O cristão e a sociologia

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O CRISTÃO E A SOCIOLOGIA

O cristão, quando ele se depara com os pressupostos da sociologia ele tende a separar vida cristã e estudo, alguns “dividem a vida em compartimentos estanques: um destinado à fé e outro aos estudos, sacrificando assim sua integralidade”. O problema, segundo Lyon “nem sempre é de uma crise de fé” mas é não entender “a relação que existe entre a fé cristã e os pressupostos sociológicos”.

Este artigo, portanto, tem como objetivo apresentar um resumo do livro O cristão e a sociologia, uma perspectiva cristã (ABU Eitora, 2008), de David Lyon, professor de sociologia em Kingston, no Canadá. Neste livro, já em seu prefácio ele aponta para um acontecimento de sua época, o crescimento da sociologia. Lyon observou que “a cada ano que passa aumenta o número de pessoas que ingressam em cursos de sociologia quer como uma opção profissional ou como uma complementação a cursos de educação, serviço social, enfermagem ou administração”.

Lyon nos mostra que o propósito deste livro é “ajudar qualquer pessoa que esteja enfrentando pela primeira vez o desafio da sociologia”. Seu objetivo também é “mostrar como a própria sociologia se baseia em certas pressuposições, como os cristãos podem tirar proveito dos seus desafios e lidar criativamente com eles e como, no devido momento, poderão dar uma contribuição positiva como sociólogos”. 

A SOCIOLOGIA E A FÉ CRISTÃ

A sociologia exerce uma certa influência na sociedade. Segundo Lyon “todos se voltam para a sociologia em busca de uma melhor compreensão da sociedade em que eles vivem”. E em razão disso, sua atuação atinge todas as camadas sociais. Mas para muitos cristãos, a sociologia consiste em perigo, pois ela “constitui uma ameaça, um dogma pernicioso cujo único papel é confundir e corromper”. Mas de acordo com Lyon é necessário transpor este véu, e quando transposto “torna-se quase impossível ao estudante retornar ao nível de consciência antes considerado normal”. Porque ao se aprofundar com sinceridade da sociologia, os mitos desaparecem.

Lyon também aborda algumas reações de alguns cristãos estudante de sociologia. Ele nos dá dois exemplos. Primeiro, alguns abandonam o curso, porém, segundo Lyon, isto seria adiar o problema. A segunda reação seria ter a sociologia como fardo, e com isso o cristão tende a separar vida religiosa e vida de estudos.

Dentre estas duas reações Lyon nos dá três alternativas e uma opção que ele considera ser a mais correta. A primeira alternativa seria direcionada para os imaturos que “talvez seja melhor escolherem uma outra área de estudos”. A segunda, para os que desejam continuar como estudante de sociologia, não seria uma boa separar vida religiosa e vida de estudos, pois “a separação entre o sagrado e o secular é sempre uma divisão perigosa e pode levar àquilo que eu chamo de ‘mundanismo super-espiritual’”. A terceira alternativa, e segundo Lyon a mais lamentável “é que alguns cristãos venha a abraçar a sociologia como sua nova fé que provê conhecimentos superiores”. E neste sentido, o envolvimento seria tal que o estudante de sociologia passaria a “engolir indiscriminadamente qualquer coisa que palestrantes, professores e compêndios acadêmicos coloquem à sua frente, descartando a Bíblia como se esta fosse uma simples coletânea de documentos humanos”.

Mas a atitude correta em relação ao estudo da sociologia, segundo Lyon seria “a do estudante cristão que estuda sociologia com uma mente aberta à sabedoria originada na Palavra de Deus”. Para Lyon, a confusão do estudante de sociologia cristão, talvez “seja a tendência desta última de ‘relativizar’ as coisas. Enquanto que o cristão acredita na existência de padrões divinos e absolutos”, porém “a sociologia nega isso, enfatizando a relatividade social e cultural das normas, valores e crenças”, pois a atitude de certos sociólogos “parecem sentir um prazer especial em desarmar as pessoas e desmascarar seus mitos, mas por trás desse aparente conflito de valores jaz um conflito entre sistemas inteiros de pensamento.”

Essa divergência também se encontra no ponto de partida da sociologia e do cristianismo, o que para Lyon seria o “debate entre o cristão e o sociólogo: a imagem humana e a natureza da religião”. 

A SOCIOLOGIA DA SOCIOLOGIA

A sociologia não seria apenas ideias abstratas, segundo Lyon “a própria história da sociologia é uma evidência disso”, pois a “sociologia é um produto direto do humanismo e do ceticismo do século XIX”. E neste sentido “foi como uma resposta à necessidade sentida de uma total reconstrução social diante dessa convulsão do século XIX que surgiu a sociologia”.

E o que seria estas convulsões? Lyon destaca as três principais. Em primeiro lugar está a Revolução Francesa do final século XIX. Uma revolução baseada na soberania popular, ou seja, “a vontade do povo, em oposição à vontade de Deus ou do rei, tornou-se o fator predominante”. A segunda seria o processo de Industrialização. Lyon chama este processo de “uma massiva revolução tecnológica, ou, mais precisamente, uma evolução tecnológica, com o emprego de novos métodos na reprodução”. A terceira seria o surgimento do próprio Iluminismo e do Evolucionismo. Para este movimento intelectual qualquer explicação sobrenatural de fenômenos da vida em sociedade “era considerada inválida, e a sociedade passou a ser estudada como uma parte da natureza. Foi esta forma de pensamento, nova e radical, que proveu o pano de fundo para as mudanças sociais, econômicas e políticas do século XIX”.

E como resultado, o cientificismo foi ganhando espaço na sociedade e houve “uma mudança de crença dentro da sociedade como um todo”. Lyon chama esta mudança de “secularização das estruturas da sociedade” e dessa forma “o pensamento religioso convencional também perdia a aceitação social”

Apesar do avanço da ciência no século XIX, no século XX, segundo Lyon, “percebe-se no mundo sociológico uma certa onda de insatisfação com a ingenuidade manifestada no ato de se fazerem pronunciamentos científicos ‘definitivos’ acerca da sociedade”. Como também há uma “conscientização cada vez maior de que os sociólogos, tanto qualquer outra pessoa, fazem especulações acerca do ser humano e da sociedade e partem de um juízo de valores específico”, ou seja, sua cosmovisão “naturalmente influencia suas percepções e sua maneira de pensar”. Em miúdos “manter a devida imparcialidade e distanciamento científico, é puro mito. Todas as categorias sociológicas são inerente e inevitavelmente ‘carregadas de valores’”.

Em razão da insatisfação com a ciência e com a imparcialidade das declarações sociológicas Lyon entende que “apareceu uma nova oportunidade para os cristãos, dando-lhes a chance de mostrar que suas pressuposições correspondem àquilo que se pode observar na sociedade”. Para Lyon, “muitos cristãos do século XIX deixaram de perceber o desafio do mundo intelectual; essa é uma tendência que nós temos que tentar reverter”, pois “a nossa compreensão da sociedade está em um estágio muito elementar”, portanto “existe para os cristãos uma nova chance de dar uma contribuição a partir de uma posição claramente derivada da Bíblia”. 

SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO

Neste capítulo, Lyon aborda “uma área vagamente definida da sociologia, conhecida como “sociologia do conhecimento” e que tenta enquadrar todo conhecimento em seu contexto social”, ou seja, se um conhecimento “é falso, ou pelo menos apenas socialmente relativo”.

Para exemplificar o conceito de ideologia tão importante para os sociólogos do conhecimento, Lyon aborda três exemplos. O primeiro é um verso extraído do All things bright and beautiful (Tudo que é brilhante e lindo). O segundo em que na década de 1930 os produtores de laticínio da Inglaterra para competir com a Austrália e a Nova Zelândia o envio de seus produtos para a Grã-Bretanha se viram obrigados a importar em preço mais baixos e estes produtores tiveram a ideia de “leite escolar” de graça para as crianças, que segundo Lyon a ideologia “que eles usaram foi seu desejo de ver as crianças pobres melhor nutridas”. O terceiro exemplo, um pouco mais “político”, é que “nos países anteriormente comunistas, que a supressão das religiões supersticiosas é um pré-requisito necessário para o progresso”.

Portanto, Lyon destaca que “é moda incluir no estudo da sociologia do conhecimento tudo que passe por conhecimento dentro da sociedade”, ou seja, que todo “tipo de senso comum ou de sabedoria herdada, que sirva para orientar ações na vida cotidiana, torna-se importante para os sociólogos, que tentarão relacioná-los com suas raízes e explica-los em termos de seu contexto social” e que seria “impossível escapar ao escrutínio dos sociólogos do conhecimento. Nada foge ao exame e a religião é um dos primeiros alvos” e por isso “estudantes cristãos de sociologia podem ficar bastante desconcertados ao descobrir que, ao que parece, suas crenças religiosas podem ser explicadas sem nenhuma possibilidade de refutação” e isso seria “tanto em termos do contexto social das origens de sua religião quanto as forças sociais que os levaram ao seu próprio comprometimento”.

Para os sociólogos do conhecimento, até mesmo os fatos narrados na Bíblia, estaria passível de explicação em conceitos puramente sociológicos. Segundo Lyon “o sociólogo do conhecimento sempre irá argumentar que a cosmovisão é constrangida socialmente” ou seja “esse mundo da “realidade” que se toma como certo é socialmente construído e não passa de um produto da sociedade”. Mas como destaca Lyon “os próprios sociólogos geralmente não possuem nenhum ponto de referência fora da sociedade”. Sendo assim “tudo o que eles podem fazer é conscientizar as pessoas daquilo que elas (na forma de “sociedade”) têm ensinado a si mesmas!” pois que “na prática, eles sempre procuram fazer mais do que isso, porque, na verdade, eles mesmos se apegam a certos valores que, embora geralmente implícitos, direcionam os seus estudos”.

O sociólogo do conhecimento desafia as fontes de autoridade, passando a esclarecer e formular juízos definitivos e qualquer que seja a crença específica, sempre se pode pesquisar sua origem social e “provar ser ela um produto do seu tempo e contexto, reforçado pela aceitação social e pelo fato de que ela parece dar certo”. Para Lyon, este espírito questionador “tende a criar no sociólogo um certo cinismo e descrença” e em razão disso “receia-se emitir qualquer juízo positivo, definitivo ou categórico na presença dele, por medo de se tornar objeto de análise social e de ser enquadrado em alguma categoria, tipificando um conservadorismo insuportável”. Se por um lado “a sociologia é devastadora em sua rejeição da autoridade (argumentando que esta, sendo sempre um produto da sociedade, é, portanto, socialmente relativa), ela é, ao mesmo tempo ‘autoritária!’”

Lyon explica o conceito de “funcionalismo” na sociologia que “começou como uma reação a um evolucionismo cru que tentava explicar as instituições sociais em termos de sua origem ‘primitiva’”. Porém, Lyon aponta que os funcionalistas “resolveram deixar de lado a questão das origens e ver a sociedade como um sistema em que as crenças e práticas desempenham um papel funcional” e que estes “decidiram ignorar tanto as origens como outros aspectos da vida social”.

Diante destes fatos, Lyon questiona “que direito têm os cristãos de se opor às afirmações dos sociólogos? Como ousam os cristãos declarar alguma coisa?” Para início de conversa, como cristãos “precisamos deixar bem clara nossa posição desde o início” e que “nós também, da mesma forma, deveríamos explicitar o ponto de vista que nos distingue como cristãos”. Lyon destaca alguns princípios que devem ser afirmados. Primeiro que “os cristãos creem que Deus se revela de várias maneiras”. Segundo que “a revelação de Deus afirma ser a verdade daquilo que é. Jesus, referindo-se à Palavra de Deus, declarou ser esta a verdade: “Tua Palavra é a verdade”. E não apenas isso: também declarou ser, ele mesmo, a Verdade”. Terceiro que “a Bíblia é verbal e contém verdade comunicável a respeito de Deus e de seu relacionamento com a criação”. Quarto que “somente o Espírito Santo possibilita uma compreensão tal que resulta em vidas transformadas pela verdade” mas que “existem coisas na Bíblia que sublinham a verdade sobre aquilo que nós já sabemos e conhecemos a partir do mundo criado que nos cerca”.

Com estes princípios em mente, Lyon destaca que “embora sejam muito fortes e constantes as pressões que sofremos por parte da sociedade para que nos dobremos diante dos padrões culturais prevalecentes, como nós mesmos seríamos os primeiros a admitir”, todavia, “existe um poder ainda mais forte que nos capacita a resistir tanto nos dias do Antigo Testamento quanto no final do século XX”. Então nós como cristãos “temos o duplo dever de estudar a Palavra de Deus seguindo a orientação divina e de aplicar seus princípios a teorias e situações específicas […] a primeira palavra pertence a Deus e a ele somente cabe a última palavra”. 

HOMO SOCIOLOGICUS

A sociologia estuda o comportamento humano, este é o seu centro de interesse sociológico. Neste sentido, segundo Lyon, as demais disciplinas como por exemplo economia, política e a biologia “pareciam apenas dar uma visão parcial do ser humano, e coube à sociologia a incumbência de compensar esse desequilíbrio”. Porém, “a sociologia não pode prover uma visão “total” do ser humano. Afinal de contas ela é apenas o estudo de pessoas em interação umas com as outras”.

Mas isso não deve invalidar o estudo da sociologia “mas sim que ele deveria ser considerado como uma perspectiva limitada, e não total”. Lyon, portanto, apresenta duas visões sociológicas da humanidade.

A primeira sendo maleável, como por exemplo, o conceito de entidade abstrata conhecida como “sociedade” ou “socialização”, a “folha em branco” de John Locke ou “internalização” argumentando que o que surge no indivíduo provem de fora. Isolando um pouco mais as diferentes visões sociológicas, Lyon destaca o “behaviorismo”, o “funcionalismo” e o “voluntarismo”. Neste sentido, quais seriam as implicações destes pontos de vistas na sociedade? Lyon destaca que “se a sociedade é responsável pela criação das pessoas, então ela é responsável por tudo, e não apenas por aquilo que é socialmente aceitável” e que “a noção de responsabilidade individual tem sido abandonada por alguns grupos de pessoas em favor da responsabilidade social” e “desta forma, todos os valores vão se tornando histórica e socialmente relativos, e até mesmo a liberdade cristã passa a ser uma ideia inadequada”.

A segunda visão seria a do homem “autoritário” categorizada por Winter como a “intencionalidade” cujo “ser humano é visto, não em termos de causa, função ou interesse, mas de intenção” e que esta “visão incorpora algumas ideias importantes, compatíveis com uma visão cristã da humanidade” e destaca bem “a responsabilidade humana”. Porém, vale destacar que esta visão tem uma variação preocupante, pois “conforme esta teoria, nós só podemos nos libertar em uma comunidade coletiva, unindo-nos a outros num esforço mútuo para mudar o status quo”. Em linhas gerais, seria uma libertação da humanidade baseada nos esforços humanos, “uma “liberdade” prescrita pela sociologia e que poderia se manifestar de qualquer forma, desde o totalitarismo até a anarquia”. A sociologia marxista tende a unir as duas visões, ou seja, “para quem a história é algo que nós criamos e que simultaneamente nos cria”.

O constante dilema da sociologia seria obter uma perspectiva total da sociedade e “ficar de fora” e mesmo assim enxergar a nós mesmos de uma forma “integral”. Porém, os sociólogos estão sempre “‘envolvidos’ na sociedade que estão observando”. De acordo com Lyon “como cristãos, devemos afirmar categoricamente que o quadro total não pode ser visto a não ser à luz da revelação de Deus, e mesmo assim, teremos somente uma visão parcial”. Todavia, a Escritura nos mostra que fomos criados a imagem e semelhança de Deus, porém, houve a queda, e como consequência esta imagem ficou manchada. O que Lyon chama de estarmos “‘perdidos’, ‘mortos’ e ‘em inimizade contra Deus’”, entretanto, “apesar dessa corrupção total, o ser humano é descrito como ‘homem’” e dessa forma “ainda resta algum vestígio de “humanidade”, mesmo depois que perdemos nossa unidade com Deus e nossa retidão original por ocasião da Queda”.

O conceito da “imagem” humana ou “graça comum”, segundo Lyon não seria o mais adequado e sim a ideia de “humanidade comum”. De acordo com Lyon precisamos ter uma visão integral do ser humano, ou seja, “o ser humano total, integral, é um ser religioso. A religião não é um aspecto da vida ela é a vida. A humanidade depende da religião” mas que “a dimensão horizontal da vida não pode ser plenamente apreciada enquanto não for vista à luz do nosso relacionamento vertical com o Criador”.

Porém, para os sociólogos “a ideia de que o pecado ou mal existe lhes é repugnante” e dessa forma “o mal não é inato, e sim causado por fatores determinados pelo contexto social” e que o pecado na sociedade também “pode ser minimizado de outras formas”.

Para os cristãos envolvidos na área da sociologia existe um desafio “tanto a nível interno quanto externo, para que resolvam essa questão do significado da ‘magem’, aplicando em seu trabalho as conclusões adquiridas” e que “precisamos continuar declarando que somos seres humanos por sermos a imagem de Deus, e explicar as implicações práticas desta visão”.  Como cristãos devemos:

Afirmar com convicção essa visão da “imagem de Deus”, além de “dar sabor” à teoria sociológica poderia, pela graça de Deus, ser o meio de abrir os olhos cegos para a verdade que é Deus. Nós devemos lutar e orar para que esta imagem seja restaurada, a começar em nós e também nos outros.[1]

APARÊNCIA AMEAÇADORA

Neste capítulo, Lyon aborda a aparência ameaçadora da sociologia da religião para o cristão. Por dois motivos: primeiro querer explicar as características da fé e das práticas cristãs, e segundo a sociologia da religião traz à tona tantos problemas que muitas vezes não temos coragem de se envolver. Todavia, “os sociólogos também ficam perplexos diante do fenômeno da religião”.

De acordo com Lyon, em sua época a sociologia da religião estava florescendo, pois a maioria das pessoas acabavam se deparando com a sociologia da religião “seja na forma de infindáveis debates sobre a relação entre o protestantismo e o capitalismo, seja em debates concernentes à secularização”.

Lyon diz que a “sociologia considera a religião como um ‘fenômeno social’”, porém, ele afirma que “considerar a religião como um fenômeno social é algo que nós mesmos já fazemos”. Algumas definições sociais de religião podem conter implicações quanto a verdade. Lyon aborda duas. A primeira é a definição dos funcionalistas que “julgam a religião de acordo com seus efeitos”. O Segundo é a definição marxista “considera a religião como falsa, pois, para ele, esta se baseia em um diagnóstico errôneo da condição humana”. Mas para o sociólogo cristão sua posição “deve se expressar na afirmação de que existe uma religião ‘verdadeira’ manifesta em sociedade e que, além disso, há sempre presente alguma forma de religião” e que de fato “para alguns, a religião é usada como ‘ópio’”.

Lyon aborda brevemente três enfoques de como os sociólogos enxergam a religião. Primeiro como uma forma de conduta, ou seja, se refere aos estudos do comportamento religiosos. O segundo como crença, ou seja, “a crença religiosa é estudada como sendo algo que torna plausíveis e dá significado a certas práticas e instituições”. E por fim como retificação, se referindo “à objetivação de um desejo em busca de segurança, talvez de uma figura paterna ou da esperança de um mundo melhor”. No entanto, de acordo com Lyon, “embora seja verdade que certas pessoas realmente criam suas próprias religiões, estas não passam de simulacros da verdadeira religião, que é obra de Deus e, como tal, é irreprimível”.

FIM OU INÍCIO DA MODERNIDADE?

Neste capítulo Lyon aborda as questões dos anos 90 indicando o fim ou não da modernidade. Alguns principais títulos de muitos livros da época eram sobre os males da modernidade enquanto outros era sobre potenciais positivos. Havia também uma “preocupação considerável com mudanças sociais de monta, a ponto de ser possível inferir que está surgindo uma sociedade totalmente nova” e que “o conhecimento, e não tanto o capital e o trabalho, será o novo eixo de rotação da sociedade” e que aquela antiga “antiga fórmula sociocultural baseada na ciência e na tecnologia, no crescimento econômico e na democracia – está chegando ao fim. Ela está sendo substituída por uma condição hoje conhecida como ‘pós-modernidade’” e como consequência, os antigos compromissos do Iluminismo caiu em descrédito.

Lyon aborda algumas análises sociológicas dos anos 90. Estas seriam “problemas de consumo e sua ligação com propagandas de televisão e marketing global”. Bem como o efeito da globalização que nos dá “um novo senso de unidade e diversidade”, e o desejo por liberdade, ou seja, queremos “escolher nosso estilo de vida, sem os dogmas da tradição ou da convenção que possam limitar, por exemplo, as relações homossexuais”.

Algumas alterações em nosso panorama social, nos levaram a um estilo de vida diferente e “somos agora constantemente obrigados a calcular riscos e a viver à luz desses riscos, até a próxima notícia”. Neste sentido, Lyon nos faz lembrar que “a esperança do Iluminismo de que um entendimento melhor nos levaria a uma convivência melhor ficou um tanto quanto esvaziada”.

Como ficam, porém, resistem a essas alterações e ao relativismo e se baseiam por uma verdade única? Lyon responde que “lutamos para moldar nossas explicações sociológicas e escolher as teorias segundo nossos compromissos cristãos” e procurando “ao mesmo tempo o máximo de honestidade e fidelidade possível em relação as todas as informações que possamos colher” e esses compromissos incluem “o que sabemos a princípio a partir dos propósitos de Deus para o mundo social, revelados na criação, quanto dos indivíduos de que eles serão cumpridos no futuro” e o que conecta ambos é “a cruz de Cristo, em que Deus já está trabalhando, ‘reconciliando todas as coisas’”.

No entanto, Lyon nos apresenta dois riscos pelos quais a igreja corre ao se relacionar com a sociedade. Em primeiro lugar que “ou nos acomodamos às ondas de mudanças – tornando-nos ilhas reclusas de conforto e consumo, ou adotando padrões sexuais da cultura ao redor”. Em segundo lugar, ele diz “ou resistimos”. Esta segunda opção pode nos levar a “uma postura sectária intolerante, mais preocupada com pureza doutrinária do que com um compromisso público sincero com Jesus”. Lyon nos apresenta o caminho mais seguro e que seria “o caminho bíblico de ‘estar neste mundo mas não ser deste mundo’. Essa tenção é o pano de fundo, tanto da vida da igreja propriamente dita como da análise social que fazemos dela”.

A SOCIOLOGIA CRISTÃ

A “sociologia cristã” não seria algo novo de sua época e já teria sido abordada em 1880 por algum bispo que teria demonstrado “profunda consciência social, viu a necessidade de uma sociologia cristã orientada pela Bíblia!” Algumas tentativas para foram feitas, porém, sem sucessos significativos.

Em seu contexto, porém, falar de sociologia cristã é querer expor-se à controvérsia e críticas. Lyon comenta que “já há muito tempo e por diversas razões, os próprios cristãos têm revelado um forte receio de ‘invadir’ o mundo acadêmico com ideias cristãs” e tem ingerido “a senha da ‘neutralidade’, acreditando ser possível manter uma ‘objetividade imparcial’, mesmo no campo das ciências sociais”.

A sociologia moderna não se coaduna com a visão cristã de sociedade. Sendo esta apenas um “produto, pelo menos em parte, do século XIX, que rejeitou a cosmovisão cristã. A sociologia assumiu uma autoridade própria, usando a ‘sociedade’ como único ponto de referência”.

Em seguida, Lyon aborda dois pontos da sociologia cristã e alguns apontamentos finais para uma boa sociologia cristã. O primeiro ponto que ela jamais “poderá ser considerada monolítica ou ser considerada o único meio de se conhecer a verdade acerca da sociedade”. E o segundo ponto é que “a sociologia cristã não é apenas a sociologia ‘comum’ salpicada aqui e ali de textos bíblicos adequados a cada situação! A Bíblia é a Palavra de Deus e é considerada um livro consistente, coerente de toda autoridade”. E por esta razão “nós devemos depender do Espírito Santo para que nos capacite a compreender a Bíblia e, portanto, aproximar-nos dela com humildade, conscientes de que nós mesmos somos cheios de falhas”.

Os principais apontamentos de Lyon para uma boa sociologia cristã seriam em primeiro lugar entender que “a Bíblia deve ser vista como um todo, um livro integrado e seus detalhes devem ser vistos na perspectiva dos temas centrais da criação, redenção, do Senhorio de Cristo e assim por diante”. Em segundo lugar, desenvolver seus “pressupostos sociológicos específicos, usando-os para criticar ou modificar outras sociologias”. Em terceiro, que os cristãos “se orgulhassem das Boas Novas, sem se envergonharem da sua cosmovisão bíblica e prontos a lutar por suas convicções cristãs na arena sociológica! Como em qualquer outra atividade”. Em quarto que “nós deveríamos orar para que, ao estudarmos sociologia, fôssemos cheios do Espírito Santo de Deus!”. Em quinto que necessitamos de “‘uma mente cristã’ ao considerarmos a sociedade em toda a sua complexidade”. Em sexto lugar que a “prova da veracidade da nossa visão de mundo reside, não em altas teorias […] mas em vidas transformadas. O sociólogo cristão deveria se caracterizar”, antes de tudo, “pela humildade, honestidade e integridade intelectual, tanto em sua vida quanto em seus escritos”.

CRÍTICA E CONCLUSÃO

O Cristão e a sociologia: uma perspectiva cristã de David Lyon é uma obra que se propõe ajudar aqueles que se deparam com os pressupostos e dilemas da sociologia nas universidades. Sua narrativa dos fatos é construída de tal forma que consegue chamar a atenção para a necessidade do envolvimento do estudante cristão com a sociologia.

Tudo indica que Lyon não teve o interesse em construir ou criticar uma “doutrina” cristã da sociologia, mas de fato, chamar a atenção para o fato do pouco envolvimento do cristão nessa área por diversos fatores, como por exemplo, o medo que alguns tem de perder a fé ou o medo do desprezo da academia pelos pressupostos cristãos acerca da sociedade.

Todavia, mesmo não tendo o desejo de elaborar ou criticar uma doutrina cristã da sociologia, Lyon acerta ao priorizar a revelação de Deus que é manifesta entre os homens e a revelação pessoal que é capaz de transformar interiormente o homem e como consequência, este transforma o meio em que ele está inserido.

Lyon também acerta ao colocar a Bíblia como principal ferramenta do cristão para o envolvimento mais de perto com a sociologia, e usa-la sem medo ou receio de sofrer preconceito ou retaliação da academia, pois é nela que contém as Boas Novas e a vontade de Deus para o homem e a sociedade de forma geral.

Lyon também é muito feliz ao destacar, além do preparo intelectual do estudante de sociologia cristão, o preparo espiritual. E com isso ele destaca a importância da oração e da dependência do Espírito Santo.


[1] LYON, David. O cristão e a sociologia: uma perspectiva cristã. São Paulo: ABU Editora, p.49.