Artigo: O Credo Apostólico numa perspectiva calvinista

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O Credo Apostólico numa perspectiva calvinista

Um dos documentos mais importantes da tradição cristã é o Credo apostólico que de maneira profunda e simultaneamente sucinta expõe a crença universal do cristianismo. É claro que outros aspectos doutrinários não são perfeitamente explorados neste credo, por exemplo, como defesas cristológicas e etc, porque esse não foi o interesse imediato da elaboração do credo. Há outros credos aceitos pela ortodoxia cristã, como o credo da calcedônia, credo niceno e uma porção de outras afirmativas que são fundamentadas nas Escrituras, que abarcam outros elementos inegociáveis da fé cristã.

Este texto tem como proposta observar o Credo apostólico a partir de uma teologia calvinista, reforçando que este Credo tem um alto teor de cristocentrismo, isto é, o Credo apostólico é realmente uma afirmativa da fé em Cristo. Vejamos.

“Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do Céu e da terra”. Este é o primeiro artigo do Credo apostólico e já explica bastante da teologia bíblica cristã. Para o cristão, o Criador do céu e da terra é o todo-poderoso, porém, não uma divindade histórica e distante mas o cristão professa que o Deus que criou todas as coisas, tem também uma relação amorosa com a sua criação.

Ao confessar que Deus criador é também nosso Pai, inevitavelmente anunciamos a graça de Deus que entregou o seu único Filho para que tenhamos essa comunhão com Deus como benefício de nossa salvação adquirida por Cristo. Portanto, quando confessamos Deus como Pai, não nos referimos apenas à imagem de Deus como de um pai, mas, mais do que isso, nos referimos à imagem trinitária de Deus, isto quer dizer, a imagem do Pai de Jesus Cristo que é o nosso redentor.

O segundo artigo do Credo apostólico começa confessando: “Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado” e João Calvino comentando este trecho explanou que:

Na morte e sepultamento de Cristo propõe-se duplo benefício a ser por nós desfrutado: livramento da morte a que fôramos sujeitos, e mortificação de nossa carne

Ou seja, ao crer com o coração que Cristo foi morto e sepultado, devemos confessar com nossa boca e atitudes que sua morte é perfeitamente eficaz para mortificar nossa natureza pecaminosa e além disso, o credo também diz que Cristo “ressurgiu dos mortos ao terceiro dia” e esta é uma declaração aberta de que o fruto da morte de Cristo Jesus é a ressurreição, de modo que, Calvino afirmou:

Se alguns relutam em admitir esta cláusula, por razão que logo ficará evidente, se verá de quão grande interesse é ela para a suma de nossa redenção, de tal sorte que, se for excluída, se perde muito do fruto da morte de Cristo.

Em outras palavras, se Cristo não ressuscitou nossa fé é vã (1 Co 15:17). E, particularmente, eu gosto de citar Agostinho de Hipona, nesses trechos: 

Não é grande coisa crer que Jesus morreu; também os pagãos o creem, também os judeus e os condenados; todos o creem. Mas a coisa realmente grande é crer que ressuscitou. A fé dos cristãos é a ressurreição de Cristo.

Ainda no segundo artigo do credo, a última afirmação é a declaração de que Jesus Cristo “subiu ao Céu; está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos”. Há mais do que afirmar que Cristo morreu e ressuscitou. A ascensão de nosso mestre é igualmente importante para que confiemos que Cristo está vivo e ativo em seu governo por todo o universo. 

Nós não cremos em um Cristo que simplesmente morreu na cruz pra nos salvar dos nossos pecados. Nós cremos no Cristo que morreu na cruz para nos salvar e perdoar, mas que ressuscitou da morte para vida e ascendeu aos céus em corpo glorificado e está reinando sobre todo o cosmos. Isto é, na cosmovisão cristã a esperança centrada no domínio e no reinado de Cristo é inegociável.

Investido no governo do céu e da terra, entrou ele solenemente na posse da administração a si confiada. Não só que entrou nessa posse uma vez; pelo contrário, que nela permanece constante, até que desça para o Juízo Final. (João Calvino)

 

Temos isto como consolação também, pois aquele que é o supremo juiz é também nosso benigno redentor e que paz há de nos invadir ao sabermos disso; aquele que nos constituiu em sua eleição incondicional, amigos, é aquele que nos julgará com sua digna justiça. O que o crente pode esperar uma vez que não há mais condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus?

O último artigo do Credo começa com a confissão: “Creio no Espírito Santo; na Santa Igreja Universal”. E é extremamente importante considerar a igreja como objeto do crer:

Isso se refere não só à Igreja visível, de que estamos agora a tratar, mas ainda a todos os eleitos de Deus, em cujo número estão compreendidos também os que foram encerrados pela morte. (Calvino)

Dessa forma a comunhão na igreja não é só visível, mas espiritual e por isso, invisível. Se temos Deus como Pai, a igreja é nossa mãe por ser ela o seio que nos amamenta na Palavra de Deus e recebemos os cuidados de Deus. Embora seja inegável as investidas do Diabo para destruir a graça de Cristo em seu povo ela não pode ser extinguida, nem o sangue de Cristo pode tornar-se estéril, de modo que não produza algum fruto. Somos filhos de uma “cidade livre” a chamada Nova Jerusalém, porque nascemos de novo pelo Espírito.“Na comunhão dos santos” Os eleitos de Deus, aqueles que creem em Cristo Jesus o Filho do Pai que é o criador dos céus e da terra, foram:

De tal modo ligados em Cristo, que, da mesma forma que dependem de uma Cabeça única, assim subsistem em um como que corpo único, ligando-se entre si por esta conexão pela qual são unidos os membros de um mesmo corpo, na verdade feitos um, visto que vivem, a um tempo, em uma só fé, esperança, amor, no mesmo Espírito de Deus, chamados não somente à mesma herança da vida eterna, mas também à participação de um só Deus e Cristo. Portanto, ainda que a triste desolação que de todos os lados nos confronta nada proclame ser restante da Igreja, saibamos que a morte de Cristo é frutífera e que Deus preserva sua Igreja maravilhosamente, como que em esconderijos, assim como foi dito a Elias: Conservei para mim sete mil homens que não dobraram o joelho diante de Baal’ (1Rs 19.18). Não obstante, o artigo do Credo estende-se também, até certa extensão, à Igreja exterior, a fim de que cada um de nós se contenha em fraterno consenso com todos os filhos de Deus, defira à Igreja a autoridade que ela merece, enfim, assim se conduza como ovelha do rebanho. E por isso se associa a expressão ‘a comunhão dos santos. (Calvino)

 

Em certo sentido, então, a remissão dos pecados se anexa apropriadamente à Igreja pois, o primeiro acesso à Igreja e reino de Deus é a remissão dos pecados, “sem a qual nada há de pacto ou conjunção entre nós e Deus. mediante sua misericórdia, o Senhor nos reconcilia consigo

E por isso, quando o credo confessa crer “na remissão dos pecados”, assumimos que somos o povo santo de Deus e, portanto, o inegociável sacramento do batismo é o sinal da lavagem e inserção à sociedade da Igreja, para que sejamos ensinados que o ingresso à família de Deus se concretiza pela perfeita expiação de Cristo.

A declaração última do derradeiro artigo do credo apostólico é afirmar a crença “na ressurreição do corpo e na vida eterna”. E assim, do mesmo modo que tenhamos em sua morte a firme consumação de nossa salvação, por meio dela, “não só fomos reconciliados com Deus, mas também ele fez satisfação ao justo juízo, e removida foi a maldição e totalmente paga a pena, somos, no entanto, declarados regenerados para uma viva esperança, não mediante sua morte, mas por meio de sua ressurreição”. E isto assegurados, também por 1 Pe 1:3, que nos diz: 

Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo! Conforme a sua grande misericórdia, ele nos regenerou para uma esperança viva, por meio da ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos.

Finalmente, subscrever o Credo apostólico não é simplesmente fazer afirmações históricas ancoradas na tradição cristã, mas antes de tudo, são afirmações teológicas profundamente ancoradas na Bíblia e por isso qualquer cristão deve procurar unir-se a história de sua fé e daquilo que Deus revelou a humanidade como a verdade.