João Calvino 1509–1564

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No outono de 1539, João Calvino escreveu para Sadoleto, um cardeal italiano que buscava reconquistar Genebra para a Igreja Católica Romana: “[Seu] zelo pela vida celestial [é] um zelo que mantém um homem inteiramente devotado a si mesmo, e não, nem mesmo por uma expressão, o desperta para santificar o nome de Deus. “Ele continua dizendo que Sadoleto deveria “colocar diante [do homem], como o principal motivo de sua existência, o zelo em refletir a glória de Deus” (Selections from His Writings, 89).

Esta seria uma bandeira adequada sobre toda a vida e obra de Calvino – zelo para refletir a glória de Deus. O significado essencial da vida e da pregação de Calvino é que ele recuperou e incorporou uma paixão pela realidade absoluta de Deus e sua majestade.

Controlado pela Majestade

Calvino nasceu em 10 de julho de 1509, em Noyon, França, quando Martinho Lutero tinha 25 anos e tinha acabado de começar a ensinar a Bíblia em Wittenberg. A mensagem e o espírito da Reforma não chegariam a Calvino por vinte anos e, nesse ínterim, ele dedicou seus anos de jovem adulto ao estudo da teologia medieval, do direito e dos clássicos.

Mas em 1533, algo dramático aconteceu em sua vida por meio da influência do ensino da Reforma. Calvino relata como ele estava lutando para viver a fé católica com zelo quando “Deus, por uma conversão repentina, subjugou e trouxe minha mente a um quadro ensinável… Tendo assim recebido algum gosto e conhecimento da verdadeira piedade, fui imediatamente inflamado por [um] intenso desejo de progredir” (Selections from His Writings, p. 26).

De repente, Calvino viu e provou nas Escrituras a majestade de Deus. E naquele momento, tanto Deus quanto a Palavra de Deus foram tão poderosamente autenticados em sua alma que ele se tornou o servo amoroso de Deus e sua Palavra pelo resto de sua vida.

Pastor de Genebra

Calvino sabia que tipo de ministério ele queria. Ele queria ter o prazer da comodidade literária para que pudesse promover a fé reformada como um estudioso. Mas Deus tinha planos radicalmente diferentes.

Depois de escapar de Paris e finalmente deixar a França inteiramente, Calvino pretendia ir para Estrasburgo para uma vida de produção literária pacífica. Mas enquanto Calvino passava a noite em Genebra, Guilherme Farel, o impetuoso líder da Reforma naquela cidade, descobriu que ele estava lá e o procurou. Foi um encontro que mudou o curso da história, não apenas para Genebra, mas para o mundo. Calvino lembra,

Farel, que ardia de um zelo extraordinário para promover o Evangelho, soube imediatamente que meu coração estava decidido a dedicar-me aos estudos particulares, … e descobrindo que não ganharia nada por meio de suas súplicas, passou a proferir uma imprecação de que Deus amaldiçoaria minha aposentadoria e a tranquilidade dos estudos que eu procurava, se eu me retirasse e me recusasse a dar assistência, que no momento era de uma necessidade muito urgente. Por essa imprecação, fiquei tão aterrorizado que desisti da viagem que havia empreendido.

O curso de sua vida foi irrevogavelmente mudado. Nunca mais Calvino trabalharia no que ele chamou de “tranquilidade dos estudos”. De agora em diante, cada página dos 48 volumes de livros, folhetos, sermões, comentários e cartas que ele escreveu seria martelada na bigorna da responsabilidade pastoral. Nos 28 anos seguintes (além de um hiato de dois anos), Calvino se dedicou a expor a Palavra, exibindo a majestade de Deus nas Escrituras para seu rebanho genebrino.

Glória Recuperada

A necessidade da Reforma era fundamentalmente esta: Roma havia “destruído a glória de Cristo de muitas maneiras” (Portrait of Calvin, 113). A razão, de acordo com Calvino, era que a igreja foi “levada por tantas doutrinas estranhas”, e isso “porque a excelência de Cristo não é mais percebida por nós” (Portrait of Calvin, 66). Em outras palavras, o grande guardião da ortodoxia bíblica ao longo dos séculos foi um apaixonado pela glória e pela excelência de Deus em Cristo.

A questão não é, em primeiro lugar, os conhecidos pontos críticos da Reforma: justificação, abusos sacerdotais, transubstanciação, orações aos santos e autoridade papal. Por baixo de todos eles – e todos eles em jogo para Calvino – estava a questão fundamental de saber se a glória de Deus estava brilhando em sua plenitude ou se estava de alguma forma sendo diminuída. Desde o início de seu ministério até o fim de sua vida, sua estrela-guia na visão foi a centralidade, a supremacia e a majestade da glória de Deus.

Desvendando os tesouros das Escrituras

Geerhardus Vos argumentou que esse foco na glória de Deus é a razão pela qual a tradição reformada teve sucesso mais completo do que a tradição luterana em “dominar o rico conteúdo das Escrituras”. Embora ambos tivessem “se lançado sobre as Escrituras”, havia uma diferença:

Como a teologia reformada se apoderou das Escrituras em sua mais profunda ideia-raiz, foi possível analisá-las mais detalhadamente a partir desse ponto central e deixar que cada parte de seu conteúdo se tornasse única. Essa ideia raiz que serviu como chave para desvendar os ricos tesouros das Escrituras era a preeminência da glória de Deus na consideração de tudo o que foi criado. (Shorter Writings, 243)

O verdadeiro gênio de Genebra não era a mente de João Calvino, mas a paixão pela glória de Deus. Cada geração precisa desvendar os tesouros da Escritura para os perigos e possibilidades peculiares de seu próprio tempo. Inclusive a nossa geração, e não menos do que qualquer outra. Acho que só faremos isso bem se tivermos sido profunda e alegremente dominados pela maior realidade que as Escrituras revelam – a majestade da glória de Deus.

 

Publicado originalmente em DesiringGod.org e traduzido e distribuído em Português em parceria com o Ministério Fiel e Voltemos ao Evangelho.
Produção de audio por DBVoz Studios (voz de Duda Baguera). Revisão e edição por Vinicius Lima.