Artigo: A igreja protestante no Brasil: Uma breve abordagem histórica

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A igreja protestante no Brasil: Uma breve abrodagem histórica 

O número de protestantes tem crescido em um considerável ritmo nas últimas décadas. Há uma estimativa que este talvez seja o ramo do cristianismo que mais cresça no Brasil e que supere o número de católicos romanos até 2030.[1]

Tais dados parecem até absurdos se tomarmos por base a ideia de que o Brasil se constituiu como um “País Católico”, e isso se torna ainda mais curioso se trouxermos à memória que houve uma considerável demora por parte do ramo protestante no que diz respeito à evangelização do Brasil. De fato a Igreja Romana se tornou proeminente, talvez nem tanto por sua teologia mas muito mais porque foi esta quem deu início a pregação do Evangelho no que viria a ser o solo brasileiro. Enquanto a Reforma florescia na Europa do século XVI, o chamado “Novo Mundo” recebia a primeira leva de padres católicos que, ao longo de quase trezentos anos pregariam sua teologia como sendo a única verdade e o único caminho para a salvação.

Assim sendo, neste artigo temos como objetivo abordar alguns pontos acerca dessa presença protestante e de sua relação com o catolicismo que já havia sido pregado desde o século XVI, tendo em vista que os primeiros missionários protestantes apenas darão início a seus trabalhos em meados do século XIX. Aqui também apontaremos as duas “tentativas” de implantar o protestantismo – especificamente o calvinista – no Brasil dos séculos XVI e XVII. Também adentraremos na questão dos vários fluxos missionários e talvez dos vários “protestantismos” que penetraram no Brasil tornando-o de certa forma heterogêneo no que condiz às suas várias denominações; por fim trataremos de seu crescimento nos últimos anos tal como sua atual situação no país, mas para isso faremos antes algumas colocações históricas do Brasil pré e pós protestantismo.

O início da Evangelização do Brasil

Engana-se quem ainda defende a ideia de que o período das “Grandes Navegações” foi uma corrida desenfreada por ouro, especiarias e escravos. Não negamos que houve um forte interesse mercantilista por parte dos reinos da Europa, no entanto é válido salientar que o dinheiro não era a única conquista que os Europeus almejavam. Em carta escrita aos reis da Espanha, o navegador Dom Cristóvão Colombo escreveu o seguinte:

Assim pois, Nosso Redentor deu esta Vitória a nossos ilustríssimos rei e rainha e a vossos reinos famosos, da qual toda a cristandade deve se alegrar a celebrar grandes festas, e das graças solenes à Santíssima Trindade com muitas orações solenes, ao converter tantos povos à nossa santa fé (Grifo do autor), e depois pelos bens temporais que não a Espanha, mas todos os cristãos terão aqui refrigério e lucro.” (Carta de Cristóvão Colombo, 15 de fevereiro, de 1493)

Colombo não nega que os “bens temporais” seriam de grande valia e eram um dos principais motivos de sua viagem. Aqui lembramos de que a Espanha havia acabado de sair de um processo de unificação e de guerra com os mulçumanos, e por isso necessitava de dinheiro para manter os cofres reais, o que explica o lado mercantilista da viagem de Colombo, mas ainda assim, o navegador não esconde o interesse em levar a fé cristã àqueles que não a conheciam. 


Esse sentimento também está presente na carta de Pero Vaz de Caminha, então escrivão da frota de Pedro Alvares Cabral, a qual este escreveu ao rei Dom Manuel de Portugal. Ao rei, Caminha escreve acerca dos nativos: “O melhor fruto que nela [nesta terra, grifo do autor] se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar (Carta de Pero Vaz de Caminha, 1500).”.

Em ambos os trechos observamos que havia um desejo de que o Evangelho fosse apregoado aos povos ainda a se descobrir. A Grande Comissão estaria assim como pano de fundo da época dos descobrimentos. E de forma ainda mais curiosa parecia que os portugueses, até mais do que os espanhóis, tinham esse fervor evangelístico, e ainda uma “missão especial” para com a obra missionária. 

Aqui destaco as palavras do Pe. Antônio Vieira, que foi missionário da Cia. De Jesus no Brasil do século XVII. De acordo com Vieira “os outros cristãos têm obrigação de crer a fé; o português tem obrigação de a crer e, mais, de a propagar” (Antônio Vieira. Sermões, I). Esse pensamento colocaria os portugueses praticamente como defensores da cristandade e ao mesmo tempo propagadores oficiais do Evangelho. 

Viera provavelmente estaria apontando para o desempenho que o reino de Portugal teve ao fim da “Idade Média”, combatendo os invasores mulçumanos, e buscando fortalecer a fé católica na Europa. Foi inclusive a Ordem Cristo, um resquício da antiga Ordem dos Templários, quem irá financiar boa parte da primeira expedição portuguesa ao que seria o território do Brasil, viagem essa capitaneada pelo Grão-Mestre da Ordem de Cristo, Pedro Alvares Cabral. Assim, a relação entre os portugueses e a fé cristã era praticamente heroica, e que então estava as vésperas de se desenvolver como um dos maiores empreendimentos evangelísticos da cristandade. 

O Brasil, segundo Pero Vaz de Caminha, era uma terra cuja melhor semente para se plantar era o Evangelho de Jesus Cristo, no entanto após a chegada de Cabral e a celebração da primeira missa em solo brasileiro, ainda levariam quarenta e nove anos até a evangelização dos portugueses ter início. De fato o interesse missionário era real, no entanto a Coroa deu mais valor ao comercio da costa da África, deixando assim o Brasil de lado por um tempo, ainda que não abandonado.

Em 1549, chega ao Brasil o primeiro governador geral, Tomé de Souza a mando da Coroa portuguesa. Com o governador desembarcam também os primeiros padres jesuítas, a recém criada ordem monástica que seria responsável pelos primeiros atos evangelísticos no Brasil colonial.

Mas afinal quem seriam esses padres, os quais se tornariam famosos por sua presença no Brasil? A Cia. de Jesus, ou Ordem de St. Inácio, ou ainda inacianos, teve a primazia da evangelização no Brasil e principalmente no ensino da nova colônia portuguesa. Tal dado é coerente com a própria história de origem dos jesuítas, uma vez que nove anos antes de sua chegada ao Brasil, quando do surgimento da ordem em 1540, seu fundador, Inácio de Loyola, tinha por objetivo a propagação da fé cristã e uma retomada do “ideal apostólico”, ou seja, para Loyola houve uma ruptura entre o pensamento de evangelização e ensino da era dos apóstolos em algum momento da história da igreja. 


Os padres e monges se trancaram em seus mosteiros e se perderam nos debates filosóficos excessivos; o que poderia tornar a Cia. de Jesus em si uma crítica ao escolasticismo medieval. Loyola queria transformar mosteiros e escolas em pontos não só de prática intelectual mas também de confessional.

A revitalização das escolas da Europa também é de responsabilidade dos jesuítas. A escola em si havia se tornado um mero ponto de encontro ou de pousada para os padres. Inácio de Loyola e seus discípulos buscaram trazer de volta o ensino para a escola e assim a revitalizaram, criando assim um eterno vínculo entre a ordem dos jesuítas e a educação. E essa nova ordem realizava esse trabalho em um dos mais conturbados momentos do catolicismo europeu, que era a organização do Concílio de Trento, o qual teve duração de dezoito anos e passou inclusive por alguns conclaves até seu término. Mas a Cia. de Jesus, buscou não se envolver em questões da cristandade que eram controversas, a saber nesse caso as que envolviam a Reforma Protestante. Assim sendo a Cia. de Jesus foi uma das poucas ordens (senão a única) que se manteve centrada em sua missão inicial, que era a de educar e evangelizar; foi então por isso que os jesuítas foram os primeiros a se instalarem no chamado “Novo Mundo”, incluindo assim o Brasil em seu projeto missionário.

Quanto à atuação dos padres jesuítas no Brasil, podemos a observar de dois ângulos; primeiramente a chegada e adaptação dos padres ao novo território foi difícil, e não foram poucos os desafios para o processo evangelístico, uma vez que os missionários lutavam contra o clima quente e difícil para um europeu; havia ainda a dificuldade de se comunicar com os nativos e assim estabelecer pontos de contato e entendimento; os colonos portugueses que aqui chegavam davam um péssimo exemplo de vida, sobretudo com as questões sexuais; também se destaca a corrupção do próprio clero que nem sempre visava a salvação das almas; e por fim a própria hostilidade dos nativos contribuía para dificultar qualquer trabalho missionário.

As inteirações com os indígenas de fato melhorariam ao longo do tempo, sobretudo após o trabalho do Pe. José de Anchieta e sua tradução do Novo Testamento para o Tupi – tal como a celebração do armistício entre colonos e os Tupinambás. Assim sendo, houve uma facilitação, ainda que não total, das relações entre os jesuítas e algumas das tribos indígenas.

Quanto ao outro aspecto do trabalho dos jesuítas no Brasil, podemos apontar a existência de duas “gerações” distintas entre os jesuítas, sendo a primeira voltada para a evangelização indígena, enquanto que houve uma “segunda geração” de padres que buscou enfatizar quase que exclusivamente a educação dos colonos e filhos de colonos. Dito isso, é possível então apontar a existência de duas correntes jesuítas no Brasil especialmente após 1560, sendo uma ligada à aldeia e outra mais conectada aos colégios e vilas de colonos. A primeira ainda preocupada com a conversão dos nativos, enquanto a segunda (e majoritária) enfatizava a educação dos colonos.

De fato essa “dupla natureza” dos inacianos ocuparia praticamente quase todo o período colonial, de modo que por quase três séculos, foram os padres jesuítas que moldaram o imaginário cultural dos colonos através da educação e do pensamento religioso graças ao trabalho missionário. As ações dos jesuítas só encontrariam um fim, ainda que temporário, no século XVIII com a sua eventual expulsão do Brasil pelo marquês de Pombal, que tomado pelos ideais iluministas de laicização do Estado preferiu cortar os vínculos com a Igreja. 


Ainda assim o Brasil se constituiria como um país de mentalidade católica romana, um romanismo único, sincrético, altamente influenciado pelas religiões africanas e indígenas – o que certamente derruba a tese de que a catequese foi uma tentativa bem sucedida de destruir a cultura de negros e índios, uma vez que os padres não só perpetuaram tais culturas como também contribuíram com suas próprias crenças a fim de criar uma mescla de várias crenças.

No entanto, mesmo apontando a hegemonia do projeto missionário romanista, o Brasil passou por ao menos duas tentativas de implantação de uma outra forma de cristianismo, a saber o calvinismo. E é a essa questão dedicaremos nossas próximas argumentações.

A experiência Protestante na Colônia

A Reforma Protestante eclodiu na Europa do século XVI com mais força do que qualquer um poderia ter imaginado. Em 1517, o monge Martinho Lutero talvez não pudesse imaginar que seu ato de protesto ao pregar suas 95 Teses na porta da igreja de Wittenberg iria causar um revolução religiosa sem precedentes. Enquanto o mercantilismo das coroas europeias crescia nas Américas, o debate religioso começava a inflamar a Europa; o movimento iniciado por Lutero logo ganhou cada vez mais adeptos, e posteriormente se difundiu em vários tipos de “protestantismos”, sobretudo na Suíça, Alemanha e nos Países Baixos.

De todos esses protestantismos que se instalaram na Europa, certamente um dos que mais se distanciou do catolicismo romano foi o ramo franco-suíço, este tendo à frente o francês João Calvino, que após várias resistências as suas ideias conseguiu se estabelecer em Genebra e lá firmou um reduto das ideias protestantes que posteriormente seriam conhecidas como calvinismo.

Em Genebra se desenvolveu não só pensamento calvinista mas também o ensino em sua forma mais básica. Para os protestantes era necessário tornara acessível a bíblia aos leigos, assim sendo foi necessário antes acabar com o analfabetismo, e por essa porta entraram também outros conhecimentos e outras ciências que, futuramente dariam origem a Universidade de Genebra. Todo esse processo de ensino básico para então ensinar a doutrina, curiosamente seria empregado mais tarde pelos jesuítas, ou seja, todo o processo de catequese tem sua origem no seio protestante, no entanto, graças aos jesuítas tornou- se mais associado ao catolicismo romano a despeito de sua origem.

O calvinismo como doutrina dava ênfase à graça de Cristo mediante a fé como único meio para a salvação; e também havia a doutrina da predestinação – esta sendo a doutrina que mais “marcou” o calvinismo aos olhos da história. E foi justamente esse ramo do protestantismo que primeiro penetrou na América portuguesa em dois momentos distintos, primeiramente com os franceses ainda no século XVI, e posteriormente com Holandeses algumas décadas depois já no século XVII. Contudo de antemão apontamos que nenhuma dessas tentativas irá de fato aflorar no solo brasileiro, e cada uma por razões específicas.

A experiência francesa no Brasil colonial está vinculada ao expansionismo marítimo do século XVI. Os franceses decidiram por não respeitar o Tratado de Tordesilhas firmado entre Portugal e Espanha, pois afinal, segundo Francisco I, rei da França, “onde estaria o testamento no qual o ‘Pai Adão’ legara o mundo às Coroas portuguesa e espanhola?”. Assim sendo, em 1555 os franceses estabeleceriam uma colônia em pleno território que, segundo o Tratado de Tordesilhas, pertenceria a Portugal. Assim, surge a França Antártica na Baía de Guanabara. E para dirigir essa empreitada a Coroa francesa delegou o comando da missão a Nicolau Durand de Villegagnon, militar e cavaleiro da Ordem de Malta, e então no posto de vice-almirante.

No que condiz à Villegagnon e a própria missão francesa há certos equívocos, sendo o maior deles a crença de que o vice-almirante era um protestante convicto e que a França Antártica era um projeto religioso que visava dar refúgio àqueles que eram perseguidos na Europa. Nenhuma dessas proposições é de fato verdadeira; primeiramente, se Villegagnon professava algum credo este certamente seria o católico romano, na verdade este possuía até divergências com João Calvino, e foi inclusive proposto um debate entre os dois quando Villegagnon retornou à Europa, no entanto tal debate jamais ocorreu. E quanto a segunda afirmação, a colônia francesa no Brasil tinha como objetivo principal atender os interesses políticos e religiosos de uma França católica, e portanto não é correto apontar a França Antártica como um reduto de protestantes refugiados.

Dito isso, como então a presença francesa no Brasil poderia de alguma forma estar relacionada ao protestantismo? A resposta é que embora Villegagnon não fosse protestante, isso não queria dizer que não houvessem protestantes em sua frota; e mesmo que não fosse parte do projeto da Coroa francesa transformar a França Antártica em um refúgio para protestantes, isso não quer dizer também que não houvesse quem pensasse assim, sobretudo quando o ódio aos protestantes se tornasse cada vez mais evidente. 


Dentre os protestantes que destacariam na França Antártica se encontravam o almirante Gaspar Coligny e o piloto Nicolas Barré. Foi Coligny inclusive quem providenciou juntamente com João Calvino, a chegada de uma comitiva de pastores e missionários calvinistas vindo de Genebra, e assim, em 1557 chegam à Baía de Guanabara liderados por Du Pont a comitiva formada pelos pastores Pierre Richer e Guillaume Chartier. A comitiva ainda contava com Jean de Léry, que após retornar à Europa escreveu sua obra “História de uma viagem feita à Terra do Brasil”, onde narra toda a construção da França Antártica e suas eventuais desavenças religiosas.

De fato o calvinismo chega ao Brasil antes mesmos das futuras denominações protestantes do século XIX, contudo o seu fracasso foi quase tão retumbante quanto o da própria França Antártica. Menos de um ano após a chegada da comitiva de Genebra, as relações entre católicos e protestantes, que até então eram boas, começaram a ruir. E em fevereiro de 1558 três calvinistas foram presos a mando de Villegagnon; as razões para isso permanecem em discussão até hoje, embora o mais provável fosse que o vice- almirante considerasse perder de alguma forma o controle da colônia dado o crescimento protestante, e ainda havia o fato de Villegagnon possuir divergências próprias com o calvinismo. 


Essa hipótese é reforçada pela atitude dos três prisioneiros calvinistas, que em vinte e quatro horas, pouco antes de sua execução, deram uma resposta a Villegagnon acerca de sua fé, apontando suas crenças doutrinárias em vários tópicos num documento que ficou conhecido como Confissão de fé da Guanabara, a qual seria a primeira confissão de fé calvinista, antecedendo até mesmo a Confissão de fé de Westminster, que seria produzida somente no século seguinte na Inglaterra. Ainda assim, em 09 de fevereiro de 1558, Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil e Pierre Bourdon foram executados a mando de Villegagnon, episódio esse conhecido como “A Tragédia da Guanabara”.

Posteriormente o domínio francês na América portuguesa começaria a ruir. Os portugueses iniciaram uma série de conflitos contra os invasores franceses, e por fim, sob a liderança de Mem de Sá, então terceiro governador-geral do Brasil, os franceses foram definitivamente expulsos.

No entanto, no século seguinte, haveria uma nova “tentativa” de implantar o protestantismo na colônia portuguesa, deste vez por parte dos reformados holandeses, esse projeto seria até mais bem sucedido do que o ocorrido na França Antártica ainda que por pouco tempo.

Durante a chamada União Ibérica (1580-1640), quando as coroas portuguesa e espanhola passaram a ser uma só, o Brasil se tornou uma colônia da Espanha assim como as demais colônias portuguesas. O império espanhol no entanto já abrigava um significativo número de colônias, e o Brasil não oferecia qualquer vantagem econômica para os reis espanhóis, e assim sendo, a maior colônia portuguesa foi deixada de lado pelos espanhóis. Nesse momento a Holanda iniciava seu próprio projeto de expansão marítima para as Américas, e sob as ações da Companhia das Índias Ocidentais. Fixando- se no Nordeste, sobretudo na província de Pernambuco, a Cia. das Índias Ocidentais estabeleceu uma lucrativa plantação de cana-de-açúcar, dando origem assim a um dos vários ciclos econômicos do Brasil, o “Ciclo da Cana”. 


Mas não foi apenas a parte econômica que foi favorecida pela chegada dos holandeses; a Igreja Reformada Holandesa se tornaria um dos epicentros do calvinismo na Europa. A teologia reformada certamente acabaria por chegar no Brasil através dos marinheiros e colonos holandeses que aqui aportassem. E diferentemente do tempo da França Antártica, não havia qualquer embate católico/protestante para criar dissidências ou um episódio semelhante ao da “Tragédia da Guanabara”, e isso acabou por favorecer o surgimento de uma sociedade protestante com traços do puritanismo inglês que começava a surgir com intensidade na Inglaterra.

Os missionários holandeses visavam a evangelização dos nativos, chamados por eles de “brasilianos”; vale aqui lembrar que muitas das tribos com as quais os holandeses tiveram contato já haviam tido contato com a catequese dos jesuítas, no entanto, a opressão por parte de alguns colonos que, sempre que possível buscavam escravizar os indígenas, causou não uma aversão aos portugueses, mas talvez uma maior aceitação a qualquer um que não possuísse os métodos de aproximação lusitanos até então vistos, o que explicaria a aceitação dos indígenas à evangelização e catequese dos reformados holandeses. E somado a isto também houve grande tolerância dos holandeses quanto aos índios e total repúdio a escravização dos mesmos. 


Nas “Instruções de 1639”, documento quase que constitucional do Brasil Holandês, constava que “Os brasilianos e naturais do país deverão ser deixados em liberdade e de modo algum escravizados”. O historiador Elben Lenz César observa que até mesmo os templos católicos foram “reaproveitados” pelos holandeses, a exceção é claro das imagens dos santos, as quais foram retiradas. Todo esse processo serviu então para uma melhor aceitação dos costumes daquela nova religiosidade dos holandês, totalmente diferente da apregoada pelos jesuítas.

Mas apesar da aparente vitória na formação de um “Brasil Protestante”, a experiência holandesa não conseguiu sobreviver. Primeiramente houve a questão política; a União Ibérica chegou ao fim em 1640 com a restauração do trono português a uma nova dinastia legitimamente portuguesa, os Bragança, tendo como seu primeiro rei D. João IV. Ao retomar o poder em Portugal, a nova Coroa buscou reassumir o domínio pleno sobre as colônias, o que incluía o Brasil. E uma das primeiras medidas do D. João IV foi a expulsão bem sucedida dos Holandeses do Nordeste brasileiro. Isso certamente atrapalhou o projeto político holandês no Brasil, no entanto não explica como o protestantismo pôde ser tão facilmente subjugado e de não ter sobrevivido aos seus implantadores. Aqui defendemos a ideia de que a teologia reformada não obteve tanto sucesso em meio aos nativos tanto quanto se aparentava. Os índios conheciam as orações e os hinários, no entanto certos conceitos não eram tão fáceis de se apreender, sobretudo a questão da salvação exclusivamente pela Graça de Deus mediante a fé.

Em obra publicada no século XIX, intitulada “Memórias Históricas da Província de Pernambuco”, o autor José Bernardo Fernandes Gama aponta o fator religioso como uma possível causa do fracasso do protestantismo holandês entre os indígenas, acerca disso Fernandes Gama diz que “Alguns missionários holandeses se esforçaram em inspirar-lhes a crença luterana, mas estas fadigas apostólicas poucos resultados felizes tiveram. A ímpia teologia de Lutero não podia suprir as cerimônias sacrossantas do catolicismo, que ligam e cativam o povo”. Segundo o autor, a teologia protestante por ele chamada de “crença luterana” por conta da origem da Reforma com Lutero, não foi capaz de converter verdadeiramente os nativos pois estes já estariam cativados pelos ritos e cerimônias do catolicismo romano. Esse ponto é em muito pertinente pois de fato a crença protestante não se baseava em ritos práticos em demasia, sendo seus únicos sacramentos o batismo e a ceia. 


Os índios tiveram facilidade em se confessarem católicos pois tal religião, como já apontamos anteriormente, se mesclou com os ritos e credos nativos, isso enquanto o protestantismo se manteve puro em suas crenças práticas. Como foi dito, uma religião que pregava a salvação por graça, não havendo necessidade de rituais mais elaborados, de fato não parecia cativar aos indígenas que passaram toda a vida tanto pagã quanto católica imersos em cerimonialismos. Assim sendo, com a expulsão dos holandeses, é expulso também o protestantismo, que de forma geral “falhou” tão somente porque não conseguiu uma conversão verdadeira. O Brasil teria que esperar quase duzentos anos até que os protestantes retornassem e por fim se estabelecessem.

O surgimento do “Brasil Protestante”

Depois de séculos de influência católica romana e depois de duas infrutíferas tentativas de se implantar o protestantismo no Brasil era de se esperar que os reformados desistissem de tentar evangelizar a então maior colônia portuguesa na América; e de fato desistiram ainda que por um tempo. A própria situação da igreja contribuiu para isso. Com o advento do iluminismo do século XVIII o cristianismo como um todo sofreu uma série de ataques do novo racionalismo e do empirismo que questionavam os milagres e a própria existência de Deus e de Cristo. Além disso, a Revolução Francesa e posteriormente as Guerras Napoleônicas prejudicaram todo o espectro político da Europa, o que em parte retardou o trabalho missionário ao menos para a América.

Curiosamente, foi por conta da invasão de Napoleão Bonaparte a Portugal que o protestantismo acabaria que por regressar ao Brasil de forma mais definitiva. O então príncipe regente de Portugal, D. João foge para o Brasil com toda a corte portuguesa a fim de escapar do imperador da França, e após se estabelecer na colônia, o príncipe primeiramente busca manter o controle do império português aqui da América, e para isso estabelece a abertura dos portos às nações amigas de Portugal a fim de fazer a manutenção comercial e fortalecer o poder econômico. Então, navios mercantis, sobretudo ingleses, passam a aportar no Brasil, trazendo também com eles missionários protestantes.

No entanto, aproximadamente três anos antes desse evento, em 1805, o missionário anglicano Henry Martyn já havia aportado no Brasil a caminho das Índias. Aqui ele encontrou uma situação que previamente abordamos, acerca de um Brasil altamente tomado pela mentalidade católica romana, e sem qualquer traço ou resquício de qualquer um dos grupos protestantes que aqui tentaram se instalar. Quando chegou à Bahia, Martyn escreveu o seguinte em seu diário: “Que feliz missionário será enviado para proclamar o nome de Jesus a estas regiões ocidentais? Quando será que esta linda terra se libertará da idolatria e do cristianismo espúrio? Cruzes existem em abundância, mas quando a doutrina da cruz será pregada?”. Talvez por conta de seu projeto missionário mais ao Oriente, Martyn não pode iniciar qualquer trabalho no Brasil, de modo que entre a chegada de Martyn e o início da abertura dos portos de D. João, o Brasil permaneceu sem a evangelização protestante.

Os vários hiatos presentes na história da evangelização serviram para que a fé cristã no Brasil demorasse a chegar, no entanto quando as levas missionárias se tornaram mais frequentes é que podemos dizer que o protestantismo se afixaria definitivamente, e isso não ocorreria antes da Independência em 1822.

Os primeiros grupos protestantes ainda não possuíam qualquer presença significativa no Brasil pós emancipação de Portugal, no entanto foram de certa forma “contemplados” na primeira constituição brasileira, a de 1824. Na Constituição se declarava o catolicismo romano como sendo a única religião adotada pelo então Império Brasileiro, de modo que somente esta poderia ter templos oficiais, ou seja, os protestantes e os adeptos de qualquer outra religião que não fosse a católica tinham permissão para professarem sua fé, contanto que fosse de maneira privada. No caso dos protestantes, seus locais de culto não poderiam ter “nem cruzes, nem torres e nem sinos”, pois tais elementos apontariam para um culto cristão, o qual somente a igreja romana estava autorizada a professar de maneira pública.

Após esse momento houve mais um hiato ou estagnação do crescimento protestante no Brasil. Basicamente foram os luteranos quem primeiro se instalaram no Brasil, mas seu crescimento foi muito pequeno, tornando-se um fenômeno mais localizado nas regiões Sul e em algumas partes do Sudeste do Brasil.

Só à partir de 1855 é que o Brasil receberia levas de missionários que estabeleceriam as missões mais frutíferas a ponto de gerar as primeiras denominações protestantes. Assim sendo, entre 1855 e 1889, Congregacionais, Presbiterianos, Metodistas, Batistas e Episcopais se afixariam de maneira definitiva no Brasil. Aqui destacamos o trabalho do escocês Reid Kalley, que em 1858 fundou oficialmente a primeira denominação protestante no Brasil, a Igreja Evangélica Fluminense no Rio de Janeiro.

Cerca de um ano depois chega ao Brasil vindo dos E.U.A, o missionário presbiteriano Ashbel Green Simonton. Por três anos Simonton trabalhou pela obra missionária no Brasil, e assim, em 1862 surge a Igreja Presbiteriana do Brasil. Com essa nova denominação advém a criação da primeira imprensa evangélica e do primeiro presbitério, e mais tarde o primeiro seminário protestante do Brasil, todos ligados à Igreja Presbiteriana.

É notável também o trabalho missionário dos metodistas, que desde 1835 já enviavam “missões de sondagem” ao Brasil a fim de estudar o território. Contudo, devido a Guerra de Secessão Norte Americana, a igreja metodista – e pela mesma razão a igreja batista dos Estados Unidos – teve seu trabalho missionário no Brasil retardado, só podendo recomeçar após 1867.

Os batistas por sua vez não se afixariam no Brasil de forma significativa antes de 1880, tendo porém, assim como os metodistas, missões que antecederam sua chegada definitiva entre as décadas de 50 e 80 do século XIX.

Conclusão

Nosso objetivo com o presente artigo não foi traçar uma história exaustiva de todo o movimento protestante no Brasil, mas sim de apontar os pontos mais significativos desse lado da história da cristandade.

Então aqui concluímos apontando que vários fatores contribuíram para o atraso do protestantismo, sendo o maior deles os problemas políticos dos países onde a Reforma ocorreu, e muito principalmente a falta de conversões verdadeiras, o que não fez com que a fé protestante sobrevivesse aos seus fundadores. Há ainda um outro fator, este destacado pelo historiador e teólogo Elber L. César quanto a demora da chegada dos protestantes: “Uma das razões era a ausência quase total de visão missionária por parte das igrejas protestantes da Europa e da América (…) Dizia-se que o ‘ide’ e o ‘fazei discípulos de todas as nações’ (Mt 28:19) era uma ordem de Jesus a ser cumprida pelos apóstolos logo após a descida do Espírito Santo e pronto.” (CÉSAR, 2000:65).

De fato isso mudaria após 1792 com a publicação do livro de William Carey intitulado “Investigação sobre a obrigação dos cristãos de empregar meios para a conversão dos pagãos.”. Afinal, assim como o apóstolo Paulo, somos devedores “tanto a gregos como a bárbaros” (Rm 1:14a); o Evangelho não esteve recluso no primeiro século e a ele somente, de modo que até hoje devemos a mensagem de Cristo a todos os povos e nações. E esse entendimento equivocado quanto a Grande Comissão, foi uma das causas (ainda que não a única) para demora das missões protestantes no Brasil.

Muito mais ainda poderia ser dito acerca desse tema, pois o protestantismo brasileiro ainda seria moldado ao longo do século XX, com o advento do pentecostalismo, e posteriormente do neopentecostalismo. E ainda hoje, no século XXI tais mudanças são notáveis. De fato, o protestantismo vem crescendo e tornando-se multifacetado, por isso o mais correto seria falar de vários protestantismos distintos, talvez nem tanto pelo caráter denominacional e suas divisões mas muito mais pela heterogeneidade de doutrinas que surgem especialmente ao longo do século XX.

Assim a igreja protestante cresce e continua a se desenvolver ao longo dos últimos 150 anos, e muito por conta de sua “facilidade” em plantar igrejas. Há um inegável fervor missionário, contudo, ainda há de se analisar qual tipo de protestantismo está sendo posto em solo Brasileiro hoje em dia. Neste artigo buscamos uma reflexão ainda que breve do passado a fim de entendermos nossa própria história, visando contudo um interesse maior pelo presente a fim de que avaliemos os rumos da igreja protestante no Brasil e assim possamos ver se o crescimento dessas denominações irá de fato se manter, ou como no caso dos protestantismos franceses e holandeses à época da colônia, irão desparecer após a partida de seus fundadores. Qual protestantismo estamos a construir? O da semente que cai em terra boa e produz frutos ou o que morreu entre as pedras por não possuir uma raiz profunda? 

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Notas: 

[1] Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/01/evangelicos-podem-desbancar-catolicos- no-brasil-em-pouco-mais-deumadecada.shtml, Acessadoem 24/02/2021.

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BIBLIOGRAFIA

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  • (Rio de Janeiro, Brasil)Autor: Rafael Silva dos Santos. Graduado em Teologia pelo Instituto Bispo Roberto McAlister de EstudosCristãos. Graduado em História pela Universidade Estácio de Sá. Mestre em História pela Universidade Estadual do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil.

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