Simonton, a “Imprensa Evangélica” e seus nobres ideais – Parte 6

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Considerações finais: Sonho pela liberdade religiosa e a Proclamação da República

Como a Inquisição não teve penetração no Brasil, exceto as visitas do Santo Ofício, isso contribuiu para formar uma mentalidade mais tolerante entre os católicos. Onde a Inquisição era voraz em suas práticas, os seus horrores dominavam também as mentes.

Nesses países o protestantismo não teve como florescer senão tardiamente. O Brasil não conheceu de forma plena a força dos tentáculos da Inquisição ainda que tenha se ressentindo de sua influência de modo especial na Bahia, Grão-Pará e Pernambuco.

O Brasil contou também com outro ingrediente fundamental entre os intelectuais: o liberalismo. Esse como filho legítimo do Iluminismo – tão expressivo em suas conquistas na Europa –, teve preponderância no final do século XVIII em Portugal. Onde o Iluminismo teve ascensão, o espírito de tolerância era um ingrediente natural e compulsório. Ele não tardou a manifestar os seus efeitos em Portugal, especialmente por intermédio do Marquês de Pombal (1699-1782)

Como muitos dos Constituintes estudaram em Coimbra após a reforma pombalina, receberam uma influência iluminista e liberal que se manifestou em sua perspectiva religiosa.[1]

Outro elemento relevante foi o econômico. Isso é por demais evidente em diversos discursos dos parlamentares na Constituinte de 1823.

O fato, conforme pudemos ver, é que a Constituição de 1824 ofereceu a base legal para a implantação do culto protestante no Brasil e para a prática de culto acatólico por parte de brasileiros.

Após o estabelecimento do protestantismo no Brasil, percebemos que estes desejavam não apenas a tolerância, mas, sim, a igualdade na liberdade dos cultos. Assim, quando a República foi proclamada, na semana seguinte a Imprensa Evangélica traz um editorial entusiasta, com o título: Estados Unidos do Brazil.[2] Nele o articulista diz:

Acabamos de presenciar o acontecimento mais estupendo e extraordinário que se tem dado no século presente. Já está consumado, já ninguém duvida de sua realidade, mas tão maravilhoso ele se apresenta aos nossos olhos, que mais parece um sonho ilusório do que um fato real e acabado.

No entanto, o articulista explica que o acontecimento estupendo não se refere simplesmente à mudança na forma de governo, mas, ao fato digno de orgulho: O Brasil “ter realizado a reforma mais radical sem deixar perceber a mínima alteração na ordem pública, e no sossego da nação.” Neste clima de profunda transformação e ao mesmo tempo de paz, não houve mudança nem “oscilação no câmbio, que se altera a qualquer queda ou mudança no ministério!”.

O autor encerra o artigo entusiasmado com a República e com as novas perspectivas de liberdade religiosa:

Entretanto, vendo no governo atual ordem, liberdade e garantia, e esperando dele ainda a mais completa liberdade de cultos, não pode deixar de aderir de coração à nova forma de governo e prestar-lhe todo o seu apoio.

Todos os acatólicos, que no antigo regime apenas tinham uma tolerância para o seu culto e isto, para humilhação, em casa sem forma exterior de templo, ficarão sumamente satisfeitos vendo agora surgir a mais plena liberdade de cultos ou antes a plena liberdade de cultos que é o que deve ser decretado pela república.[3]

No periódico metodista, Expositor Christão, encontramos alegria semelhante:

…. 15 de novembro, é hoje, é o dia mais glorioso na história desta grande nação. Pois este traz mais do que a liberdade dos nossos corpos. Com ele raiou a liberdade de consciência, a liberdade religiosa.[4]

…. esse glorioso dia augura para todas as classes a mais plena liberdade religiosa e de consciência, de modo que ninguém, quer católico, quer acatólico seja estigmatizado pelas convicções sólidas e honestas que abrace.[5]

A antiga esperança torna-se agora uma exigência, considerando que a própria monarquia já se dispusera a fazer tal abertura: “O governo provisório da República não deve demorar por mais tempo o decreto da abolição da união da igreja com o estado, estabelecendo a plena igualdade de cultos no Brasil”.[6]

Toca então, no brio dos republicanos:

…. Ora, como poderá o governo da República sustentar por mais tempo a grande injustiça, ou antes o odioso monopólio, que até a própria monarquia já não podia mais suportar?

O verdadeiro governo republicano deve ser a última expressão da liberdade, da igualdade da fraternidade; enquanto porém se vir ainda uma religião privilegiada e cheia de regalias para uns, e as outras apenas toleradas para outros enquanto se observar que para uns, o estado faz a despesa do culto, e para outros nega-lhes até o direito de terem uma igreja com forma exterior de templo, quando ambos pagam, na mesma razão, os direitos para as despesas da nação; enquanto se vir esta injustiça revoltante de uns quererem ter mais direitos de que os outros, não se pode admitir que haja liberdade, igualdade e fraternidade no Brasil.[7]

O articulista não reivindica a manutenção da igreja pelo Estado, antes a sua própria subsistência:

Cada religião deve manter-se à custa de seus próprios fiéis; aqueles que desejam ver nos templos ricos parâmetros, luxuriosos enfeites, e deslumbrantes decorações, abram a bolsa e paguem convenientemente esta regalia, e não queiram que os cofres do estado, que contém só o suor dos que trabalham, a satisfaçam esta despesa vaidosa e inteiramente desnecessária.

A manutenção de cada culto deve correr exclusivamente por conta de seus respectivos crentes; cada cidadão deve pagar aquilo de que goza; obrigar porém, a todos os cidadãos a concorrem para o subsídio de um culto que só parte da nação aceita, é isto uma injustiça revoltante, é uma tirania que a República não deve de modo algum tolerar por mais tempo.[8]

O editorial da Imprensa de 07/12/1889 reafirma a sua confiança na República brasileira e vaticina o futuro católico:

Estamos satisfeitos com o advento da República porque podemos ter a liberdade e justiça, que reclamamos há muitos anos.[9]

Temos confiança nos homens que hoje dirigem os altos negócios do Estado e esperamos ter em breve, plena liberdade para os nossos cultos e sabemos que o romanismo perderá grande parte do prestígio que nunca soube merecer.[10]

No mesmo editorial, conclama o povo evangélico a solidificar a liberdade esperada com a proclamação do Evangelho:

…. a nossa tarefa não está completa. (…) Às Igrejas Evangélicas compete o trabalho de lançar as bases da liberdade da pátria sobre a Rocha dos séculos, para que seja conhecida a religião pura sem a qual não pode haver verdadeira liberdade em país qualquer.[11]

Por mais que proclamem a liberdade e a fraternidade no Brasil ou em outro país qualquer, onde não haja uma aceitação geral da Sagrada Escritura, de seus princípios divinos e de sua moral pura e severa, não pode haver uma República bem assentada e bem dirigida.[12]

A Imprensa continuou a sua empreitada pró-liberdade de Culto. Na edição de 14/12/1889, se propõe a mostrar que católico romano de fato – aquele que segue os mandamentos da “Santa Madre Igreja” –, é uma minoria dos 15 milhões de habitantes do Brasil.[13]

No Editorial de 21 de dezembro de 1889, a Imprensa já se torna mais moderada em seu entusiasmo, pedindo às igrejas que orem pela República: “Atualmente o horizonte está carregado. Assinalamos tudo isto em nossas colunas, não para causar desânimo no espírito de qualquer pessoa, mas para chamar as igrejas evangélicas à oração”.[14]

Na última edição da Imprensa de 1889, há um rememorar dos fatos que marcaram de modo especial aquele ano, pelos quais a igreja deve agradecer a Deus. Um deles é a República, para a qual pede-se oração bem como para o Governo provisório:

Outro motivo, e é o último que mencionaremos, porque o ano agora findo merece que especialmente o povo brasileiro lhe conserve memória fiel é a queda da monarquia e o estabelecimento de um governo republicano entre nós….

Peçam todos, pois, a bênção de Deus sobre o governo provisório e todas as autoridades estabelecidas. E sejam estas justas para com todos e tenham diante de si sempre o temor de Deus.[15]

Em 24 de fevereiro de 1891 é promulgada a “Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil”. No Art. 72, “Declaração de Direitos”, lemos:

2º Todos são iguais perante a lei. (…)

3º Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bem, observadas as disposições do direito comum.

7º Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União, ou o dos Estados.

28. Por motivo de crença ou função religiosa, nenhum cidadão brasileiro poderá ser privado de seus direitos civis e políticos nem eximir-se de cumprimento de qualquer dever cívico.

O desejo acalentando durante tantos anos fora agora realizado: separação entre Igreja e Estado e a total liberdade religiosa. No entanto, ao que parece, as perseguições se intensificariam a partir daí. Contudo, essa parte foge ao corte de nosso estudo, envolvendo outra etapa da história.[16]

 

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

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[1] Em 1772, Pombal fez uma Reforma nos Estatutos da Universidade de Coimbra, – elaborados parcialmente pela Junta de Providência Literária –, atribuindo aos jesuítas o atraso que a Universidade sofrera desde 1553. Os novos Estatutos de Coimbra foram estabelecidos solenemente em setembro 1772, com a presença de Pombal, como representante do rei e conforme um Diário contemporâneo, com a pompa de um rei.

O primeiro reitor da Universidade,  após a reforma – “reitor-reformador” –,  foi o Dr. Francisco de Lemos de Faria (1735-1822), plenamente identificado com o ideário pombalino. Pombal, satisfeito com o seu sucesso em Coimbra, escreveu uma carta em 16/12/1772, dizendo que com os novos professores iria “fazer Coimbra gloriosa e invejada por todas as outras Universidades da Europa”.

A reforma pombalina conferiu à Universidade de Coimbra e de certa forma à igreja um novo paradigma que, querendo ou não, amparava-se na perspectiva moderna, fruto da Reforma Protestante. No entanto, o que de fato Pombal almejava era uma ação governativa mais poderosa, por meio da qual pudesse realizar uma transformação racional e pragmática do seu país.

Com a mudança dos Estatutos da Universidade de Coimbra dá-se grande ênfase ao método empírico, concretizando-se numa metodologia dedutiva matemática ou por indução experimental, havendo também a criação do Horto Botânico, de um Museu de História Natural, Laboratório de Física, outro de Química, Teatro Anatômico, Hospital Escolar, etc. No entanto, mesmo com essa abertura, já que Pombal eliminou a censura tríplice: do Ordinário, da Inquisição e a Régia, ele criaria a Real Mesa Censória  que continuaria censurando autores considerados proibidos, tais como Bayle, Hobbes, Espinosa, Locke, Voltaire, Rousseau e outros.

Como elementos consolidadores da nova política científica e pedagógica, cria-se a Academia Real da Marinha (1779), a Academia de Ciência (1779), a Casa Pia (1780) e Biblioteca Nacional (1779), que pôde usar o nome de Real e ficou isenta de censura em seu acervo, desfrutando também de uma imprensa privativa.

Contudo, mesmo com essas amplas reformas, nas questões teológicas, Pombal não mexeu.

O Iluminismo, rejeitando o critério de autoridade como determinante da verdade, confrontava-se diretamente com o poder da Igreja. O Iluminismo português com sua repercussão no Brasil cortou, ainda que temporariamente, o “tradicional baluarte da escolástica, a Companhia de Jesus”. Esse aspecto terá enorme influência entre a intelectualidade brasileira – leiga e clerical – a partir do final do século XVIII.

[2]Imprensa Evangélica, 23/11/1889, p. 369-370.

[3]Imprensa Evangélica, 23/11/1889, p. 370. Para uma análise mais ampla do contexto social, político, econômico e intelectual desse período, veja-se: José Murilo de Carvalho, Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi, São Paulo: Companhia das Letras, 1987,  p. 15-41.

[4] Expositor Christão, 01/12/1889, p. 1.

[5] Expositor Christão, 01/12/1889, p. 1.

[6] Imprensa Evangélica, 23/11/1889, p. 370.

[7]Imprensa Evangélica, 30/11/1889, p. 377.

[8]Imprensa Evangélica, 30/11/1889, p. 378.

[9]Imprensa Evangélica, 07/12/1889, p. 385.

[10]Imprensa Evangélica, 07/12/1889, p. 386.

[11]Imprensa Evangélica, 07/12/1889, p. 385.

[12]Imprensa Evangélica, 07/12/1889, p. 385.

[13]Imprensa Evangélica, 14/12/1889, p. 393-394.

[14]Imprensa Evangélica, 21/12/1889, p. 401.

[15]Imprensa Evangélica, 28/12/1889, p. 410.

[16] O estudo pioneiro sobre esse aspecto foi realizado por Boanerges Ribeiro, Igreja Evangélica e República Brasileira (1889-1930), São Paulo: O Semeador, 1991, 317p.

 

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