Artigo: Restauração da criação na Ceia

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Restauração da criação na Ceia 

Esse artigo é sobre como os mandatos da criação são restaurados na comunhão da mesa e que implicações isso tem na grande História de Deus e, por isso, gostaria muito que você considerasse o título desse artigo. Nos soa familiar a ideia de relacionamento e mesa. Sazonalmente repetimos esse momento em nossas igrejas. Mas será que temos consciência do que este sacramento significa na prática da nossa espiritualidade? Mas até chegarmos nas aplicações práticas que esse texto traz pra sua vida, nós precisamos abrir um parêntese importante.

Os sacramentos são Deus, acomodando-se a nossa capacidade, em sua admirável providência, antecipando um modo pelo qual, por mais longe que estejamos, afastados dele, ele se relaciona conosco, disse João Calvino. Somente pela obra do Espírito Santo é que os elementos da ceia nos levam a Cristo de maneira relacional. O pão não vira a carne de Cristo e o vinho não vira o sangue de Cristo. Pois, Cristo ainda vive em glória reinando nas regiões celestiais e quem nos relaciona com ele nessa realidade é o Espírito Santo.

A ceia é a expressão da comunhão pela Graça de Deus. É um ato extremamente espiritual.

A ceia é uma sinalização da nova ordem que governa nossas vidas. A ordem de garantir-se em Jesus Cristo, isto é, participar do corpo de Cristo e receber seus benefícios por causa da morte de Cristo Jesus, apenas. Não é uma ordem baseada nas nossas histórias, mas na grande história de Deus.

Paulo diz que somos filhos de uma “cidade livre” a chamada Nova Jerusalém, porque nascemos de novo pelo Espírito. Não é mais o penhor do pecado, a escravidão, nosso alimento e sim o corpo e o sangue de Cristo.

Dessa forma a comunhão na igreja não é só visível, mas espiritual e por isso, invisível. Como escreveu Tish Warren: Se cremos que a igreja é meramente uma sociedade voluntária de pessoas com valores compartilhados, ela se torna inteiramente alternativa e opcional – por isso a razão de muitos deixarem de congregar e desconsiderarem a comunhão fundamental. Por exemplo, “Se a igreja te ajuda em sua comunhão com Deus, ótimo, se não, eu conheço um restaurante muito bom na cidade para você ir no domingo”.

Se temos Deus como Pai, a igreja é nossa mãe por ser ela o seio que nos amamenta na Palavra de Deus e recebemos os cuidados de Deus. (Digo isso ancorado nos argumentos do Apóstolo Paulo, João Calvino e Cipriano)

Certamente alguns de nós já ouviu o fato bíblico de que fomos criados para um relacionamento com Deus. Outros, porém, sabem, responder a primeira pergunta do catecismo menor de Westminster, que o fim principal do ser humano é “glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”. Mas como relacionar essas coisas na prática da comunhão na ceia do Senhor Jesus? De que maneira podemos encarar esse relacionamento com Deus nos levando a desfrutar dele?

Vamos primeiro nos lembrar que no ato da criação Deus delegou 3 missões. O que, na teologia, nós chamamos de mandatos criacionais. Isso envolve 3 áreas da nossa vida. O espiritual, o cultural e o social. São 3 esferas de atuação do ser humano em expressar seu relacionamento com Deus.Isto é, Deus estabeleceu um pacto firmado em sua Palavra dando todas as condições para que o homem assim vivesse diante dele. Guardando a criação, povoando o mundo e guardando o descanso para relacionar-se com Deus. A partir do momento em que o homem falhou em guardar a criação, desconsiderou a vontade de Deus para atender suas vontades e inverteu sua prioridade, o estrago foi feito. O pecado afetou toda a criação. Isto quer dizer que a vida espiritual, o relacionamento entre os humanos e demais criaturas sofreu diretamente.

No entanto, há uma promessa no meio deste cenário. Deus aponta um resgate restaurador do relacionamento em um novo adão (ser humano) que viria ao mundo para restabelecer o propósito do ser humano e, ouso dizer, a humanidade do ser humano.

É possível enxergarmos isso claramente na celebração da ceia. Momento que o pacto da redenção é encenado pela igreja de Cristo Jesus que é o novo adão que nos reconciliou com o criador. Cristo por ser o único e suficiente mediador entre nós e o criador ao estabelecer tal ato deixa claro, não só a importância sacramental desse momento, mas também, seu significado espiritual, social e cultural, tal como nos lembra o propósito da nossa criação.

Afastar-se da comunhão, então, é rejeitar em certo sentido os benefícios da salvação em Cristo. Tenho dito essas coisas, para que você se aproxime, não se acomode a pensar que é possível manter comunhão saudável com Deus sem expressar a comunhão com o povo de Deus, ausentando-se da mesa. Mas, que benefícios são esses?

Em Mateus 26:20-29 lemos que Jesus estava reclinado a mesa para jantar com seus discípulos uma refeição comum de sua época. No entanto, agora, tornando esse simples ato corriqueiro numa prática espiritual que é confiado por Cristo com dignidade. Vamos considerar 3 coisas claras no texto lido; a traição de um amigo, as palavras de Jesus e os doze presentes nessa reunião.

Porque isso é importante? Por que definir essas 3 coisas vão nos ensinar algo precioso que nós estamos participando enquanto ceamos.

a) Nesta mesa tem gente pecadora: O traidor está nessa mesa, pronto para fazer o que já havia planejado. Poucos minutos depois de ter tido os seus pés lavados por Cristo. Ele foi servido e abençoado por Deus, mas prefere obedecer sua tentação em entregar Jesus em troca de dinheiro.

b) Nesta mesa tem gente que apesar de ser pecadora teme obedecer Jesus: Quando Cristo cita que há um traidor na mesa, todos querem fugir dessa responsabilidade de ser o traidor. Não é nada confortável ser um pecador na presença de Jesus. Imagine só, ele conhece o que está dentro de você. Isso deve nos causar espanto.

c) Mas quem dita o ritmo dessa mesa é Cristo com suas palavras: O alívio de todo pecador que se assenta na mesa é saber que Cristo, o Messias prometido por Deus para vingar o castigo do pecado está falando e participando daquele momento, então, não há o que temer. Ele é confrontador mas também é amável.

Por isso que a ceia pode ser a maior expressão do relacionamento que temos com Cristo se participarmos da mesa com o compromisso que é devido. Por isso não dá pra falar do Pacto firmado na Redenção sem lembrar que houve uma ruptura com o pacto da criação. E que há, também, uma promessa recompensadora na consumação dos séculos no futuro. Vamos ver como Jesus expressa em suas palavras o significado do relacionamento com ele na mesa.

1) Partilhar o pão: é sobre mandato social – para pecadores não é fácil dividir o pão. Somos egoístas, segregadores e injustos. Na mesa tem pescadores como Pedro, André Tiago e João, um zelote como Simão e um cobrador de impostos como Mateus, por exemplo. Gente honesta como Bartolomeu e gente dúbia como Tomé. Jesus partilhar seu pão com pessoas de diferentes características nos estabelece um princípio de unidade não mais baseado em gostos pessoais, histórias e posições sociais mas no seu sacrifício perfeito na cruz. Quer dizer que eu devo partilhar o pão com quem é diferente de mim, mas profundamente igual porque nossas diferenças são silenciadas pela nossa semelhança em sermos pecadores salvos por Cristo.

2) Meu sangue derramado em favor para perdão: é sobre mandato espiritual – O pacto da remissão de pecados só é firmado com derramamento de sangue (Hb 9:22b) É de fundamental importância entender que somente pelo sacrifício de Jesus é que recebemos a benção de sermos perdoados por Deus. Por isso oramos em seu nome e por isso estamos aqui hoje. Para louvar mais uma vez esse presente que ele nos deu quando sofreu em nosso lugar. Sua compaixão revela o caráter do Deus que nos criou, um Deus misericordioso que nos restaura e nos quer em relacionamento com ele, mesmo depois do nosso pecado. Isso se chama Graça. Temos paz com Deus, estamos perdoados, você foi absolvido da pena.

3) Fruto da videira e pão: é sobre mandato cultural – O pecado nos fez ver o pão como mérito de trabalho (Gn 3:19), mas, o pão é graça providencial de Deus. O fruto da terra e da videira são bênçãos que Deus nos dá. Ainda que a gente se esforce, trabalhe, transpire muito, o resultado de todas as coisas não tem a ver com nosso mérito e sim com a graça de Deus que continua nos sustentando e nos dando a satisfação de poder comer o pão e beber um gole do fruto da videira.

A ceia, portanto, também, reflete nosso pacto com o Criador. A aliança estabelecida por Deus não fala só do nosso relacionamento com ele, mas do recurso que ele usa para ainda administrar a criação em relacionamento conosco que somos suas criaturas. Foi assim na criação e segue assim na redenção.

Portanto, para assentar-se nessa mesa você precisa assumir que você é um traidor em potencial, isto é, um pecador. Um pecador que treme ao ouvir as palavras de Jesus porque entende a seriedade que envolve se comprometer em aliança com ele. Essa mesa é o lugar de quem reconhece Jesus como aquele que pode verdadeiramente perdoar os nossos pecados. Você precisa olhar para dentro de si e assumir que suas falhas são problemas reais que te afastam de Deus, mas só em Jesus existe a certeza de sentar-se a mesa na presença de Deus. Amém!