conforme foi testificado pelo Espírito Santo (cf. Rm 8.16).
Como podemos exercer o ofício artístico sem, produzir para o gospel?
Nossa influência cultural pode seguir por um caminho bastante simples: a promoção de um cristianismo integral, que reconheça o senhorio de Cristo sobre o todo da vida.
Precisamos lembrar que a missão cristã abrange o envolvimento intencional do discípulo de Cristo em exibir a glória de Deus em suas habilidades técnicas, intelectuais, morais e culturais. Há uma necessidade profunda da presença cristã no mundo associada às competências profissionais ou culturais.
Você pode se questionar se a Queda afeta a Arte. Como dito anteriormente: sim, afeta. Todo artista é corrompido. A Queda afetou tudo que há na criação. Nada escapou.
Produzindo Arte para a glória de Deus
Visto que a produção de arte não precisa ser cunhada de religiosidade e evangelicalismo, fica o questionamento: como podemos glorificar a Deus com Arte? Para responder a isto, farei uma divisão em pontos:
● Seus talentos.
Deus deu dons e talentos ao homem. É Ele o doador de toda inteligência e sabedoria (cf. Tg 1.5; 1Rs 4.29; Dn 1.17; Dn 2.21). Cada talento dado por Deus é acompanhado por uma série de habilidades que facilitam a execução de determinado ofício. Descubra em si mesmo algo em que você seja bom e aprimore este talento, reconhecendo que ele foi dado por Deus para a Sua própria glória.
● Suas capacidades.
Tenha em mente que Deus lhe deu as habilidades que você possui. Mas entenda que, por você ser limitado, suas habilidades também são. Deus não lhe deu todos os talentos do mundo, portanto, não queira ser o melhor que existe em tudo. Procure focar naquilo que você tem mais habilidades e capacidades e não queira fazer tudo de uma vez.
● Suas inspirações.
Busque boas referências. Seja qual for a sua ocupação ou qualquer que seja a expressão artística que você decidir aprimorar, é impossível seguir melhorando seu talento quando não se tem algo ou alguém em quem possa se inspirar. Busque observar a criação; a partir de um movimento contemplativo, procure artistas que transmitam uma boa mensagem em suas obras (que não entre em contradição com as Escrituras).
● Produto final.
Depois de compreender e buscar continuamente aprimorar seus talentos e capacidades, a última coisa a ser feita é entender que tudo que é feito debaixo do sol deve ter como objetivo a glorificação de Deus. Portanto, fazendo tudo com excelência, como ao Senhor e não a homens, o produto final é arte para a glória de Deus.
Encerro este artigo orando para que o Senhor desperte você acerca deste assunto. Quem domina a cultura domina o mundo. Como cristãos, precisamos exercer nosso papel não apenas na Igreja, aos domingos, mas também diariamente na sociedade.
“O cristão é alguém cuja imaginação deve voar além das estrelas” Francis Schaeffer.
Notas:
2- Trecho de O Mandato Cultural, por Igor Miguel