O Senhor da Igreja e seus Ministros – A propósito do dia do Teólogo

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Comparados com os americanos do século XVIII ou do século XIX, os puritanos tinham seguramente uma mentalidade teológica. As doutrinas da queda do homem, do pecado, da salvação, da predestinação, da eleição e da conversão eram o seu alimento e a sua bebida; contudo, o que verdadeiramente os distinguia da época em que viviam era o fato de estarem menos interessados na teologia em si do que na sua aplicação à vida de todos os dias, em especial à sociedade. Do ponto de vista do século XVII, o seu interesse pela teologia era um interesse prático. Estavam menos preocupados em aperfeiçoarem a sua formulação da verdade do que em darem corpo, na sociedade que formavam na América, à verdade que já conheciam. A Nova Inglaterra dos puritanos foi uma nobre experiência de teologia aplicada.  – Daniel J. Boorstin (1914-2004).[1]

 

Como pastor, creio que o  ensino está associado necessariamente ao aprendizado. Ao contrário do que possa parecer, isso não é tão óbvio assim. Um bom mestre deve continuar sendo um bom discípulo. Mestre pronto, acabado, é uma contradição de termos e, pior, de vivência. Talvez não precisemos fazer cursos de educação continuada mas, certamente, necessitamos transformar a nossa vida em um curso contínuo de aprendizagem.

Quanto mais dispostos a aprender estivermos, mais teremos condições de ensinar com competência, autoridade e modéstia.[2]

 

Modéstia e ensino

A modéstia será reforçada pela compreensão de que também estamos caminhando no aprendizado[3] e, mais ainda, nas lutas por praticar o que aprendemos. Assim, ainda que por vezes em níveis diferentes, estamos todos aprendendo. O mestre é aquele que aprende e, de repente, ensina. De certo modo, todos somos autodidatas porque tendemos a aprender o que filtramos dos outros, selecionamos e internalizamos.

As palavras do teólogo Witsius (1636-1708)  no discurso inaugural na Universidade de Franeker em 1675[4] são iluminadoras:

Pois ninguém ensina bem, a menos que tenha primeiro aprendido bem; ninguém aprende bem, a menos que aprenda com objetivo de ensinar, e aprender e ensinar são inúteis e infrutíferos a menos que venham acompanhados de prática.[5]

O trabalho do teólogo, como aquele que fala (logos), a respeito de Deus (Theós), é grandioso e modesto. Grandioso pelo seu tema, a universalidade de seu conteúdo, e sua abrangência de eternidade à eternidade. Deus, o homem em relação a Deus, às suas múltiplas relações na história e, o seu estado definitivo na eternidade. Esse é o escopo da teologia.[6]

 

Vocação assombrosa

Isso é assombroso. Teologia é uma graça terrificante.[7] O Senhor tremendo (Sl 47.2;145.6)[8] é quem nos chama.[9] O salmista se alegra no temor de Deus, ciente da sua santa majestade: “Porque grande é o SENHOR e mui digno de ser louvado, temível (arey”) (yare) mais que todos os deuses” (Sl 96.4). “Celebrem eles o teu nome grande (lAdG”)(gadol) e tremendo (arey”) (yare), porque é santo (vAdq’) (qadosh)” (Sl 99.3).

O nosso santo temor – uma intimidade reverente – acompanhado de uma atitude condizente obediência, alegra o Senhor que se manifesta com a sua bênção: “Ele abençoa os que temem (arey”) (yare) o SENHOR, tanto pequenos como grandes” (Sl 115.13).

A função do teólogo não é revelar mistérios ou, esclarecer o não-revelado, mas, sermos fiéis ao que Deus nos confiou em sua Palavra (1Co 4.1-2).[10] Não somos videntes nem intérpretes juramentados de Deus. Teologia completa e definitiva é uma contradição arrogante e uma ilusão pecaminosa. Seria uma tentativa insana de elaborar um sistema egofundacional todorreferente (ou Pan-egorreferente final).

Isso faz-me lembrar de Lutero (1483-1546) na Dieta de Worms (1521) quando diante do Imperador, dos príncipes e de clérigos, é pressionado a negar a sua fé. Depois de pedir algumas horas para pensar, argumenta e, por fim, estabelece o padrão de seu pensamento e fé: “… estou vencido pelas Escrituras por mim aduzidas e minha consciência está presa nas palavras de Deus – não posso nem quero retratar-me de nada, porque agir contra a consciência não é prudente nem íntegro”.[11]

 

Os riscos da teologia

A teologia é sempre descritiva das Escrituras esforçando-se por relacionar as partes com o todo a fim de alcançar, por graça, um conhecimento mais completo e exaustivo do que Deus nos confiou em sua Palavra.

Em nosso trabalho, corremos o risco de desprezar a teologia, por meio de uma falta de seriedade para com a Palavra de Deus ou, de valorizá-la por uma perspectiva errada, atraindo para nós os holofotes, desejando cada vez mais sermos aceitos e reverenciados devido à nossa inteligência, eloquência e, por vezes, pela ousadia de nossas afirmações.[12] Nos esquecendo, de que a grandeza de nossa vocação está na imensa misericórdia de Deus. O sucesso no desempenho está na superabundante graça que nos capacita constantemente, nos ensinando, preservando, sustentando, disciplinado, consolando e estimulado.

Essas considerações são altamente estimulantes em nosso ministério: Deus nos chama por graça e nos preserva.

 

O Senhor vocaciona e confere autoridade aos seus servos

Uma das formas pelas quais Deus se vale para cuidar de sua Igreja, é vocacionando e habilitando seus servos para, por meio deles, alimentar e cuidar de seu rebanho.

Deus como Sumo Pastor de suas ovelhas (Hb 13.20; 1Pe 2.25; 5.4), vocaciona e prepara seus pastores auxiliares para a condução de seu povo. É o Espírito, em sua vocação,  quem legitima a existência de presbíteros no Novo Testamento (At 20.28).

Calvino (1509-1564) comentando Is 48.16 − Chegai-vos a mim e ouvi isto: não falei em segredo desde o princípio; desde o tempo em que isso vem acontecendo, tenho estado lá. Agora, o SENHOR Deus me enviou a mim e o seu Espírito” −, escreve:

À luz desta passagem, aprendemos também que os que não possuem esta diretriz do Espírito, muito embora se gabem de haver sido enviados por Deus, devem ser rejeitados; tais como aquelas catervas papais de lobos que se gloriam no título de pastores e professores, e impudentemente se gabam de sua missão, muito embora sejam totalmente opostos ao Espírito de Deus e à Sua doutrina. Em vão se gabam de haverem sido enviados ou autorizados por Deus, quando não se acham adornados com os dons do Espírito, os quais são necessários para a execução de tal ofício. Pretextar possuir a inspiração do Espírito, enquanto são inteiramente destituídos de fé, e não possuir sequer a mínima fagulha de doutrina é excessivamente nauseante. Suponhamos uma assembleia de bispos mitrados, cuja maioria seja notória por sua ignorância, e entre trezentos dos quais raramente se achará dez que possuam moderada participação nos rudimentos da piedade; que poderia ser mais néscio do que tal assembleia gabar-se de ser governada por “o Espírito”?[13]

Da mesma forma, estudando Is 61.1 − “O Espírito do SENHOR Deus está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados” −, comenta:

O Profeta não reivindica para si mesmo o direito e autoridade para ensinar, antes de mostrar que o Senhor “o enviou”. A autoridade se baseia em ele ter sido “ungido”, isto é, equipado por Deus com os dons necessários. Não devemos ouvi-lo, portanto, como um indivíduo particular, mas como um ministro público que veio do céu.[14]

Portanto, a vocação ministerial é para o serviço, não para o domínio (1Pe 5.1-2). E mais: o poder eficiente de toda vocação é de Deus, quem chama e preserva. Lucas descreve de forma sucinta e reverente a vocação do Apóstolo Paulo e a comissão de Ananias:

15 Mas o Senhor lhe disse: Vai, porque este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel; 16 pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome. 17 Então, Ananias foi e, entrando na casa, impôs sobre ele as mãos, dizendo: Saulo, irmão, o Senhor me enviou, a saber, o próprio Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas, para que recuperes a vista e fiques cheio do Espírito Santo. (At 9.15-17).

Mais tarde, Paulo pôde escrever a Timóteo: “Sou grato para com aquele que me fortaleceu, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me considerou fiel, designando-me para o ministério” (1Tm 1.12). Reconhecendo que a sua fidelidade era resultado direto da misericórdia de Deus que o capacitou (1Co 7.25).[15]

No seu chamado, Paulo reconhecia a autoridade apostólica conferida pelo Senhor para a edificação da Igreja: “Porque, se eu me gloriar um pouco mais a respeito da nossa autoridade, a qual o Senhor nos conferiu para edificação e não para destruição vossa, não me envergonharei” (2Co 10.8/2Co 13.10;1Co 5.1-5).

Calvino acentuou a responsabilidade do presbítero. Entende que Deus se dignou em consagrar a si mesmo “as bocas e línguas dos homens, para que neles faça ressoar própria voz”.[16] Deste modo, os pastores não estão a seu próprio serviço, mas de Cristo; “são ministros de Cristo que servem à sua igreja”.[17] A igreja é a razão da existência desses ofícios (1Co 3.22; Ef 4.12). Eles buscam discípulos para Cristo, não seguidores para suas ideias e concepções pessoais.

Paulo, Pedro, João e Judas, como os demais apóstolos, em maior ou menor proporção, tiveram uma experiência profunda e inigualável com o Senhor Jesus. Foram chamados por Ele mesmo e, com exceção de Paulo, andaram com o Senhor em sua encarnação. No entanto, esses homens não alegavam terem superpoderes ou uma fé especial. Antes, reconheciam-se como alcançados pela mesma graça perdoadora. Por isso, dirigem-se aos demais cristãos como irmãos, reconhecendo a mesma fonte genética: o sangue de Cristo. (Rm 12.1; 1Tm 1.12-16; Tt 1.4; 1Pe 5-1.3; 2Pe 1.1; 1Jo 1.1-3; Jd 3).

É preciso que tenhamos esta consciência derivada do ensino bíblico. Deus é o Senhor da Igreja. É Ele quem constitui seus oficiais.

Deus manifesta a sua vontade por intermédio da eleição realizada pela assembleia da igreja conforme a sua forma de governo derivada das Escrituras. Deus sabe sempre o que é melhor para a sua Igreja ainda que nem sempre tenhamos a visão imediata do seu propósito, o que, diga-se de passagem, é mais do que natural.

É Deus mesmo quem na condução de sua Igreja utiliza-se de seus servos a quem   escolhe e chama, sendo a Igreja o instrumento de Deus para a execução de parte desse processo.

 

A Igreja é guiada pelos escolhidos de Deus

Quando Paulo se despede dos presbíteros de Éfeso lhe diz: “Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (At 20.28).

A Igreja é um organismo e uma organização. Como organismo enfatizamos a sua eternidade dentro do propósito de Deus. Essa é a igreja invisível, santa e pura que se concretiza na história por meio da igreja como organização, identificada pela fiel proclamação da Palavra, a administração correta dos sacramentos e o exercício fiel da disciplina.

Ambos os aspectos da mesma igreja são constituídos pelo Espírito. O organismo acentua além da eternidade, a sua espiritualidade e vitalidade. A organização demonstra a necessidade de esse organismo ser organizado materialmente por meio do seu modus operandi que envolve as suas estruturas, leis e ação na história. Por isso, a igreja precisará sempre ter uma estrutura administrativa, normas, liderança, etc. (Rm 12.8).

Bavinck (1854-1921) escreve de forma esclarecedora:

O governo é indispensável para a igreja como ajuntamento dos crentes. Assim como um templo precisa de um arquiteto, o campo, de um semeador, uma vinha, de um tratador, uma rede, de um pescador, um rebanho de um pastor, um corpo, de uma cabeça, uma família, de um pai, um reino, de um rei, assim também a igreja é inconcebível sem uma autoridade que a sustente, oriente, cuide e proteja. Em certo sentido, ainda mais especial que no caso do campo político, essa autoridade se baseia em Deus. (…) Assim como no campo civil ele concedeu soberania ao governo, assim também na igreja ele designou Cristo para ser rei. (…) No entanto, (…) aprouve a ele, sem de forma nenhuma transferir sua soberania às pessoas, usar o serviço delas no exercício de sua soberania e pregar o evangelho por meio delas a todas as criaturas. Também nesse sentido, a igreja nunca ficou sem governo. Ela sempre foi organizada e institucionalizada de algum modo.[18]

            Keller assim descreve a igreja mais propriamente como organização:

Para ser exercidos, esses dons têm de ser reconhecidos publicamente pela igreja, o que requer certa organização. Não há como exercitar o dom de liderança (Rm 12.8) sem que haja uma estrutura institucional: eleições, estatutos, ordenação e padrões de credenciamento. Ninguém consegue governar sem algum tipo de acordo feito pela igreja toda sobre os poderes conferidos aos governantes e como esses poderes serão exercitados legitimamente.[19]

O organismo vivencia a sua realidade por meio da igreja como instituição e como povo no exercício de sua vocação na sociedade. O problema é quando a sua estrutura organizacional nega em sua prática a espiritualidade de sua essência. Desse modo, um dos indícios dessa inversão é quando a estrutura eclesiástica passa a ser o grande e único foco da igreja à qual todas as demais coisas passam a estar subordinadas.

Assim, o grande elemento identificador do sucesso profético dessa igreja é a sua riqueza, templos requintados, reconhecimentos e membresia. Junto com isso vêm o desejo de perpetuação no poder, o fascínio por cargos e comissões, os quais devem ser bem distribuídos geograficamente, sem perder a dimensão de contemplar os grupos que fazem pressão, para acalmar os corações sedentos por servir a Deus com mais conforto e visibilidade. E tudo como uma linguagem em envolve termos “servir à Igreja”, para “glória de Deus”, etc.

A expressão material de nossa fé não pode ser dissociada da essência da fé que brota e fundamenta-se na Palavra, caso contrário, será uma expressão de algo falso, apenas para ser professada, não para ser vivenciada. A vida manifesta a nossa fé.[20] Não há alternativa: Ou a nossa vida expressa de forma coerente a fé professada ou a nossa vida nega a nossa fé, revelando uma outra fé. Sem fé não vivemos!

 

Quem cuida dos pastores?

No primeiro dia de 1553, Calvino escreveu a carta dedicatória  dos comentários do Evangelho de João aos síndicos de Genebra. Disse então:

Espontaneamente reconheço diante do mundo que mui longe estou de possuir a cuidadosa diligência e outras virtudes que a grandeza e a excelência do ofício requer de um bom pastor, e como continuamente lamento diante de Deus os numerosos pecados que obstruem meu progresso, assim me aventuro declarar que não estou destituído de honestidade e sinceridade na realização de meu dever.[21]

De fato, o Senhor que vocaciona os seus ministros também os capacita concedendo graça para realizarem a sua obra. Aliás, Deus sempre age assim. Ele não chama pessoas supostamente capacitadas. E mesmo que fossem, quem as teria capacitado antes senão o próprio Deus?

Deus não nos veste com fantasias com faixas e títulos que para nada mais servem senão para exibir a nossa vaidosa fragilidade. Não. A nossa suficiência vem de Deus. Isso é graça abundante (2Co 3.5/1Co 3.5; 4.7). Em síntese, Deus torna os seus escolhidos, por sua constante assistência, pessoas competentes para realizarem a obra por Ele designada. Isso não significa, capacitação prévia, perfeição ou a impossibilidade de quedas e evidente fragilidade durante o processo.

Calvino sabia disso. Por volta de 1556, escreveria: “É Deus quem nos equipa com o Espírito de poder. Pois aqueles que, por outro lado, revelam grande força, caem quando não são sustentados pelo poder do Espírito de Deus”.[22]

 

Tornemos às Escrituras.

Paulo durante a sua Primeira Viagem Missionária já se ocupava em fortalecer as igrejas, inclusive, constituindo as lideranças, rogando a Deus o discernimento para isso. Assim, mesmo correndo risco de morte, corajosamente voltou à região onde sofrera grande perseguição,[23] para fortalecer os irmãos.

Parece que em Atos a pregação do Evangelho e a difusão do Reino, envolviam ser alvo de perseguição e morte. Os “heróis” de Atos tinham a cruz como companheira constante. A glória pressupõe a cruz. Esta pavimenta por vezes o caminho do cristão (At 14.22; Rm 8.17/2Tm 2.10-12[24]).[25]

Dentro do propósito apostólico de fortalecer e consolidar as igrejas a fim de que o Evangelho não caísse no esquecimento e as igrejas seguissem estruturadas com seus ofícios ordinários,[26] a sua agenda envolvia a eleição de presbíteros para que continuassem o ensino na igreja.[27] A rapidez do processo descrito pode ser explicada pela conversão de muitos judeus que certamente, estavam familiarizados com as Escrituras do Antigo Testamento e, também, pelo trabalho missionário judaico entre os pagãos.[28] Lucas narra:

 19 Sobrevieram, porém, judeus de Antioquia e Icônio e, instigando as multidões e apedrejando a Paulo, arrastaram-no para fora da cidade, dando-o por morto. 20 Rodeando-o, porém, os discípulos, levantou-se e entrou na cidade. No dia seguinte, partiu, com Barnabé, para Derbe. 21 E, tendo anunciado o evangelho naquela cidade e feito muitos discípulos, voltaram para Listra, e Icônio, e Antioquia, 22 fortalecendo a alma dos discípulos, exortando-os a permanecer firmes na fé; e mostrando que, através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus. 23 E, promovendo-lhes, em cada igreja, a eleição de presbíteros, depois de orar com jejuns, os encomendaram (parati/qhmi = confiar, entregar) ao Senhor (ku/rioj) em quem haviam crido. (At 14.19-23).

Notemos que os presbíteros que foram eleitos eram entre os crentes; os que criam no Senhor e, que mediante a votação popular, seus dons já demonstrados ao longo do tempo, seriam reconhecidos pela congregação local (At 14.23). Desse modo, a vocação divina é confirmada pela igreja. Essas duas facetas caminham juntas de modo inseparável.  Eles, como todos os demais crentes, foram confiados ao Senhor da Igreja. Os presbíteros terão responsabilidades espirituais maiores (At 20.28), contudo, por graça, não são autônomos; continuam sendo do Senhor.

Somente o Senhor pode nos confirmar em nosso trabalho e ofício. É Ele quem dirige e preserva a Igreja. A igreja deve orar por seus presbíteros, agradecendo e intercedendo.  Foi Deus mesmo quem os vocacionou para esse ofício específico.[29]

Os presbíteros devem orar pela igreja, reconhecendo a sua total incapacidade em conduzir o povo de Deus sem a bênção do Senhor. Orar é expressar a convicção de nossa total incapacidade e, ao mesmo tempo, total confiança no Senhor. Portanto, os presbíteros devem buscar instrução, discernimento e amparo no Senhor, à quem foram confiados.

Calvino comentando o texto, fala dos motivos da oração por parte de igreja:

O primeiro era que Deus os dirigisse com o Espírito de sabedoria e discrição a fim de que todos escolhessem os homens melhores e mais aptos. Pois bem sabiam que não eram dotados com tão grande sabedoria, que fossem isentos de engano, nem pusessem demasiada confiança em sua diligência pessoal, que não soubessem que a ênfase primordial é posta na bênção divina. Assim vemos diariamente que os critérios dos homens erram onde não se manifesta nenhuma diretriz celestial, e que em todos os labores nada resulta se a mão divina não estiver com eles. Estes são os genuínos auspícios dos santos: invocar o Espírito de Deus para que presida seus conselhos. E se esta é a regra a observar-se em todas as nossas atividades, então, no que diz respeito ao governo da Igreja, o qual depende inteiramente de sua vontade, devemos tomar todo cuidado para nada tentarmos senão tendo-o por Líder e Presidente.

Ora, seu segundo propósito em orar era para que Deus dotasse com os necessários dons àqueles que eram eleitos pastores. Pois o cumprimento deste ofício, tão fielmente quanto se deve, é uma atividade mais árdua do que a força humana é capaz de suportar. Portanto, imploram o auxílio divino também nesta conexão, com Paulo e Barnabé assumindo a liderança.[30]

Em outro lugar, acrescenta:

Como compreendessem estarem a fazer cousa de todas a mais séria, nada ousavam tentar senão com suma reverência e solicitude. Mais do que tudo, porém, aplicaram-se às preces, nas quais a Deus pedissem o Espírito de conselho e discernimento.[31]

Aqui está um grande conforto para a igreja e, em especial para os presbíteros e líderes em geral. Permaneçamos no âmbito de nossa vocação.

A nossa esfera é anunciar a Palavra, alimentar e cuidar do rebanho. No entanto, não temos autoridade para ultrapassar a Palavra, nem dispomos de poderes para converter ninguém. Não queiramos ir além do que nos foi proposto e confiado. Somos pregadores e testemunhas.

O sobrenatural desta missão pertence a Deus que revela já de início o seu misericordioso poder ao transformar pecadores em pregadores. Sem esta compreensão, corremos o sério risco de nos esgotarmos terrivelmente em nossas ansiedades criadas pela falta do entendimento adequado do Evangelho de Deus, do que somos e de nossa missão.[32]

A Grande Comissão não falhará; ela está totalmente sob a autoridade e poder do Deus Triúno.[33] Como teólogos somos chamados à reflexão bíblica, oração, pregação e testemunho. Deus realizará a sua obra. Em sua misericórdia, o fará ordinária e sobrenaturalmente por nosso intermédio. Isso é extremamente terrificante e alentador. A Deus toda honra, poder e glória. Amém!

 

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

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[1]Daniel J. Boorstin, Os Americanos: A experiência colonial, Lisboa: Gradiva, 1997, p. 17. “Provavelmente, o puritanismo seja mais bem definido como uma versão da ortodoxia reformada que enfatizava de modo especial os aspectos empírico e pastoral da fé” (Alister E. McGrath, Teologia, sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 117).

[2]Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 45.

[3] Como bem sumariou Carl Rogers (1902-1987): “Aquele que aprende está unicamente interessado em continuar a aprender” (Carl R. Rogers, Tornar-se pessoa,  São Paulo: Martins Fontes, 1977, p. 255).

[4] Universidade na qual estudara Descartes (1599-1650), uns 45 anos antes.

[5] Herman Witsius, O Caráter do Verdadeiro Teólogo, São Paulo: Teocêntrico Publicações, 2020. Edição do Kindle.  Localização: 142-143).

[6] “No círculo das ciências, a teologia tem direito a um lugar de honra, não por causa das pessoas que pesquisam essa ciência, mas em virtude do objeto que ela pesquisa; ela é e continuará sendo – desde que esta expressão seja entendida corretamente – a rainha das ciências” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 53). “A teologia e a dogmática, também, existem por causa de Deus” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada, v. 1, p. 46).

[7] Após escrever isso, recordei-me do já mencionado discurso inaugural que Witsius (1636-1708) ministrou aos seus alunos, e a uma audiência de toda a província, em Franeker, em 1675: “Eu sou ao mesmo tempo assombrado por um grande e bem fundamentado medo de falhar em cumprir exatamente o trabalho que me foi designado” (Herman Witsius, O Caráter do Verdadeiro Teólogo, São Paulo: Teocêntrico Publicações, 2020.(Locais do Kindle 11-12). Edição do Kindle.  Localização: 91-92).

[8] “Pois o SENHOR Altíssimo (!Ayl.[,) (elyon) é tremendo (arey”) (yare), é o grande rei de toda a terra” (Sl 47.2). “Falar-se-á do poder dos teus feitos tremendos (arey”) (yare), e contarei a tua grandeza (hL’WdG>) (gedullah) (Sl 145.6).

[9] “É somente pela vocação divina que os ministros da Igreja se tornam legalmente efetivados. Quem quer que se apresente sem ser convidado, seja qual for a erudição ou eloquência que o mesmo possua, esse não recebe autoridade alguma, porquanto não veio da parte de Deus” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.31), p. 71). Veja-se também:  D.M. Lloyd-Jones, Discurso feito em setembro de 1967 numa conferência estudantil no Seminário Teológico de Westminster, em Filadélfia. In: Discernindo os Tempos, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1989, p. 274-275.

[10] Assim, pois, importa que os homens nos considerem como ministros de Cristo e despenseiros dos mistérios de Deus.  2 Ora, além disso, o que se requer dos despenseiros é que cada um deles seja encontrado fiel” (1Co 4.1-2).

[11]Martinho Lutero, Discurso do Dr. Martinho Lutero Perante o Imperador Carlos e os Príncipes na Assembleia de Worms – Quinta-feira depois de Misericordias Domini. In: Martinho Lutero: Obras Selecionadas, São Leopoldo, RS.; Porto Alegre, RS.: Sinodal; Concórdia, 1996, v. 6, p. 126. McGrath está correto ao afirmar: “Permitir que novas ideias e valores tornem-se controlados por qualquer coisa ou pessoa que não a autorrevelação de Deus na Escritura é adotar uma ideologia, em vez de uma teologia; é tornar-nos controlados por ideias e valores cujas origens se acham fora da tradição cristã – e potencialmente tornar-nos escravizados por eles” (Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 53).

[12] “Se somos bem-sucedidos de uma maneira menor ou maior, louvemos a Ele por isso. (…) Devemos guardar nosso coração para não contaminar nosso serviço regozijando-nos em nossa própria glória demonstrada no sucesso em vez de na glória de Deus” (Vern S. Poythress, O Senhorio de Cristo: servindo o nosso Senhor o tempo todo, em toda a vida e de todo o nosso coração, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 141).

[13] John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, (Calvin’s Commentaries), 1996, v. 8/3, p. 484-485.

[14]John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, (Calvin’s Commentaries), 1996, v. 8/4, p. 304.

[15]“Com respeito às virgens, não tenho mandamento do Senhor; porém dou minha opinião, como tendo recebido do Senhor a misericórdia de ser fiel” (1Co 7.25).

[16]João Calvino, As Institutas, IV.1.5.

[17] Herman Bavinck, Dogmática Reformada − Espírito Santo, Igreja e nova criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 332.

[18] Herman Bavinck, Dogmática Reformada − Espírito Santo, Igreja e nova criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 333. “A instituição do apostolado é uma evidência especialmente forte do caráter institucional que Cristo deu à sua igreja sobre a terra” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada − Espírito Santo, Igreja e nova criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 337).

 

[19]Timothy Keller, Igreja centrada, São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 409.

[20] “A fé, sem a evidência de boas obras, é inutilmente pretendida, porque o fruto sempre provém da raiz viva de uma boa árvore” (John Calvin, Commentaries on the Epistle of James, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996, (Calvin’s Commentaries, v. 22/2), (Tg 2.18), p. 312).

[21]João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, p. 23.

[22] João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 1.7), p. 204.

[23] “A popularidade universal está para os falsos profetas, assim como a perseguição para os verdadeiros” (John R.W. Stott, A Mensagem do Sermão do Monte, 3. ed. São Paulo: ABU, 1985, p. 44).

[24]“Fortalecendo a alma dos discípulos, exortando-os a permanecer firmes na fé; e mostrando que, através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus” (At 14.22). “Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados” (Rm 8.17).10 Por esta razão, tudo suporto por causa dos eleitos, para que também eles obtenham a salvação que está em Cristo Jesus, com eterna glória. 11 Fiel é esta palavra: Se já morremos com ele, também viveremos com ele; 12 se perseveramos, também com ele reinaremos; se o negamos, ele, por sua vez, nos negará” (2Tm 2.10-12).

[25]“Sofrimento, aflição, tribulações e testes – estes são dons que Deus nos dá para nosso crescimento, as pedras de pavimentação necessárias no caminho que conduz à plenitude de caráter e de alegria” (Bruce Ware, Cristo Jesus homem: Reflexões teológicas sobre a humanidade de Jesus Cristo, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013, p. 108).

[26]“O programa missionário, para ser completo, há de visar à fundação de igrejas que a si mesmas governem, sustentem e promovam os meios de sua propagação. Foi sempre este o propósito e a prática do apóstolo Paulo”, escreveu Erdman (1866-1960), em 1919, antigo professor de Princeton (Charles R. Erdman, Atos dos Apóstolos, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1960, p. 112).

[27]Veja-se: John Calvin, Commentary upon the Acts of the Apostles, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (Calvin’s Commentaries), 1996 (Reprinted), v. 19, (At 14.23), p. 27.

[28] “Duvido que, em poucos meses, Paulo pudesse indicar presbíteros numa congregação inteiramente composta de ex-pagãos e ex-idólatras. Nesse caso, é quase certo que teria havido um período de transição de missão para igreja, enquanto os presbíteros estariam sendo ensinados e treinados” (John R.W. Stott, A Mensagem de Atos: Até os confins da terra, São Paulo: ABU, (A Bíblia Fala Hoje),1994, (At 14.21-28), p. 267).

[29]Cf. Cornelis Van Dam,  O Presbítero, São Paulo: Cultura Cristã, 2019, p. 18.

[30]John Calvin, Commentary upon the Acts of the Apostles, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (Calvin’s Commentaries), 1996 (Reprinted), v. 19, (At 14.23), p. 28.

[31]J. Calvino, As Institutas, IV.3.12.

[32]“As pessoas ansiosas são cativadas por toda e qualquer forma de certezas que se lhe ofereçam, não importando quão irracionais sejam elas. Tais pessoas tornam-se vulneráveis a influências estranhas, e fazem coisas tolas” (J.I. Packer, O Plano de Deus para Você, 2. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2005, p. 102).

[33] Veja-se: Michael Horton, A Grande Comissão, São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 27-39.

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