Nota do editor: Este é o décimo quarto de 17 capítulos da série da revista Tabletalk: Cristianismo e liberalismo.
Antes de colocar os dedos no teclado, perguntei à minha esposa se eu deveria escrever este artigo. Antes mesmo de digitar uma única palavra, perguntei se eu estava em alguma medida qualificado. Ela pensou sobre isso por alguns minutos e disse: “Sim, acho que sim”. Fiquei grato pela afirmação dela, porém nós dois tivemos que reconhecer que muitas partes da vida cristã são mais fáceis de dizer do que fazer, mais fáceis de descrever do que viver. E esta não é exceção. É fácil planejar, prometer e orar para viver sem egoísmo, mas é difícil fazer isso em todos os momentos e em todos os dias. Isso é verdade até mesmo quando se vive sem egoísmo com a pessoa que mais amo neste mundo.
Muitas vezes pensei sobre um dos estranhos paradoxos da vida de casado: a pessoa que mais amo é a pessoa contra quem mais pecarei. Por causa da nossa proximidade e intimidade, pois prometemos viver juntos “até que a morte nos separe”, terei uma vida inteira de oportunidades para amar minha esposa, mas também para magoá-la, para abençoá-la, mas também para pecar contra ela. Todos os dias terei a oportunidade de viver com ela sem egoísmo, mas também de lutar contra a tentação de viver com ela de forma egoísta.
A Palavra de Deus deixa claro que é responsabilidade de todo marido viver com sua esposa de maneira compreensiva, uma maneira que demonstre honra especial a ela (1 Pe 3:7). Deus deixa claro que, embora o marido seja chamado para liderar sua esposa, deve fazê-lo de uma forma que seja caracterizada pelo amor, não pelo controle, e que seja demonstrada em sacrifício, não em domínio (Ef 5:25-31). Se o chamado de uma esposa é se submeter à liderança do marido e honrá-lo, o chamado do marido é liderar de uma forma que seja fácil para ela seguir e amar de uma forma que o torne digno de sua honra. É pensar mais nela do que em si mesmo, considerá-la melhor do que o seu próprio bem, amá-la mesmo que isso tenha um custo para si. É, em poucas palavras, viver sem egoísmo.
Viver sem egoísmo é viver com consciência de complementaridade, entender e aceitar as diferenças entre homens e mulheres. Há algo profundo dentro de cada homem que implicitamente acredita que o casamento seria mais fácil e a união mais forte se sua esposa fosse mais parecida com ele: se ela pensasse, raciocinasse como um homem e sentisse os desejos de um homem. Contudo, Deus escolheu mostrar Sua glória em dois gêneros que são maravilhosamente diferentes e incrivelmente complementares. Um marido que de fato ama sua esposa é um marido que aceita as diferenças em vez de lutar contra elas, que as vê como uma característica do desígnio de Deus e não como um erro. Ele escuta sua esposa com atenção; ele a conforta com amor; ele cuida dela com disposição. Ele entende e aceita que ela é maravilhosa e temerosamente feita à imagem de Deus, assim como ele, tanto em suas semelhanças quanto em suas diferenças.
Viver sem egoísmo, então, é viver com compaixão. Ao escrever aos Colossenses, Paulo expressa: “Maridos, amai vossa esposa e não a trateis com amargura” (Cl 3:19). Sem dúvida, ele não teria incluído essa exortação específica se ela não refletisse uma tentação comum. Todo marido deve admitir que pode, com facilidade, cair na severidade, tratar sua esposa de forma rude, severo ou desatento. Entretanto, o marido que pretende honrar sua esposa a tratará com gentileza e dignidade, com cuidado e compaixão. Ele ficará tranquilo por Deus ter lhe dado uma esposa, ficará honrado por Deus ter confiado essa esposa em particular a ele e estará ansioso para estender a ela todo o amor e afeição que Deus estendeu a ele. Ele será gentil e tolerante e sempre será rápido em se arrepender, em buscar perdão e restaurar o relacionamento quando tiver pecado contra ela.
Viver sem egoísmo é também viver como companheiro. É “Goza[r] a vida com a mulher que amas, todos os dias de tua vida fugaz, os quais Deus te deu debaixo do sol” (Ec 9:9). Um marido piedoso desfruta da liberdade e da intimidade do relacionamento conjugal e aprecia sua esposa como sua companheira mais querida e amiga mais próxima. Embora qualquer casamento seja às vezes difícil e qualquer relacionamento exija esforço e trabalho, ele está comprometido em desfrutar de sua esposa e se deliciar com as alegrias e maravilhas únicas do relacionamento conjugal. Ele aceita os pontos fortes únicos que vêm com a feminilidade de sua esposa, aprecia as percepções únicas que ela compartilha e aprende a aproveitar o que ela acha prazeroso. Ao deixar de lado seu egoísmo natural, se dá conta das maravilhas do relacionamento humano mais próximo e afetuoso.
Qualquer homem bom estaria disposto a morrer por sua esposa, a levar a bala que a teria atingido, a acolher a dor que a teria afligido. Porém é raro o homem que está disposto a viver pela esposa, a deixar de lado o egoísmo que está sempre tão próximo e, em vez disso, viver para o bem e a alegria dela. Mas nenhum marido se comporta de maneira mais semelhante à de Cristo do que aquele que considera o bem de sua esposa acima do seu próprio, que renuncia à sua autoimportância natural para que possa viver verdadeiramente sem egoísmo com a esposa que Deus lhe deu.
Este artigo foi publicado originalmente na TableTalk Magazine.