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A Bíblia é ou contém a Palavra de Deus?
Para respondermos isso, precisamos entender que o que temos em mãos são traduções de textos escritos em grego e hebraico. Esses textos são compilados de um conjunto de manuscritos. Quanto ao Novo Testamento, até o século XIX, havia basicamente um texto grego, o chamado Texto Recebido (TR). A partir disso, outros textos foram sendo encontrados, dando origem ao Texto Crítico (TC).
No Brasil, quase todas as versões modernas têm sido baseadas no Texto Crítico: ARA, NVI, NVT, NTLH, AS21, NAA e até mesmo a ARC, entre outras. Somente a ACF, da Sociedade Bíblica Trinitariana, baseia-se totalmente no Texto Tradicional.
1. Mas qual deles é melhor?
Vamos entender o que é cada um e como foi que eles surgiram e chegaram até nós!
1.1. Texto Recebido:
Ele é também chamado de Tradicional (TT) – juntamente ao Texto Massorético do Antigo Testamento – porque é o que foi utilizado pela Igreja desde o primeiro século! É chamado de Recebido, porque ele não foi algo novo, ‘criado’ pelo seu editor, mas simplesmente recebido a partir da tradição e aceitação da Igreja. Erasmo de Roterdã, juntamente com o providencial surgimento da imprensa, imprimiu, em 1516, sua primeira edição do NT, tomando os melhores manuscritos bizantinos para tal. Importante notar que, embora conhecesse o códice Vaticanus, ele já o havia rejeitado em sua época.
Essa edição foi seguida por outras, publicadas por ele e outros que deram continuidade ao trabalho, como Stunica, Stephens, Beza (envolvido na causa da Reforma Protestante) e, por fim, os irmãos Elzevir, em 1633, os quais tiveram a seu dispor ainda outros excelentes manuscritos bizantinos. Tais edições variavam muito pouco entre si. Esse foi o texto utilizado e que culminou na Reforma Protestante!
1.2. Texto Crítico:
Surgido no século XIX, no contexto do surgimento do evolucionismo darwinista, humanismo, liberalismo teológico e racionalismo alemão, a partir do trabalho de estudiosos que se opunham à fé cristã ortodoxa e simpatizantes do catolicismo romano, como Griesbach, Hug, Lachmann, Tregelles, Tischendorf, Westcott e Hort.
A partir de alguns poucos manuscritos produzidos em Alexandria, Egito, por copistas discípulos de Orígenes – o qual descria da divindade de Cristo – sendo os principais o Vaticanus e Sinaiticus, revisões foram empregadas no texto tradicional (daí o nome “Revista”), de modo a substituir, omitir (na maioria) ou acrescentar palavras.
Tais manuscritos foram chamados de “melhores” por sua datação antiga e excelente estado de conservação (ainda que haja suspeitas de que tenham sido forjados), apesar de incontáveis erros, rasuras, alterações e discordâncias. A partir desses códices, Westcott e Hort – os quais parecem terem sido motivados por um desprezo particular do Texto Recebido1 – lançaram a sua versão do NT em 1881, a qual serviu de base para a edição de Nestlé- Aland, em 1904 e o texto da United Bible Societies, em 1965, por editores que descriam da Bíblia, sendo utilizado desde então para as traduções modernas, católicas e ecumênicas.
2. A Palavra recebida – como a Palavra de Deus chegou até nós?
Deus falou ao seu povo e escreveu Sua Palavra com o próprio dedo, entregando-a a Moisés, o qual foi incumbido de transmiti-las a todo o povo. Essas palavras foram registradas, depois lidas e confirmadas por Jesus Cristo, que a encarregou aos apóstolos, os quais escreveram o Novo Testamento na língua grega. Os discípulos dos apóstolos, que foram conhecidos como os Pais da Igreja, transmitiram esta Palavra a ela, através de várias cópias de manuscritos que, de tanto serem utilizados e copiados, se desfizeram.
Rapidamente o cânon da Bíblia se formou, ou seja, a Igreja praticamente unanimemente reconheceu quais livros que tinham a mãos eram de fato inspirados por Deus, a ponto de no ano 150 várias traduções contendo os mesmos 27 livros que temos hoje já existirem e serem aceitos como sendo de autoridade escritural divina por toda a Igreja.
A principal concentração e movimentação da Igreja no novo testamento deu-se em Antioquia, onde os discípulos foram primeiramente chamados ‘cristãos’ (At 11.26), a qual pertencia ao império bizantino, pelo que essas cópias ficaram conhecidas como ‘texto bizantino’.
Como havia ali a presença de diversas igrejas, para as quais múltiplas cópias eram feitas, multiplicou-se o número de manuscritos neste lugar – há mais de 5000 cópias em grego existentes! Do total de mss gregos, o equivalente a 99% concorda com o texto bizantino. Cada um destes manuscritos continha uma parte ou todo o Novo Testamento, sendo eles em praticamente 100% dos versos concordantes entre si.
Com a invasão militar islâmica (1453), os cristãos dessa região fugiram para o ocidente, carregando consigo seu tesouro mais precioso – a Palavra de Deus. Assim, milhares de cópias do Novo Testamento grego inundaram a Europa ocidental, de maioria católica romana, a qual havia perdido muito do interesse e fluência no grego, utilizando basicamente o latim. Um novo interesse pelo grego fora então despertado, o que em breve levaria a um esforço de produção de um texto do NT em grego por Erasmo, em 1516.
Concomitantemente, temos a invenção da imprensa, por volta de 1442 e, um pouco mais adiante, a Reforma Protestante, deflagrada por Lutero em 1517. A partir disso, o Texto Recebido foi utilizado como base para a tradução da Bíblia em diversos idiomas, como por Lutero para o alemão (1522), Reina e Valera para o espanhol (1569, 1602), Tyndale (1525 e 1534) e o rei James (1611) para o inglês e João Ferreira de Almeida para o português (1681 e 1753), sendo traduzida até nos dias de hoje pela SBTB na versão Almeida Corrigida Revisada e Fiel aos Textos Originais (desde 1994)!
Embora as cópias existentes hoje sejam de datação mais recente (século VIII) e, portanto, mais distantes dos autógrafos, é importante ressaltar que seu texto é respaldado pelos documentos dos pais da igreja e de antigas versões, como a Peshitta (siríaca) e a Antiga Latina. Ou seja, o texto usado pelos pais da Igreja – apostólicos, teólogos e apologetas – que estavam próximos aos apóstolos, era o mesmo texto bizantino utilizado pelas Bíblias hoje que se baseiam no texto tradicional!
Nessa história, vemos Deus cumprindo sua promessa de preservar a Sua Palavra escrita, de modo que podemos ter hoje certeza de lermos aquilo que Ele inspirou (cf Is 40.8; Mt 24.35; I Pe 1.23-25)!
Apesar disso, houve alterações premeditadas em cópias do texto bíblico:
com o que queremos dizer adulterações deliberadas do texto sagrado, geralmente no interesse de teologias ou doutrinas particulares. Dionísio, um ministro em Corinto, numa carta datada de cerca de 168-170 d.C., lamenta o fato de que suas próprias cartas terem sido alteradas, e acrescenta: ‘Não é surpreendente, portanto, se alguns deles tenham se disposto a adulterar as Escrituras Dominicais’2. Um autor desconhecido (que alguns pensam ser Hipólito e outros, Gaio) escreveu, cerca de 230 d.C.: ‘Eles (os hereges), com audácia, deitam as mãos sobre as Escrituras divinas, dizendo que as estão corrigindo. 3
Conscientes disso, professores ortodoxos as expuseram em seus ensinos e descartaram tais textos como moldes para novas cópias. Os pais da igreja possuíam critérios para determinar a fidelidade de um texto e aprová-lo, como por exemplo: a identidade do copista; o número de cópias; o lugar onde ela foi encontrada; a qualidade geral da cópia; a concordância com outras cópias existentes; e a estreita proximidade com um centro cristão bem conhecido.4
3. Novas descobertas
Mais tarde, alguns manuscritos ignorados foram trazidos à tona pela investigação de Constantin Tischendorf, os quais foram chamados de alexandrinos, sendo os dois principais: Sinaiticus e Vaticanus. O primeiro fora encontrado num mosteiro, numa lata de descarte, prestes a aquecer o forno. O segundo estava esquecido por séculos numa prateleira do castelo do papa. Esses manuscritos continham, além do cânon bíblico, livros apócrifos (rejeitados pela Igreja).
Alexandria (Egito), local de origem desses textos, era um local de origem pagão, berço de heresias como o gnosticismo, que negavam a Trindade e a natureza de divina de Cristo, e não possuía fluência grega, dando margem a erros e alterações de significado no processo de cópia, como se nota pelos muitos erros gramaticais encontrados nos textos.
Além disso, não havia nesse lugar uma presença forte da Igreja nem supervisão apostólica de modo que pudesse possibilitar a autenticação desses textos. Pelo inferior nível de qualidade de tais manuscritos, é expresso um enorme descuido e irreverência dos copistas responsáveis por eles. São abundantes as contradições e discordâncias entre si em centenas de passagens – somente nos Evangelhos há mais de 3000!
Marcado por um racionalismo e liberalismo teológico na Alemanha, ceticismo, o evolucionismo darwinista, o surgimento do marxismo e outras filosofias heréticas, o século XIX traz vários pensadores que se opunham com aviltamento ao Texto Recebido e à ortodoxia cristã e que demonstraram especial interesse nos textos recém surgidos.
3.1. L. Hug, “em 1808 introduziu a teoria de que, no século II, o texto do Novo Testamento tinha se tornado profundamente degenerado e corrupto, e que todos os textos hoje sobreviventes são meramente revisões editoriais deste texto corrompido”5, com o que concordava Karl Lachmann, o qual aplicou as mesmas regras para editar o NT que aplicava para outros clássicos gregos. Desconsiderou, porém, que “O cuidado reverente e amoroso prestado pelas igrejas fiéis ao copiar e preservar as Escrituras não foi igualado por um processo similar no copiar dos clássicos gregos.”6
3.2. J. Griesbach, seguindo a mesma linha, acreditava que “Entre as várias variantes para uma passagem [do NT em grego], tem que merecidamente ser considerada como suspeita aquela que, mais do que as outras [variantes], manifestadamente favorece os dogmas da ortodoxia”7. Em outras palavras, de acordo com este princípio, “se houver uma passagem no Texto Recebido que evidente e fortemente implica ou ensina a divindade de Cristo em [natureza e] essência, ou [ensina] alguma outra doutrina fundamental da Fé, e em alguns outros velhos manuscritos houver uma variante que diminua aquela ênfase, ou que, por omissão, de todo a joga no lixo, então esta última variante deve tomar precedência sobre aquela primeira”.7
Algumas alterações feitas pelo texto crítico podem ser identificadas em certas traduções. A ARA, por exemplo, põe certas expressões que foram omitidas no TC entre colchetes, enquanto a NVI traz o texto já alterado, porém com notas de rodapé. Interessante notar que, quanto mais recente a tradução, mais ela afeta o texto bíblico. Por exemplo, o trecho de I Jo 5.7 – talvez o texto mais claro sobre a Trindade das Escrituras – que a ARA coloca entre colchetes, a NAA remove completamente, sem direito nem a nota de rodapé. Isso apesar de esse trecho ser citado por Irineu no séc. II, entre outros pais da Igreja, incluindo Jerônimo que, na sua época, disse que esse versículo estava sendo omitido, não por equívoco, mas intencionalmente.
Sobre o Códice Sinaiticus, o Dr. F. H. A. Scrivener escreve: “O Códice é coberto com alterações de um caráter obviamente corretivo – devidas a pelo menos dez diferentes revisores, alguns deles [os revisores] sistematicamente se espalhando sobre CADA página, outros ocasionalmente, ou limitados a porções separadas do manuscrito, muitos destes sendo contemporâneos ao primeiro escritor, mas a maior parte [dos revisores] vivendo no sexto ou sétimo século”.8
Tais são os manuscritos que ganharam as terminologias ‘os melhores documentos’, ‘os manuscritos primários’, ‘as autoridades de primeira classe’, ‘a evidência primitiva’, etc. Como testificam John Willliam Burgon e F. C. Cook:
Uma diligente inspeção de um vasto número de textos mais recentes, espalhados através das principais bibliotecas da Europa, e a colação exata de alguns deles, nos convenceram ainda mais de que: [a] a veneração geralmente exigida e prestada a B [Vaticanus], A [Sinaiticus], C e D não é nada mais senão uma fraca superstição e um erro vulgar; [b] a data de um manuscrito nada diz da sua essência mas é sim um mero acidente do problema; [c] os textos mais recentes… em incontáveis ocasiões, e como uma regra, preservam aqueles delicados contornos e minúsculos refinamentos que observamos constantemente que os ‘antigos unciais’ aniquilaram. E daí, ascendendo a uma inspeção sistemática do inteiro campo da Evidência, encontramos razões para suspeitar mais e mais da sanidade das conclusões às quais Lachmann, Tregelles e Tischendorf tinham chegado. Em paralelo, parecemos ter sido levados (como se pela mão) a discernir claras indicações da existência de ‘um caminho mais excelente’ para nós [trilharmos]. 9
“De longe, o maior número de inovações, inclusive aquelas que dão os mais severos choques nas nossas mentes, são adotados sob a autoridade de dois manuscritos, ou mesmo de um manuscrito, contra o distinto testemunho de todos os outros manuscritos, unciais e cursivos… O códice do Vaticano… algumas vezes sozinho, [mas] geralmente em acordo com o do Sinai, é responsável por nove décimos das mais chocantes inovações da Versão Revisada”.10
O caso é que tais textos descobertos não passariam nos critérios utilizados pelos pais da igreja (e provavelmente foram mesmo rejeitados, dada a conservação dos manuscritos), apesar de exaltados pelos eruditos modernos. O texto crítico é também chamado de texto eclético. Pode ser comparado a uma colcha de retalhos, pois é uma mistura obtida através dos textos alexandrinos e de acordo com o julgamento do crítico. Isso significa dizer que nenhum manuscrito corresponde ao texto grego de Westcott-Hort ou de Nestlé-Aland; sua obra mesclada somente surgiu em tempos modernos.
Mais recentemente surgiram ainda os manuscritos do mar morto, que se trata de um conjunto de documentos gnósticos, junto aos quais se acharam alguns trechos da Bíblia, além de apócrifos e outros. Mesmo assim, por serem muito antigos, muitos tradutores também consideraram necessário utilizá-los para “corrigir” a Bíblia.
4. Faz diferença?
Faz e muita. Diferente do que alguns dizem, não se trata apenas de estilo de linguagem. Embora algumas diferenças sejam pequenas e talvez mude meramente a ordem das palavras, há muitos casos de omissões e alterações, o que, em se tratando da Palavra de Deus, já é algo grave, independente do resultado. Mas os principais problemas estão na afetação de diversos textos que abordam as doutrinas principais do cristianismo, como a Trindade, a divindade de Cristo, a propiciação só pelo sangue de Cristo, a morte vicária de Cristo, a inspiração da Bíblia, a doutrina da salvação, o nascimento virginal de Cristo, a importância do jejum, além de muitos títulos divinos de Cristo.14
Não somente isso, mas também grave é a doutrina da Inerrância sendo minada pelos erros e contradições e a perda da autoridade objetiva do texto. Através de muitos colchetes, notas de rodapé e diversas divergências, instala-se a dúvida na mente dos leitores se o texto que tem em mãos é de fato autoritativo, ou seja, de inspiração divina, ou invenção humana, e quem decide isso.
“Inclinar-me-ei para o teu santo templo, e louvarei o teu nome pela tua benignidade, e pela tua verdade; pois engrandeceste a tua palavra acima de todo o teu nome”. Sl 138.2
5. Westcott e Hort
Brook Foss Westcott e Frenton John Anthony Hort são considerados os pais da crítica textual moderna. Padres anglicanos, liberais e descrentes, abraçaram as ideias darwinistas além de outras heresias romanistas.
Influenciados pela recém-lançada teoria evolucionista de Darwin, eles diziam que o texto Bíblico também ‘evoluiu’ dentro da igreja. Seu trabalho de crítica textual parte do pressuposto de que o texto original se perdeu fatalmente, porquanto seria impossível ter certeza quanto a qual texto seria o correto; na melhor das hipóteses, através de um esforço diligente dos críticos, e segundo seus critérios e seus julgamentos (um tanto subjetivos), poderíamos nos aproximar bastante daquilo que Deus tinha intenção de nos comunicar.
Como este é um trabalho muito dinâmico, novas versões surgem a todo momento, sem nunca haver uma unanimidade nos críticos. Cada nova versão lançada não é simplesmente uma atualização de linguagem, mas também uma mudança de textos e significados. Uma vez acatada esta teoria, não se há como prever que novidades podemos alcançar com as novas bíblias a surgir.
Foram Westcott e Hort (WH) que “propuseram a teoria de que o texto original do Novo Testamento sobreviveu (em condições quase que perfeitas) nestes dois manuscritos, especialmente no Vaticanus. (…) eles descartaram qualquer possibilidade de preservação providencial do texto do Novo Testamento”11. Há de se notar, como diz o Pr. Walter Campello, que “esta alegação dos críticos coloca Deus como tendo sido incompetente ao preservar Sua Palavra”12 revelada e dada aos apóstolos, de modo que a ciência teria se tornado então o instrumento para que possamos recuperar a Palavra divina.
O texto de Westcott-Hort difere do TR, que tem sido utilizado pela cristandade, até então, de 19 séculos, em 9970 palavras – são 1 a cada 14 palavras, o equivalente aos livros de I e II Pedro juntos! “Os textos alexandrinos utilizados NÃO merecem confiança, estão permeados de erros e rasuras. E principalmente têm como principal fonte de sustentação de sua validade e correção a autoridade da Igreja Católica Romana”.12
“Os revisores de 1881 fizeram 36.000 mudanças em inglês sobre a [Versão Autorizada – King James], como também quase 6000 no texto em grego. [Os revisores que produziram a impopular Tradução Brasileira (1917), a ARAtlz (1959), e as demais Bíblias-TC, fizeram aproximadamente o mesmo número de mudanças em português].”13
Por ser um texto maior e mais completo, os críticos acusam, embora sem poder provar suas hipóteses, o texto bizantino de ter sofrido diversos acréscimos, de modo a defender os interesses da ortodoxia. Entretanto, no processo de cópias, o mais comum seria ocorrer omissões de palavras em vez de acréscimos!
Mas, se o texto apontado por WH era mesmo melhor, como diziam, a dupla precisaria justificar o porquê de a maioria esmagadora dos manuscritos utilizados pela Igreja pertencer à classe dos textos bizantinos. A fim de justificar a superioridade numérica destes, então, eles elaboraram uma teoria, chamada de recensão luciânica, a qual não tem nenhum respaldo em qualquer documento histórico nem pode ser comprovada.
Tanto o pensamento quanto o texto de Westcott-Hort serviram de base para os textos críticos que surgiram posteriormente, como o de Nestlé-Aland e que são utilizados até o dia de hoje.
Exemplos:
Em I Tm 3.16, mais de 99% dos textos trazem “…Deus se manifestou em carne…”, apontando diretamente para a divindade de Cristo, ao passo que 0,6% o omite. Já o final de Marcos é trazido em cada manuscrito siríaco, contra apenas menos de 0,002% que o omite. Embora não conste dos manuscritos do Vaticano e Sinaitico, é citado pelos Pais da Igreja, incluindo Irineu e Hipólito, nos segundo e terceiro séculos (o que se antecede aos dois antigos manuscritos).
Em Mt 8.29 – e em diversas outras passagens – “[Que temos nós contigo,] ‘Jesus’, [Filho de Deus?]” – ‘Jesus’ é omitido, desconectando-o de seu título;
Em Mc 1.2, ‘nos profetas’ é substituído por ‘pelo profeta Isaías’, obviamente, um erro;
Em Lc 2.33,43, ‘E José, e sua mãe’ é mudado para ‘o pai e a mãe do menino’;
Em Jo 4.42, e em muitas outras passagens, o título de Jesus ‘o Cristo’ é removido;
Em Jo 6.69, ‘tu és o Cristo, o Filho do Deus vivente’ é trocado por ‘és o Santo de Deus’;
Em Jo 9.35, ‘Filho de Deus’ é trocado por ‘Filho do homem’;
Em Mt 17.21, At 10.30 e I Co 7.5 a prática do jejum é omitida.
Outros lugares em que o texto em vermelho é omitido:
Mc 10.24: “… quão difícil é, para os que confiam nas riquezas, entrar no reino de Deus!”;
Mc 11.10: “Bendito o reino do nosso pai Davi, que vem em nome do Senhor. Hosana nas alturas”;
Lc 4.4: “E Jesus lhe respondeu, dizendo: Está escrito que nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra de Deus”;
Lc 7.28: “E eu vos digo que, entre os nascidos de mulheres, não há maior profeta do que João o batista; mas o menor no reino de Deus é maior do que ele”;
Lc 23.42: “E disse a Jesus: Senhor, lembra-te de mim, quando vieres em teu reino”;
Jo 1.27: “Este é aquele que vem após mim, que é antes de mim, do qual eu não sou digno de desatar a correia da alparca”;
Jo 3.13: “Ora, ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do homem, que está no céu”;
Jo 6.47: “aquele que crê em mim tem a vida eterna”;
Jo 14.28: “… exultaríeis porque eu disse: Vou para o Pai; porque meu Pai é maior do que eu”;
At 7.30: “E, completados quarenta anos, apareceu-lhe o anjo do SENHOR no deserto do monte Sinai, numa chama de fogo no meio de uma sarça”;
At 8.37: “E disse Filipe: É lícito, se crês de todo o coração. E, respondendo ele, disse: Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus”;
Ef 3.9: “… Deus, que tudo criou, por meio de Jesus Cristo;
Ef 3.14: “Por causa disto me ponho de joelhos perante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”;
Cl 1.14: “Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a saber, a remissão dos pecados”;
I Jo 4.3: “E todo o espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo…”
Jd 1.4: “… homens ímpios, que convertem em dissolução a graça de Deus, e negam a Deus, único dominador e Senhor nosso, Jesus Cristo”;
Ap 21.24: E as nações dos salvos andarão à sua luz; e os reis da terra trarão para ela a sua glória e honra”.
Esse padrão se repete.
6. A preservação do texto
O problema não é a crítica textual em si, pois essa é uma ciência útil, mas sim nos pressupostos adotados por aqueles que defendem o texto crítico: a descrença na Preservação divina; o tratamento das Escrituras como um texto qualquer; a ideia de uma falta de zelo e atitude reverente dos copistas; a ideia naturalista de que os mais antigos são os melhores, a despeito da qualidade do texto em si. Todo o seu trabalho está fundamento nisso, seguindo, daí, um método subjetivo. Assim se formaram nossas ARA, NVI, NAA, NTLH… Contudo, todas as pressuposições e justificativa que sustentam o texto crítico não podem ser provadas historicamente.
Acostumamo-nos então a ouvir esse ensino e pressupostos nas academias sem questionar. Mas, será mesmo que o texto original se perdeu? O que Deus prometeu acerca de Sua Santa Palavra?
“Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido”. Mt 5.18; “Quanto a mim, esta é a minha aliança com eles, diz o SENHOR: o meu espírito, que está sobre ti, e as minhas palavras, que pus na tua boca, não se desviarão da tua boca nem da boca da tua descendência, nem da boca da descendência da tua descendência, diz o SENHOR, desde agora e para todo o sempre”. Is 59.21; “a Escritura não pode ser anulada” Jo 10.35.
Devemos lembrar, ainda, que Deus prometeu preservar a Sua Palavra – e não os manuscritos. Os documentos originais de fato se perderam com seu uso. Quando Paulo fala sobre a inspiração das Escrituras (II Tm 3.14-16) ele não tinha em mãos os originais, mas cópias. Devemos lembrar também que Deus esteve presente em todo o tempo com Sua Igreja, conforme Jesus prometeu (Mt 28.20), conduzindo-a e cuidando através do Espírito Santo.
Assim, confiamos em Deus e cremos em sua Providência para nos preservar a Sua Santa Palavra, a qual Ele exalta acima de tudo (Sl 138.2), e que não deixaria Sua Igreja por séculos sem a verdadeira Escritura. A isso atesta a Confissão de Fé de Westminster, I-VIII:
O Velho Testamento em Hebraico (língua vulgar do antigo povo de Deus) e o Novo Testamento em Grego (a língua mais geralmente conhecida entre as nações no tempo em que ele foi escrito), sendo inspirados imediatamente por Deus e pelo seu singular cuidado e providência conservados puros em todos os séculos, são por isso autênticos e assim em todas as controvérsias religiosas a Igreja deve apelar para eles…
Ora, o único texto que condiz a tudo isso é o Tradicional (TT), que contém os fiéis textos Massorético (Velho Testamento em hebraico) e Recebido (Novo Testamento em grego).
7. Quem traduz a Bíblia?
Geralmente, os trabalhos de tradução são efetuados por sociedades bíblicas. As que conhecemos no Brasil são a Sociedade Bíblica do Brasil (SBB) e a Sociedade Bíblia Trinitariana do Brasil (SBTB). A SBTB é responsável pela distribuição da versão Almeida Corrigida e Fiel (ACF), que se mantém fiel ao Texto Tradicional, o mesmo que foi utilizado por João Ferreira de Almeida.
Já a SBB disponibiliza as versões NTLH, ARA, NAA e ARC; embora essas últimas tragam o nome ‘Almeida’, não correspondem ao seu trabalho, pois utilizam um texto diferente, o Texto Crítico. Contraditoriamente, a SBB não oferece nenhuma tradução baseada totalmente no texto tradicional.
8. Equivalência formal, dinâmica e paráfrase:
São métodos de tradução. A equivalência formal é aquela que traduz palavra por palavra, alterando minimamente o texto somente onde realmente se faz necessário para compreensão, buscando, assim, transmitir fielmente a real Palavra divina, pois entende que Deus inspirou cada palavra escrita, e não apenas pensamentos. Tem-se o cuidado de escolher a palavra que transmita o mesmo sentido que a original, de modo que, quando se traduz de volta para as línguas originais, serão obtidas as mesmas palavras – por isso é chamada fiel. Quando é requerido acrescentar alguma palavra para que o texto faça sentido na língua traduzida, há a preocupação de colocá-la em itálico, para que o leitor saiba que ela não consta no original.
Já a equivalência dinâmica é um método que procura traduzir o sentido do texto; ou seja, o tradutor fará parte do trabalho de interpretação, com o objetivo de facilitar o entendimento, ainda que se perca as originais palavras. Isso, muitas vezes, pode dar um sentido desconectado do contexto geral, incorrendo no risco de apresentar uma ideia não pretendida pelo autor, como ocorre em Ec 3.11. Além disso, esse método sofre o risco de apresentar a opinião do tradutor ao invés da Palavra divina inspirada. O pior caso que talvez possa ser citado é da tradução de Papua Nova Guiné, o de ‘Jesus, o cordeiro de Deus’, onde ‘cordeiro’ foi substituído por ‘porco’. Por fim, a paráfrase não é uma tradução, mas uma interpretação. Não se tem mais o texto original, mas sim o entendimento do autor.
9. Por que há essa diferença?
Em 1804, um grupo de ingleses se reuniram a fim de tornar a Bíblia acessível a todos, fundando a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, atualmente conhecida como Sociedades Bíblias Unidas (UBS). Em pouco tempo, adeptos do Unitarianismo (que não creem na Trindade) foram incluídos como dirigentes dessa sociedade, a qual incluiu também os apócrifos em algumas Bíblias publicadas na Europa.
Inconformados com essa situação, alguns membros trataram do assunto na Assembleia Anual em 1831, porém na proporção de 6 contra 1 votou-se em manter o status ecumênico da sociedade. A partir disso, esses membros se separaram da mesma, formando então a Sociedade Bíblica Trinitariana, que explicitamente sustenta a doutrina da Santíssima Trindade e rejeita os livros apócrifos.
Ainda hoje, a SBB e UBS não apresentam uma declaração de fé explícita à qual subscrevam todos os seus membros.
10. Conclusão
Muitos pensam que as diferenças entre as traduções são apenas uma questão de estilo de linguagem, bastando escolher aquela a que mais nos adaptamos. Mas há coisas muito mais sérias por trás disso.
A Bíblia do Texto Crítico está sempre em mutação, nunca se admitindo um absoluto da Palavra divina – o texto grego de Nestlé-Aland, por exemplo, que veio após o de Westcott-Hort, já está na 28a edição. Já a 3a edição do texto da UBS produziu, num espaço de 3 anos, mais de 500 alterações em relação à 2a, sem ter havido um acúmulo significativo de novas evidências, pelo mesmo grupo de cinco estudiosos 15. Seguindo essa linha, é bem possível que sua Bíblia já esteja desatualizada.
Texto tradicional:
Versões disponíveis no Brasil: ACF, LTT e BKJ. Vantagens: Texto utilizado por toda a história da Igreja e pelos reformadores, possuindo fluxo de transmissão e fortes evidências de que correspondem ao original, dando-nos segurança de que possuímos, em mãos, as próprias palavras de Deus. Enriquece o vocabulário. Excelente para estudar, compreender e pregar a Bíblia. Desvantagens: estilo de linguagem, em algumas vezes, distante do cotidiano das pessoas. Sugestão: A responsabilidade pela explicação do texto sempre recaiu principalmente sobre os pregadores da Palavra, os quais devem esmerar-se por compreender e transmitir o sentido do texto. Utilizar um dicionário. A editora poderia trazer notas de rodapé explicativas sobre o significado de símbolos, por exemplo, que remetem a um contexto histórico-cultural diferente do público.
Texto crítico:
Versões disponíveis no Brasil: ARA, NAA, NTLH, NVI, NVT, AS21, KJA, BV, BJ, TNM, ARC, etc. Vantagens: Como a maioria trabalha utilizando um método menos formal ou até parafraseado, o entendimento de algumas figuras fica facilitado. Desvantagens: é um texto de qualidade explicitamente inferior e questionável para se tomar como Palavra divina, o que se vê pelo número de rasuras, notas marginais, faltas, excesso de discordâncias e erros (inclusive gramaticais) e um número irrisório de cópias; subjetivismo e relativismo, rebaixando diversas passagens a uma questão de opinião pessoal e gerando dúvidas quanto ao que é de fato Palavra de Deus e sua autoridade sobre sua vida; texto ecumênico e que facilita concessões; as notas de rodapé são bastante desonestas e falaciosas, induzindo o leitor ao erro ao usar com sentido contrário os termos ‘muitos/alguns/os melhores manuscritos’; texto empobrecido devido a diversas e importantes omissões. Sugestão: utilização para comparação, podendo servir de auxílio para compreensão em alguns lugares, tendo o Texto Tradicional como padrão.
Para considerar:
Do que serve entender ou crer que toda a Escritura foi inspirada se não fosse possível saber que texto é esse e tê-lo? Qual a valia das doutrinas da Revelação e Inspiração sem que haja a Preservação? E de que nos vale a doutrina da Inerrância e Infalibilidade da Palavra – dos originais, como alguns dizem, se perdemos os originais, como dizem? – se não sabemos nem podemos saber em definitivo qual é a Palavra (e estando ela em constante mutação)?
Parece que o papel desempenhado pelo magistério romano medieval de instruir a igreja “sobre quais partes da Bíblia são palavra de Deus e quais devem ser corrigidas”16 passou para o colegiado acadêmico. Questionamentos nessa área não são muito bem-vindos e são respondidos com “fale com os especialistas!”. Muito perigoso é constatar que a autoridade da Bíblia volta a estar subordinada a uma elite.
Afirmar que o texto original se perdeu, além de não assumir o poder e interesse de Deus em preservar Sua própria Palavra, faz que a Escritura perca sua autoridade, especialmente para firmar a fé naqueles pontos tão importantes que são justamente os quais o Texto Crítico afeta. Precisamos decidir se cremos que o texto foi preservado por Deus por toda a história ou se ele está sendo restaurado por Deus nos últimos anos.
“Assim, teria Deus escolhido QUASE preservar Sua Palavra através dos gnósticos e filósofos de Alexandria (Egito), embora Deus tenha chamado Seu Filho para FORA do Egito (Mt 2), Jacó para FORA do Egito (Gn 49), Israel para FORA do Egito (Ex 15), e os ossos de José para FORA do Egito (Ex 13). (…)
Se os adeptos da moderna crítica textual estão certos, então Deus deixou a Sua igreja sem a Sua Palavra verdadeira por 14 séculos. Se eles estão certos, os “melhores manuscritos” ficaram escondidos em um convento, ou em uma prateleira do Vaticano, por séculos. A Bíblia é inerrante, desde os seus autógrafos originais, ou seja, em todos os seus escritos fiéis, em todas as suas cópias fiéis, e em todas as suas traduções fiéis, os quais não possuem contradições ou erros. Qual texto nós vamos escolher para conhecermos a Deus, e a Sua vontade? Qual texto vamos utilizar para pregar o evangelho verdadeiro aos perdidos? Qual texto vamos utilizar para nossa leitura, meditação e edificação espiritual? Qual texto nós vamos colocar nas mãos das nossas crianças, a próxima geração?14
Por Vinícius Jordan Fehlberg.
Graduado em administração, empresário e presbítero na Igreja Presbiteriana do Brasil.