Nota do editor: Este é o oitavo de 17 capítulos da série da revista Tabletalk: Cristianismo e liberalismo.
A Primeira Guerra Mundial virou a Europa de cabeça para baixo, derrubou o otimismo do Iluminismo e deu início à Europa pós-Iluminismo. No entanto, nos Estados Unidos os jovens, sem se deixar intimidar pela guerra, começaram a tentar trazer à Terra o reino de Deus por meio da ação social. Denominavam sua mensagem de “evangelho social”, seu principal pregador era Walter Rauschenbusch (1861-1918), que se esforçou para lidar com a pobreza que encontrou em Hell’s Kitchen (em Nova York) pregando um “evangelho” de melhoria social e trabalhando para trazer o reino de Deus à Terra por meio da ação social. Essa era a definição deles de salvação.
Contudo, J. Gresham Machen (1881-1936) também sobreviveu à Primeira Guerra Mundial e defendeu uma doutrina diferente, que sustentava que a igreja visível representa o reino espiritual de Cristo na Terra e que os cristãos existem no que João Calvino chamou de “reino duplo” (Institutas 3.19.15). Para Machen, a salvação era uma ideia grandiosa demais para ser levada adiante. Reconheceu que o cristianismo era “certamente uma vida”, mas como ele foi produzido? Os evangelistas sociais pensavam que poderiam trazer essa vida “por meio de exortações”, escreveu Machen, porém tal abordagem sempre se mostra “impotente”. Ele explicou: “A peculiaridade do cristianismo foi que ele adotou um método completamente distinto. Transformou a vida dos homens não apelando à vontade humana, mas contando uma história; não por exortações, mas com a narração de um evento”. Ele reconheceu que tal abordagem parece “impraticável”. É o que Paulo chamou de “a loucura da pregação”. Parecia loucura para o Mundo Antigo e também para os professores liberais de hoje”. No entanto, os “efeitos disso aparecem até mesmo neste mundo. Onde falha a exortação mais eloquente, a simples história de um acontecimento tem sucesso; as vidas dos homens são transformadas por uma notícia”.
O evangelho social reduziu o problema humano à pobreza material. Para Machen, um estudante de Paulo e agostiniano, nosso problema é muito mais profundo. Em seus discursos de rádio de 1935, explicou que o pecado é muito mais do que “conduta antissocial”, como os progressistas e os evangelistas sociais acreditavam. A verdadeira definição de pecado é “desobediência a uma ordem de Deus”. É, como o Breve Catecismo de Westminster expressa de forma tão impressionante: “Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus, ou qualquer transgressão desta lei” (P. 14). Para os evangelistas sociais, o salário do pecado é meramente a pobreza, porém para Machen, assim como para Paulo e Agostinho, “o salário do pecado é a morte” (Rm 6:23), e uma morte muito específica: o castigo eterno. Assim como a justiça de Cristo é imputada a todos os que estão “em Cristo”, somente pela graça e pela fé somente, assim também o pecado de Adão é imputado a todos os que estão nele, e a maldição era “no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2:17). A culpa do pecado “merece castigo eterno”.
Nesse contexto, então, devemos entender a doutrina de salvação de Machen, isto é, a libertação da ira divina para um estado de bem-aventurança e favor. Aqueles que Deus salva são pecadores condenados, e são salvos somente pela graça, mediante a fé somente. Machen passou um bom tempo em suas palestras de rádio explicando sobre o antigo herege Pelágio (falecido por volta de 410 d.C.), quem rejeitava a postura de Agostinho sobre o pecado e a graça, e cujas opiniões foram condenadas pelo Concílio de Éfeso (431 d.C.). Pelágio ensinou que todos nascemos bons, como Adão, e que cada um de nós tem o potencial de alcançar a perfeição sem a ajuda da graça, se apenas imitarmos Jesus em vez de Satanás. Sem dúvida, a disputa com os modernistas fez com que Machen buscasse as ideias de Pelágio, que eram muito semelhantes a Pelágio. Machen se queixou dos pelagianos por terem uma visão “superficial” do pecado. A doutrina bíblica (e agostiniana) da depravação é que somos tão corrompidos pelo pecado e seus efeitos que somos incapazes de nos salvar. Somos totalmente dependentes da graça livre e soberana de Deus. A doutrina de salvação de Machen é maravilhosamente clara:
O que [Jesus] fez não foi para que eles pudessem se salvar. Não, Ele fez muito mais do que isso. Ele os salvou. Ele os salvou com um poder completamente irresistível. Cada passo que leva à salvação dos eleitos de Deus foi realizado segundo o Seu plano eterno. Esse é o aspecto crucial que desejamos tornar claro em toda a nossa exposição sobre a doutrina bíblica da salvação. Vou repetir, e se pela mera repetição pudesse gravar isso para sempre em suas mentes e corações, ficaria feliz em repeti-lo cem vezes. Deus, digo eu, por Sua obra salvífica, não tornou possível que os pecadores se salvassem a si mesmos, Ele os salvou.
Ele já havia dito a mesma coisa praticamente com as mesmas palavras em Cristianismo e liberalismo, em 1923.Os evangelistas sociais ensinaram que podemos e devemos “salvar-nos” “através do amor”. Contudo, para Machen tal doutrina era apenas “semipelagianismo”. Para os evangelistas sociais, a esperança é “aplicar os princípios de Jesus” ao mundo, como se Ele fosse um mero professor ou profeta. Entretanto, para Machen a “obra redentora de Cristo, que está no centro da Bíblia, é aplicada à alma individual […] pelo Espírito Santo”. Portanto, “não encontramos esperança permanente para a sociedade nos meros ‘princípios de Jesus’ ou semelhantes, a encontramos no novo nascimento de almas individuais”.
O mundo que Machen conheceu na infância terminou nos campos de batalha da França durante a Primeira Guerra Mundial, porém para Machen, em contraste com os evangelistas sociais, o evangelho permaneceu vivo. Nações e impérios desmoronam, mas Cristo reina, Seu evangelho continua e Sua igreja perdura porque, embora as culturas entram em colapso, Deus nunca muda, e é de Sua ira, acima de tudo, que os pecadores devem ser salvos.
Este artigo foi publicado originalmente na TableTalk Magazine.