Triagem teológica

Mão e cubos pequenos
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Triagem teológica

A história do termo

Triagem é um conceito da medicina. No contexto médico, todos os pacientes não recebem o mesmo grau de urgência no tratamento. Geralmente há um sistema de priorização nos tratamentos médicos.

Este termo “triagem” foi aplicado a teologia, de onde vem o termo “triagem teológica”. O termo triagem teológica foi cunhado pelo teólogo Albert Mohler, a fim de fazer referência aos diferentes graus de importância das doutrinas e a urgência da necessidade delas no tratamento no contexto teológico. [1]

A ideia da triagem teológica

A ideia da triagem teológica é classificar as doutrinas em diferentes graus de importância e urgência.  Esses são dois aspectos da triagem teológica. As razões para isso são: 1) existem doutrinas que valem a pena lutar por elas, ao mesmo tempo em que existem doutrinas pelas quais não vale apenas lutar; 2) existem doutrinas de urgente necessidade para tratar na igreja, doutrinas que precisam ser priorizadas a fim de sermos mais eficientes na nossa missão de agradar a Cristo, no serviço à sua igreja e na promoção do seu Evangelho.

É uma tolice pensar que todas as doutrinas têm o mesmo grau de importância e urgência. Ao nivelarmos todas as doutrinas, manifestamos o tolo desejo de querer lutar por tudo ou o frouxo desejo de não querer lutar por nada. A triagem teológica é um conceito importante para, por um lado, acalmar os filhos do trovão (aqueles que têm zelo doutrinário, mas sem entendimento – Rm 10.2) e, por outro lado, despertar os pacifistas (aqueles que têm entendimento, mas sem zelo doutrinário – Ap 2.19-20; Jd 3).

Categorização das doutrinas

Existem muitas maneiras de distinguir ou categorizar doutrinas. Roger Olson sugere categorização tríplice [2]: 1) Dogma; 2) Doutrina e 3) Opinião.

Entretanto, outros estudiosos, como Erik Thoennes [3], Daniel Wallace [4] e Gavin Ortlund [5] têm sugerido categorização quádrupla das doutrinas:

  • Doutrinas primárias – são aquelas doutrinas essenciais ao Evangelho, as crenças centrais da fé cristã. Essas são absolutas.
  • Doutrinas secundárias – são aquelas doutrinas urgentes para a saúde da igreja e prática da igreja. Essas doutrinas são as responsáveis da causa da separação dos cristãos, seja a nível de igreja local, de denominação e/ou de ministério. Essas são as convicções.
  • Doutrinas terciárias – são aquelas doutrinas importantes para a teologia cristã, mas que não são suficientes para justificar a divisão dos cristãos. Por serem questões menos claras, elas não devem romper com a unidade cristã. Essas são as opiniões.
  • Doutrinas quaternárias – são aquelas doutrinas menos importantes para a promoção do Evangelho e colaboração entre os ministérios. Essas doutrinas são aqueles assuntos/questões não resolvidas. Essas são as especulações.

Estudo de caso

Apresentamos abaixo alguns tópicos para servir de exemplo na abordagem de categorização das doutrinas. 

  • A Trindade é uma doutrina primária – O ensino da Trindade é uma doutrina essencial da fé cristã. Trindade é o termo historicamente cunhado por Tertuliano para expressar o ensino bíblico de que Deus é um ser que subsiste em três pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo.[6] Não são três deuses, mas uma única substância divina indivisível, que subsiste em três pessoas distintas, codivinas, coiguais e coeternas. Todo aquele que se diz cristão ou pensa em professar publicamente a fé cristã, deve pensar desse modo com relação à Trindade. Não tem como alguém declarar-se cristão e não crer nisso.
  • O batismo [7] é uma doutrina secundária – Há muita discussão sobre o batismo entre as igrejas, desde a forma do batismo (imersão, aspersão e efusão) e o candidato ao batismo: somente adultos crentes (posição credobatista) ou também crianças, filhos de crentes (posição pedobatista).
  • O milênio é uma doutrina terciária – Há uma longa e histórica discussão sobre o milênio. Há basicamente três posições com relação ao milênio:
  1. Amilenismo​ – esta corrente acredita que o milênio não deve ser interpretado como literal, de mil anos, mas sim como o reinado de Cristo, que vai desde a primeira até a segunda vinda de Cristo.
  2. Pós-milenismo​ – Essa corrente concorda com o amilenismo na interpretação figurada do milênio. Mas difere do amilenismo ao ensinar que o Evangelho se propagará gradativamente pelo mundo, sob a influência dos cristãos, ao ponto de termos um mundo cristianizado.
  3. Pré-milenismo – Há duas formas de pré-milenismo. Ambas acreditam que o milênio está no futuro, e que terá início depois da volta de Cristo à terra:
    1. Clássico ou Histórico ​– Esta corrente ensina que no final da era atual, Jesus virá e ressuscitará os cristãos para estarem com ele, onde Cristo vai reinar sobre eles durante mil anos, ou outro longo período. Neste tempo, Satanás ficará preso no abismo.
    2. Dispensacionalista – Essa é a corrente milenista mais complexa. Em sua abordagem supõe três vindas de Jesus a terra. A primeira vinda já aconteceu, com seu nascimento, morte, ressurreição e ascensão. Na segunda vinda, ele vem e arrebata secretamente os cristãos para estarem com ele. Após isso, virão os 7 anos de grande tribulação sobre as pessoas que ficarão na terra e então Jesus voltará novamente com os santos e reina na terra mil anos (que pode ou não ser literal).
  • O destino dos que morrem na infância é uma doutrina quaternária – O destino dos que morrem na infância tem gerado discussões entre os teólogos. Alguns acreditam que todas as pessoas que morrem na infância são salvas, enquanto outros dizem que apenas são salvas as crianças eleitas. Esta última, por exemplo, é a posição dos teólogos de Westminster (Cf. CWF X.III).

 

Conclusão

Todas essas informações são para termos ciência da importância de categorizarmos as doutrinas. Nem toda doutrina deve ser razão de brigas e desunião entre irmãos e denominações. Infelizmente, hoje muitos irmãos vivem em rixa por questões tão banais, que não afetam diretamente sua salvação. Precisamos de unidade nas doutrinas primárias, fraternidade nas doutrinas secundárias e humildade nas doutrinas terciárias e quaternárias.

Termino com a famosa frase do calvinista George Whitefield: “No céu não haverá presbiterianos, batistas ou metodistas. Haverá apenas almas regeneradas por Deus”.[8]


[1] Mohler, R. Albert Jr., The diappearance of God: dangerous beliefs in new spiritual openness (Colorado Springs: Multnomah, 2009), p.1-8, Apud ORTLUND, Gavin. Questões doutrinárias pelas quais vale apenas lutar: em defesa da triagem teológica. Trad.: Rogério Portella. SP: vida Nova, 2022, p.19.

[2] OLSON, Roger E. História da teologia cristã: 2000 anos de tradição e reformas. Trad.: Gordon Chown. SP: Editora Vida, 2001, p. 15-18.

[3] THOENNES, Erik. Life’s biggest questions: what the Bible says about the things that matter most. Wheaton: Crossway, 2011, p. 35.

[4] WALLACE, Daniel B. My take on inerrancy. Site: Bible.org. Disponível em: <>. Aceso 03 dez. 2022.

[5] ORTLUND, Gavin. Questões doutrinárias pelas quais vale apenas lutar: em defesa da triagem teológica. Trad.: Rogério Portella. SP: vida Nova, 2022, p.21. Para uma abordagem mais acurada sobre o assunto, recomendo a leitura completa deste livro.

[6] BERKHOF, Louis. Histórias das doutrinas cristãs. 1ª ed. Trad.: João Marques Bentes; Gordon Chown. SP: PES, 1937, p.77

[7] Para um estudo sobre isso, veja: HODGE, Charles. O batismo cristão: imersão ou aspersão. Trad.: Sabatini Lali. SP: Cultura Cristã, 2014; CITAR UMA OBRA BATISTA.

[8] Citado em LAWSON, Steven. O zelo evangelístico de George Whitefield. Trad.: Elizabeth Gomes. SP: Fiel, 2014, p. 75.