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Estou cansado de viver. Darei livre curso à minha queixa, falarei na amargura da minha alma. Pedirei a Deus: ‘Não me condenes!’ Faze-me saber o que tens contra mim. Será que tens prazer em me oprimir, em rejeitar a obra das tuas mãos e em favorecer o conselho dos ímpios? Por acaso, tens olhos de gente? Ou vês tu como vê uma pessoa? São os teus dias como os dias de um mortal? Ou são os teus anos como os anos de um ser humano, para te informares da minha iniquidade e indagares o meu pecado? Bem sabes que eu não sou culpado; todavia, não há ninguém que possa me livrar da tua mão. (Jó 10:1-7)
Ouvir que a nossa ira se acende contra Deus é por si só uma frase absurdamente estranha. Afinal, quem é o vaso para dizer a quem o fez que foi feito de forma errada? E é justamente essa a questão. O livro de Jó não nos traz um homem perfeito cuja a fé nunca fraquejou; ele de fato era integro, reto e temente a Deus, contudo, até homens assim podem se desesperar e até criticar o modo de como Deus age. Em nossa arrogância proferimos até mesmo pesadas acusações contra Deus, vejamos o próprio caso de Jó.
Apesar de sua fé, a sua paciência não era tão longa tanto quanto senso comum nos quer fazer crer. Jó era um homem íntegro, mas ainda assim, um homem. Portanto, quando sua situação se tornou difícil, e quando seus amigos tentavam lhe convencer de que ele deveria ter feito algo abominável para estar sofrendo, logo o “difícil” tornou-se insustentável. Jó então recorreu a pior das companheiras, a ira. De fato, é humanamente impossível não sentirmos o mínimo de ira e raiva quando algo ruim ou injusto nos acontece, é tão verdade que o apóstolo Paulo nos diz “irai-vos”, porém logo acrescenta “mas não pequeis” (cf. Ef 4:26), sentir ira em si não é pecado, mas as atitudes iradas que podem vir disso certamente o são, e Jó cometeu esse erro, o de se irar contra Deus.
A ira de Jó se ascendeu de tal modo por conta de sua aparente injustiça que diz coisas pesadas contra o Senhor Deus. Ele diz por exemplo no v.3: “Será que tens prazer em me oprimir, em rejeitar a obra das tuas mãos e em favorecer o conselho dos ímpios?”. Primeiro Jó indaga acerca da fidelidade de Deus colocando-a em dúvida, alegando que é possível que Deus tenha prazer no sofrimento dos seus e que não vê problema em abandoná-los. Curiosamente a Escritura nos instrui ao pensar justamente o contrário. O Salmo 116, no v. 15 diz que “Preciosa é aos olhos do Senhor a morte dos seus santos”. “Preciosa” aqui assume o sentido de custoso, pesado, ou seja, Deus “pagaria um preço” quando seus santos morrem. Jesus nos ensinou a orar pois Deus é justo, e indaga “será que Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-los?” (Lucas 18:7). Em suma, Deus não nos abandona, ainda que tudo aponte para isso, e o nosso sofrimento não é um prazer para Ele. Mas a segunda acusação de Jó é ainda pior, pois ele questiona a própria santidade de Deus ao sugerir que o Senhor “favorece o conselho dos ímpios” (Jó 10: 3b). De fato isso pode vir a nossa mente, pois se o mal prospera no mundo e parece que os justos nunca vencem, só pode ser porque Deus apoia os ímpios, correto? Errado, Deus abomina o pecado e ainda que o mal pareça vencer, ele já está julgado e condenado, pois “Para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo.” (1 João 3:8). Como então Deus compactuaria com obras ímpias dos “filhos de Satanás”?
Mas por que Jó se irou e fez julgamentos pesados contra Deus? A resposta para isso surge a partir do capítulo 38 do livro de Jó. É aí que Deus fala e mostra ao irado Jó que Ele, o Senhor, é o soberano sobre toda a criação, e Jó por sua vez é um mero espectador que nada entende da criação e de com o Universo funciona, como ele então poderia querer entender por que o mal acontece e o bem parece perder?
Felizmente Jó chegou a uma boa conclusão: “Na verdade, falei do que eu não entendia, coisas que são maravilhosas demais para mim, coisas que eu não conhecia.” (Jó 42:3b). Primeiro, Jó reconhece que estava errado, e por fim chega ao entendimento do porquê estava errado, e de ter feito um julgamento equivocado acerca de Deus: “Eu te conhecia só de ouvir” (Jó 42: 5a). Um entendimento errado acerca de Deus é fruto de não conhecermos a Deus, e por isso, quando coisas ruins acontecem, logo falamos ou que Deus é injusto, ou que é mal e que não se importa conosco, simplesmente blasfemamos porque não conhecermos a Deus.
Que o Senhor nos ajude a mudar essa situação se acaso nos assemelhamos a Jó nesse sentido, e que entendamos que Deus age de maneira santa e ainda que pareça que o mal e a injustiça estão vencendo, não devemos temer nem nos irar contra Deus, pois Ele está no controle e sabe de coisas que nós são sabemos. A nós, assim como Jó, nos resta somente dizer “Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza” (Jó 42:6).