Evidências Históricas do Nascimento e da Vida de Jesus

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Evidências Históricas do Nascimento e da Vida de Jesus

A vida de Jesus Cristo certamente é o centro de interesse de qualquer verdadeiro cristão. Durante os últimos dois mil anos a Igreja buscou conhecer sua natureza, sua divindade e a sua obra salvífica na terra, no entanto, as evidências históricas da passagem do Deus Homem neste mundo foram, durante muito tempo, negligenciadas; um dos argumentos para isso é que não há necessidade de se aprender tais coisas, “a fé somente basta, não precisamos de provas”. Esse tipo de argumento traz consigo dois grandes problemas: primeiramente, se a Igreja não buscar se debruçar sobre a figura histórica de Jesus de Nazaré, outros certamente o farão. Muitos historiadores negam veementemente os relatos bíblicos acerca da divindade de Cristo e consequentemente a sua obra de Redenção, para estes há o “Jesus da fé” e o “Jesus Histórico”, sendo o último o “verdadeiro” Jesus. Assim, se o cristão não buscar conhecer a história de Cristo neste mundo, tal como as evidências que corroboram isso, outros farão isso da pior maneira.

O historiador André L. Chevitarese chega a reduzir a mensagem de Cristo a um pensamento social altamente influenciado por um viés marxista: “Ele era um camponês pobre que, diante das injustiças que o mundo apresentava, defendia a instauração do Reino de Deus – um reino de justiça e fartura, sem hierarquias sociais” (CHEVITARESE; FUNARI, 2016). E não para por aí, pesquisadores como Joseph Atwill apontam que Jesus foi um mito, uma tentativa dos romanos de competirem com a religiosidade monoteísta dos judeus [1]. De fato se deixarmos narrativas como essas predominarem, a fé de muitos pode desnecessariamente ser atacada, e com os argumentos mais rasos, tais como os de Atwill.

Mas há um ainda um segundo ponto, o porquê mais importante para estudar a materialidade de Cristo. Lucas, na abertura de seu evangelho, garante a Teófilo, seu interlocutor, que pesquisou a fundo a vida de Cristo e garante ter evidencias fortes de que tudo aquilo era verdade. E o proposito disso era “para que você tenha plena certeza das verdades em que foi instruído.” (Lucas 1:4, NAA). O evangelista não tentava converter ninguém ao Evangelho a partir de provas materiais, antes estas serviriam para fortalecer ainda mais a fé daqueles que já criam.

Assim, neste artigo faremos uma breve dissertação acerca dos fatos históricos que contextualizam um pouco da vida de Jesus, usando então fontes bíblicas e também extra bíblicas, não perdendo de vista o propósito de fortalecer a fé já existente, demonstrando historicamente que “o verbo se fez carne e habitou entre nós”.

 I.  Jesus: Evidências extra bíblicas

A existência de Jesus foi, durante muito tempo, negada muito por conta do legado iluminista que, desde o século XVIII, buscou questionar a bíblia como um todo. Não seria de se estranhar que a figura de Cristo também passasse por esse dito processo de “desmitologização”. O curioso é que no caso de Jesus, buscou-se fazer uma negatória quase que irracional tal como se fosse de vital importância que Jesus Cristo nunca tivesse existido.

Hoje, contudo, até os pesquisadores mais céticos admitem a existência de um Galileu, judeu chamado de Jesus de Nazaré (CHEVITARESE; CORNELLI, 2007:420). Esse pensamento irracional iluminista de obscurecer a figura histórica de Jesus hoje já não encontra mais tantos adeptos quanto até o início do século XXI, mas é válido ressaltar que, ainda para esses pesquisadores, há a separação do Cristo Salvador, do homem Jesus que viveu na Palestina de dois mil anos atrás. Para os cristãos, contudo, esses “dois Jesus” são a mesma pessoa, pois Cristo é Deus Salvador e ao mesmo tempo foi um homem que passou por esta terra, e se o Deus em carne e osso passou por este mundo há dois mil anos, seria impossível que não tivesse deixado nenhum rasto para trás.

Assim gostaríamos de apontar algumas fontes de fora Bíblia que dão testemunho acerca dos rastros de Cristo, primeiramente usaremos fontes escritas, posteriormente apontaremos indícios de sua presença na cultura material.

A primeira fonte que apontaremos aqui são os escritos de Flávio Josefo, escritor judeu que viveu em fins do século I d.C. Acerca de Jesus, Josefo escreveu o seguinte:

“Nesse mesmo tempo apareceu Jesus, que era um homem sábio, [se todavia devemos considera-lo simplesmente como um homem], tanto suas obras eram admiráveis. Ele ensinava os que tinham prazer em ser instruídos na verdade e foi seguido não somente por muitos judeus, mas mesmo por muitos gentios. Ele era considerado o Cristo. Os mais ilustres da nossa nação acusaram-no perante Pilatos e ele fê-lo crucificar. Os que o haviam amado durante a vida não cessariam de declarar que ele lhes apareceu ressuscitado e vivo no terceiro dia, como os santos profetas o tinham predito e que ele faria muitos outros milagres. É dele que os cristãos, que vemos ainda hoje, tiraram seu nome” – (FLÁVIO JOSEFO. História dos Hebreus. CPAD, 2000:418).

O escritor judeu, sem qualquer compromisso com a fé cristã, atesta a existência de um judeu chamado Jesus, que foi crucificado durante o governo de Pilatos, e que seus discípulos proclamaram que Jesus havia ressuscitado após a sua crucificação. Além disso, Josefo também aponta que é de Jesus Cristo que deriva o nome “cristão” ostentado até hoje por seus seguidores, podemos inclusive fazer um paralelo com o livro de Atos onde Lucas aponta que foi em Antioquia que os discípulos de Jesus foram, pela primeira vez, chamados de “cristãos” (cf. Atos 11:26).

O escritor romano Suetônio, menciona a expulsão dos judeus de Roma, durante o principado de Cláudio. De acordo com Suetônio: “Como os judeus se sublevavam continuamente por instigação de Chrestos, [Cláudio] os expulsou de Roma.” (SUETÔNIO. Vida de Cláudio. 25). Acerca desse trecho podemos destacar duas coisas, a primeira é que eram conhecidos dos romanos os seguidores de Cristo – chamado de “Chrestos” por Suetônio devido a este ter pouca familiaridade com o nome Cristo. Isso inclusive aponta para o fato de que os romanos não faziam diferença entre judeus e gentios, de modo que criam que os embates entre estes e os primeiros cristãos eram disputas entre duas distintas seitas judaicas.

Outra coisa notável na fala de Suetônio é que ela é um eco da própria bíblia. Mais uma vez recorremos ao livro de Atos dos Apóstolos, onde há uma passagem quase que análoga ao que nos legou o autor romano. Em Atos 18:2 Paulo encontra com um casal de judeus, Priscila e seu marido Áquila, e o texto nos diz o seguinte: “Lá, encontrou um judeu chamado Áquila, natural do Ponto, recentemente chegado da Itália, com Priscila, sua mulher, porque o imperador Cláudio havia decretado que todos os judeus deviam sair de Roma. Paulo aproximou-se deles.”. Tanto Lucas quanto Suetônio estariam a tratar do mesmo evento, o decreto do imperador que expulsou os judeus. Isso é importante porque situa a história cristã no tempo e no espaço, além de dar testemunho da figura histórica de Jesus Cristos e de sua relação com a igreja primitiva.

Outro autor romano que fala sobre os cristãos, mais especificamente sua perseguição durante o principado de Nero, é Tácito, o qual escreveu o seguinte:

“Nenhum esforço humano, nem o poder do imperador, nem as cerimônias para aplacar a ira dos deuses faziam cessar a opinião infame de que o incêndio [de Roma] havia sido mandado. Por isso, com vistas a abafar o rumor, Nero apresentou como culpados e condenou à tortura  aquelas pessoas odiadas por sua própria torpeza, que a população chamava de ‘cristãos’. Tal nome vem de Cristo, que no principado de Tibério, o procurador Pôncio Pilatos entregou ao suplício.” (TÁCITO. Annales. XV:44).

As evidências que correlacionam os primeiros cristãos com Cristo são de fato gritantes. De fato não se pode negar a historicidade de Jesus, a sua presença é de fato atestada tanto no escritos antigos quanto também podemos seguir seu rastro através da cultura material. 

II.  Evidências materiais

Neste ponto a arqueologia nos é de grande valia. Pontuamos que esta não tem por objetivo provar a bíblia, antes apenas atesta a materialidade sobre a qual se assenta o texto bíblico.

Durante muito tempo negou-se a existência de muitas práticas e figuras históricas que se relacionavam aos dias de Jesus, contudo, descobertas recentes nos conduziram a um outro caminho. A figura do procurador romano Pôncio Pilatos, por exemplo, foi negada durante anos atestando-se inclusive contra a validade de todo o processo que levou Jesus a morrer na cruz. Mas em 1961, arqueólogos italianos ao escavarem as ruinas de um antigo teatro romano em Cesareia Marítima, na Judeia, descobriram que uma das pedras utilizadas na construção do teatro possuía a seguinte inscrição: “Poncio Pilatos, prefector Iudeia”, ou seja, “Pôncio Pilatos, Prefeito da Judeia; Pilatos havia mandado construir uma estrutura em honra ao imperador Tibério, e um pedaço dessa estrutura foi utilizado na construção de uma nova, no caso este teatro escavado pelos arqueólogos (SILVA, 2020:164). Esse achado então atesta a existência do famoso procurador romano que teria condenado Jesus a morte de cruz, contudo, não é apenas Pilatos que teve sua historicidade confirmada.

Em 1990 foi encontrada em Jerusalém uma tumba lacrada aproximadamente por volta de 70 d.C. Na tumba foi encontrado um ossuário, ou seja, um urna onde se colocavam os ossos de um morto, e havia uma inscrição em aramaico no ossuário que dizia o seguinte: “Yehoseph bar Kapha” ou “José filho (ou da família de) Caifás” (idem:160). Apesar dos Evangelhos nomearem o sumo sacerdote que entregou Jesus aos romanos para ser morto apenas como Caifás, Flávio Josefo identifica o referido sacerdote em seus escritos exatamente como José, filho de Caifás. Não seria absurdo pressupor que José Caifás é o mesmo que prendeu e enviou Jesus para a morte, este ossuário seria então o que sobrou daquele infame sacerdote judeu.

Estes dois exemplos da cultura material apenas fazem breve referência ao contexto histórico de Jesus, contudo, provar a historicidade destes, somando-se isso ainda aos escritos extra bíblicos que atestam a existência da figura de Cristo, é compreender que quando falamos acerca da pessoa do Salvador estamos falando de um ser realmente caminhou por esta terra, respirou nosso ar e comeu nossa comida; muitos crentes, com boas intenções, mas ainda assim equivocados, tentam desmerecer tais fatos, e assim acabam por transformar Cristo num ser platônico, que existe apenas no campo das ideias, quando ouvimos pregações aos domingos ou quando lemos a bíblia durante a semana, ele é Deus, é o salvador, mas está longe, apenas presente como uma sensação boa ou sentimento momentâneo, o que seria uma absurda redução do Senhor Jesus, e um menosprezar da sua encarnação.

Como apontamos até aqui, a materialidade de Jesus Cristo nada mais é do que sua humanidade atestada, é Deus fazendo parte da história. De modo que não podemos nos atrever a nem por um momento negar qualquer detalhe mínimo da vida de Cristo. Assim toda a vida de Jesus nesse mundo é de relevância igual, e por isso nos dedicaremos agora a tratar do contexto histórico de um destes memoráveis eventos, a saber, o nascimento do Senhor.

III. O primeiro “Natal”

É muito comum, durante a época que precede o Natal, se ouvir comentários e reportagens acerca da origem pagã dessa festa, há quem diga que toda vez que os cristãos estão celebrando Natal estão na verdade cultuando alguma antiga divindade pagã de cujo nome quase ninguém mais se lembra. No entanto, tal pensamento estaria correto? A resposta seria um sonoro “não”, no entanto apontaremos aqui por quê.

Por volta de 25 de Dezembro de 274 d.C, o então imperador de Roma Aureliano inaugura o templo em honra ao Sol. Curiosamente, também era nesta data que os romanos costumavam celebrar o sol, a divindade que a cada ano era responsável pelo crescimento das plantações, por tornar os dias mais longos durante o verão, e por emergir vitorioso a cada manhã impondo derrota à escuridão noturna e trazendo a luz do  dia, este era o Sol Invencível (Sol Invictus) dos romanos. E seu dia sagrado era 25 de Dezembro, época do solstício de inverno.

Após o Edito de Tessalónica e adoção do cristianismo como religião oficial do Império após o reinado de Teodósio, muitas práticas romanas foram assimiladas pelos cristãos, dentre elas a de celebrar o nascimento de um deus – o que para o cristianismo certamente era mais coerente do que para os pagãos, visto que a encarnação de Cristo é o que se celebraria no Natal, e tal evento se deu justamente em seu nascimento, ou seja, celebrar a encarnação do Verbo é automaticamente festejar o nascimento de Jesus, e por consequência seu “aniversário”.

Assim, em meados do IV século d.C. a Igreja passou a celebrar o 25 de Dezembro como a data natalícia do Salvador. Agostinho estimula a igreja cristã a celebrar o nascimento de Cristo nessa data, diferentemente dos pagãos, não celebrariam o sol, mas sim Aquele que criou o sol. Assim observamos que os cristãos sabiam a quem adoravam e o porquê escolheram este dia, então não seria errado comemorar o natal na antiga data de culto solar romano, pois sabemos a quem nos dirigimos. Se fossemos nos preocupar com dias pagãos não haveria um dia para cultuar ao Senhor, visto que as várias culturas pagãs através do tempo consagravam praticamente todos os dias do ano às sua divindades. Então, uma vez que sabemos que adoramos ao Senhor, o Deus verdadeiro e celebramos a encarnação de Cristo Jesus, pouco importaria que outrora alguma divindade pagã fosse adorada em dezembro.

No entanto, algo deve ser dito, que Cristo de fato não nasceu em 25 de Dezembro, apesar de nos valermos dessa data não devemos nos apegar a ela. Mas afinal, é possível saber quando Cristo nasceu de fato? Creio que seja possível sabermos a data aproximada do nascimento do Salvador usando somente textos da bíblia, e é o que abordaremos a seguir.

III. I. Quando nasceu Jesus?

Alguns fatos depõem contra um nascimento de Jesus em dezembro, o primeiro deles é o decreto de Augusto, então imperador de Roma, o qual estabeleceu um senso de seu império que a época incluía o território dos judeus. Os romanos jamais estabeleceriam um senso – algo que exigiria muita mobilidade – em pleno inverno, assim o mais provável seria um senso ocorrendo em qualquer época menos em dezembro. Outra dificuldade é a presença dos pastores no campo, também por conta do clima os pastores jamais levariam rebanhos para pastarem em uma noite fria de inverno, assim sendo, uma data mais para dezembro se torna altamente improvável para ser a época em que Jesus teria vindo ao mundo.

No entanto, há algumas informações na Escritura que nos fornecem dados suficientes a fim de encontrarmos uma data aproximada. Primeiramente nos remetemos ao Evangelho de Lucas, quando este aborda a história de Zacarias, que viria a ser pai de João Batista. O texto nos diz que “Nos dias de Herodes, rei da Judeia, houve um sacerdote chamado Zacarias, do turno de Abias. A mulher dele era das filhas de Arão e se chamava Isabel.” (Lucas 1:5. NAA). A chave interpretativa está no chamado “turno de Abias”, se entendermos o que era isso poderemos compreender melhor acerca da data possível do nascimento de Cristo.

Em I Crônicas vemos quando Davi divide o serviço do templo entre todas famílias sacerdotais, onde cada família ficaria com turno de duas semanas, e assim dividindo o ano em quinzenas:

“E Davi, com Zadoque, os filhos de Eleazar, e Aimeleque, dos filhos de Itamar, dividiu-os [os levitas] segundo o seu ofício no seu ministério. (…) E saiu a primeira sorte a Jeoiaribe, a segunda a Jedaías, A terceira a Harim, a quarta a Seorim, A quinta a Malquias, a sexta a Miamim, A sétima a Hacoz, a oitava a Abias” (1 Crônicas 24:3-10).

Assim o turno de Abias viria a ser a oitava quinzena do ano. Segundo o calendário judaico, a oitava quinzena do ano tinha lugar no mês de Tamuz – final de junho. É nessa época em que, servindo no templo, Zacarias recebe o anuncio do nascimento de João Batista. Se contarmos nove meses a partir de Tamuz chegaremos ao mês de Nissan (em meados de abril), aí teria nascido João Batista. Mas como isso nos ajuda a saber quando foi o nascimento de Cristo? Mais uma vez recorremos ao texto bíblico. Lucas nos informa que no sexto mês de gestação de Izabel, mãe de João, Maria recebe a visita do anjo Gabriel que anuncia o nascimento de Jesus, ou seja, isso ocorreu no mês de Tevet (Dezembro/Janeiro), então só precisaríamos contar nove meses a partir daí e chegaríamos ao mês de Tishrei (Setembro/Outubro), Jesus então teria nascido em algum momento entre setembro e outubro, no começo do Outono.

III. II. As circunstâncias históricas

É notório que Jesus veio ao mundo em uma época bastante peculiar. O território israelita da época estava dominado pelos romanos e governado pela família dos Herodes, reis estrangeiros que governavam os judeus sob a autoridade de Roma.

Mas ainda assim eram as leis de César que se impunham de forma absoluta sobre os judeus. É digno de nota também o famoso decreto de Augusto, o qual mencionamos aqui anteriormente, e o quanto ele nos ajuda a rastrear a época em que o Salvador veio ao mundo. Curiosamente, o evangelista Lucas nos dá muitos dados a cerca do contexto histórico da época, de modo que o nascimento de Cristo está historicamente situado:

Naqueles dias, foi publicado um decreto de César Augusto, convocando toda a população do Império para recensear-se. Este, o primeiro recenseamento, foi feito quando Quirino era governador da Síria. Todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. (Lucas 2:1-3).

Aqui o evangelista situa os dias do nascimento de Cristo na mesma época em que Otaviano ou Otávio Augusto era imperador de Roma, e Quirino [ou Cirênio] era governador da Síria, o que, segundo o nosso calendário, seria em algum momento no final do século I a.C. Comentando a cerca disso, o arqueólogo Randall Price diz o seguinte:

O Evangelho de Lucas nos dá a época do nascimento, fazendo referência específica a um censo decretado por Cirênio, governador da Síria (Lc 2.2). Enquanto que a evidência em inscrições revela que havia mais de um governante com esse nome, um Cirênio dentro da estrutura do tempo do nascimento de Jesus foi achado numa moeda que o coloca como procônsul da Síria e Cilicia de 11 a.C. até depois de 4 d.C.6 O censo de Cirênio, também mencionado por Lucas em Atos 5.37, tem numerosos paralelos em formulários de censo de papiro que datam do século I a.C. ao século I d.C. Por exemplo, o papiro oxirrinco 255 (48 d.C.) e o papiro 904 do Museu Britânico (104 d.C.) ordenam o retorno compulsório das pessoas ao local em que nasceram para o levantamento do censo, da mesma maneira que Lucas registra (Lc 2.3-5). (PRICE, 2006:261)

Conforme Price, temos evidências não só das figuras históricas mencionadas por Lucas, como também do tipo de senso feito pelo imperador romano. Muitos críticos argumentaram que não era comum se fazer um censo que levasse as pessoas a viajarem para suas cidades de origem a fim de se registrarem, no entanto, para o autor citado há vários precedentes, tais como alguns que foram realizados no Egito onde houve um grande fluxo migratório da população a fim de que fossem se registrar. E é exatamente isso que observamos no Evangelho de Lucas, o que mais uma vez serve para situar o nascimento de Cristo na realidade humana, e que ele não foi fruto de uma mera narrativa inventada.

Outro icônico momento desse “primeiro natal” foi o fato de José e Maria, já com o bebê prestes a nascer, não terem encontrado um lugar para ficar. Tradicionalmente esse momento é interpretado de duas possíveis formas: 1 – O casal não encontrou hospedagem na cidade porque estavam todas cheias, então lhes ofereceu um lugar num estábulo onde Maria deu a luz a Jesus; 2 – a mesma situação da falta de hospedagem se segue, mas com a diferença que, ao invés de um estábulo, José e Maria ficaram numa caverna, onde então Jesus nasceu. Se tomarmos por base mais uma vez o Evangelho de Lucas, ambas as proposições seriam possíveis: “Então Maria deu à luz o seu filho primogênito, enfaixou o menino e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.” (Lucas 2:7). No entanto, aqui gostaria de oferecer uma terceira explicação, esta estando mais próxima do contexto histórico e social da época.

Se observarmos primeiramente o texto grego, a palavra que Lucas usa para “hospedaria” é katalymati, que pode significar “quarto de hóspedes”. Em outra passagem do mesmo Evangelho, especificamente na “Parábola do Bom Samaritano”, a “hospedaria” para o onde o samaritano leva o homem que havia sido assaltado aparece no grego como pandocheion, esta sim seria uma hospedaria como um hotel similar com os dos dias modernos, ou uma pousada de beira de estrada. Essa distinção é importante porque katalymati ou “quarto de hóspedes” era uma parte da casa dos judeus da época, era um quarto reservado para os viajantes. Podemos observar essa mesma prática de hospitalidade no próprio Antigo Testamento quando o profeta Eliseu ganhou um quarto fixo, para que sempre que visitasse a sunamita e seu marido pudesse descançar (2 Reis 4:8-11).

Vendo por esse ângulo, é possível que tal quarto de hóspedes ou hospedaria, fosse da casa de algum parente de José em Belém, mas que, talvez por conta as estranha gravidez de Maria, não quiseram recebê-la, de modo que não houve lugar para eles, mas, por encargo de consciência, deixaram que eles ficassem com os animais, na parte de baixo da casa (o que para nós hoje seria um quintal). E ali, rejeitado e entre os animais, o Salvador da humanidade veio a este mundo.

Conclusão

A história então se segue e Cristo vem ao mundo, humilde e já humilhado (talvez por seus próprios parentes), mas ainda assim glorioso. Esta é a história da nossa salvação, que Cristo veio em carne, humilhou-se, submeteu-se e foi morto pelos nossos pecados, e isso para que, uma vez crendo em seu sacrifício, tenhamos a vida eterna.

Que neste natal, e em todos que Deus nos permitir viver, possamos nos lembrar disso, e tal como os anjos cantaram na noite em que Cristo nasceu, nós também possamos louvar a Deus pela nossa redenção e dizer “Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens, a quem ele quer bem.” (Lucas 2:14).

Bibliografia

A Bíblia Sagrada. Nova Almeida Atualizada, 3ed: São Paulo, 2017.

FLÁVIO JOSEFO. História dos Hebreus. CPAD, 2000.

CHEVITARESE, André L; CORNELLI, Gabriele. Judaísmo, Cristianismo e Helenismo. Ensaios Acerca das Interações Culturais no Mediterrâneo Antigo. 1 ed, São Paulo: Annablume, 2007.

_______________________. FUNARI, Pedro Paulo. Jesus Histórico. Uma brevíssima introdução. Rio de Janeiro: Kliné, 2012.

PRICE, Randall. Arqueologia Bíblica. Rio de Janeiro: CPAD, 2006.

SILVA, Rodrigo. Escavando a Verdade. A arqueologia e as incríveis histórias da Bíblia. São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2020.

[1] Disponível em https://veja.abril.com.br/ciencia/o-que-a-historia-tem-a-dizer-sobre-jesus, acessado em 17/12/21.